por Kilma Farias
Cia Lunay em Axial |
Os traços das danças dos Orixás, dos torés, dos caboclinhos,
do coco, cavalo marinho, carimbó, maracatu, forró, samba, capoeira, frevo e
todo o contexto sócio-político-cultural em que estão inseridos, estão presentes
em cada brasileiro, no gesto cotidiano, como se fossem códigos de um DNA
cultural entrelaçados em nossa personalidade e que, sem necessariamente serem
explícitos, afloram em nossa corporeidade.
O Tribal Brasil é um estilo de dança em
processo onde me dedico há 11 anos na pesquisa de diferenças e semelhanças
entre danças orientais e populares do Brasil, resultando em uma nova dança com
proposta híbrida que vem nos falar sobre identidade. Vejamos o que diz Stuart Hall (2011) sobre identidade:
[...] preenche o
espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo
público. O fato de que projetamos a nós próprios nessas identidades culturais,
ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os
“parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os
lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. (HALL, 2011, pp. 12).
Ocupar um lugar no mundo, seja ele no mundo
cotidiano ou no mundo da arte, na dança, é algo que se faz mesmo sem intenção.
Pois, quando elaboramos uma coreografia ou nos entregamos a um improviso,
estamos falando sobre nossa(s) identidade(s) em nós e no mundo, mesmo que não
seja de modo proposital. É impossível não falar. O “não falar” já comunica uma
identidade: a de calar, silenciar, se omitir ou ser indiferente.
Samile Dias, interpretando Gabriela. |
No Tribal, falamos “de muitas tribos” como
já explicava Jamila Salimpour na época de formação inicial do Bal Anat. Só que
falamos de um modo traduzido, sob nossa ótica – a nossa forma de perceber e de
dizer ao outro o que nos encanta nas outras culturas.
A esse ato de se colocar como multiplicador
da identidade cultural de um povo, Hall (2011) chama
de Tradução. O tradutor seria uma pessoa com vínculos arraigados com sua
cultura local que, por algum motivo, foi distanciada de sua terra natal. Essa
pessoa continuará mantendo forte vínculo com seu lugar de origem e suas
tradições, mas sem a ilusão de retornar ao passado. “Elas são obrigadas a
negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas
por elas e sem perder completamente suas identidades”. (HALL, p. 89, 2011). Com
a particularidade de que elas não serão unificadas porque são o produto de
várias culturas interconectadas. “As pessoas pertencentes a essas culturas
híbridas [...] estão irrevogavelmente traduzidas” (HALL, p. 89, 2011).
Trazendo
esse pensamento para nossa arte, o Tribal, poderíamos pensá-lo como uma arte traduzida
a partir de várias etnias transformada em dança. No caso do Tribal Brasil, a
identidade da cultura popular e afro-brasileira é traduzida para o Tribal
Fusion, que, por sua vez, já é a tradução de diversas etnias, culturas e
subculturas que foram agregadas ao American Tribal Style® (ATS), que, por sua
vez, é a tradução da dança do ventre hibridizada com o flamenco e a dança
indiana. Ufa! Que mistura, heim?
Jaqueline Lima |
Isso
nos leva a refletir que possivelmente haja um desejo de nos mantermos ligados,
conectados a um todo imaginário, de sermos integrantes de uma só dança cósmica,
um só movimento, mas ao mesmo tempo sendo únicos em cada expressão, cada um com
sua identidade.
Para
Hall (2011), esse desejo de identidade unificada é uma ilusão.
"A identidade plena unificada, completa, segura e coerente
é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada
uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.” (HALL,
2011, p. 13).
Sendo a arte uma representação que fala da
sociedade em que está inserida, penso essa liberdade de se identificar, ao
menos temporariamente, com determinada identidade, como uma das fortes
características do Tribal Brasil. Pois, cada processo coreográfico nos chama a
imergir em identidades múltiplas, seja na cultura Afro, seja na indígena, ou na
popular dos maracatus e cocos de roda. E me encanta essa multiplicidade de
possibilidades a serem dançadas, de traduzirmos o passado e o presente em
movimento, em Tribal Brasil.
Kilma Farias em Feminino Plural. |
E pra você? Quais identidades movem sua
dança, ou que danças movem sua identidade?
Tribal Brasil - Identidade no Corpo
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João Pessoa, Paraíba