Geralmente quando começamos a praticar uma nova modalidade
de dança por livre escolha, seguimos com entusiasmo todas as instruções do professor.
Podemos apenas aceitar seus comandos, e lembrar de como é difícil e dolorido
fazer os movimentos parecerem com os dele, ou então, atentar para os processos
de equilíbrio, coordenação, vigor que acontecem em todo nosso corpo e suas
respostas.
O aluno pode ser naturalmente questionador, ou tornar-se a
partir de incentivos vindos de seu mestre. Quando o aluno tem esse pensamento
desde cedo, ele pode vir a se tornar um professor ainda mais sedento,
reflexivo, pensador e não apenas executante da dança. A cabeça fica mais aberta
para questões mais relevantes e a Dança evolui de forma significativa.
Hoje, como professora de Dança do Ventre e Tribal, pesquiso
a respeito dos assuntos que envolvem ambos estilos e procuro relacioná-los com
nosso corpo, tempo e sociedade. Sempre me perguntei: “Por que ‘cavalo de
pau’?”, “Porque ‘oito maia’?”, “Por que ‘Escorpião’?”. Quando haviam respostas
eram sempre do tipo “Não sei, mas parece com este desenho.”, ou então “É por
causa da região onde originou o movimento.”... “Enfim, é feito com uma suave
flexão de joelhos, lateralização do quadril, meia ponta, etc...”
Quando a gente dança se preocupando apenas com o resultado,
ignoramos o verdadeiro sentido da dança, em quem, desde a pré-história, o
sentimento de alegria, comemoração e gratidão predominavam sobre qualquer
técnica. A dança simplesmente acontecia.
O resultado como justificativa dos meios tem se tornado
muito comum em vários estilos de dança e a Dança contemporânea (um jeito novo
de pensar a Dança) aparece como alternativa para resgatar a importância do
processo como justificativa dos resultados.
Como exemplo, posso citar um exercício que tive a
oportunidade de fazer em um Workshop com o professor João Junior (RN) em São
Paulo.
Num primeiro momento, o professor-condutor pediu para que os
alunos vivessem cada segundo e não se preocupassem em alcançar um padrão de
movimento, apenas sentir o gesto natural de seus corpos através de um
determinado estímulo. Estávamos todos de olhos fechados deitados ao chão
sentindo nossa respiração. Aos poucos incorporávamos um passarinho em nossa
bacia. A ave, por sua vez, subia pela nossa coluna fazendo movimentar cada uma
de nossas vértebras. Naturalmente estávamos deslocando pelo espaço e nos comunicando
com os colegas em cena. A qualidade do movimento que cada um representava
dependia da estrutura anatômica do seu corpo, da força de seu passarinho e seu
estilo de vida. Tocávamos e sentíamos a influência do outro e do espaço sobre
nossa movimentação. Eram movimentos sinuosos, cadenciados, grossos, finos, tortos,
retos, rápidos, lentos... Ninguém igual a ninguém e todos movidos por uma
intenção. As coisas aconteciam de dentro para fora, dissipando uma energia
incrível! Em momento algum o professor citou nomes de movimentos como metas a
serem alcançadas, muito menos demonstrou o que deveria ser feito e, mesmo assim,
senti e vi tudo aquilo como um prato cheio para sensibilização corporal para os
isolamentos presentes na Dança do Ventre e Tribal.
Está aí! Se me falassem agora que a ondulação frontal que
executamos com a bacia e o tronco chamasse passarinho, acreditaria fácil!
Professor, o que de fato devemos ensinar primeiro ao aluno?
Quais respostas um corpo “cru” e um corpo com experiências dançantes apresentam
ao receber o comando de “camelo invertido”? Bailarino, o que sentimos ao fazer
cada movimento? Cansaço? Dor? Prazer? Nada? O sorriso que você expressa ao
dançar vem de dentro para fora ou de fora para dentro?
Com a ajuda de outros profissionais de Dança do Ventre e
Tribal presentes atualmente pelo mundo, vou tentando buscar algumas respostas
que nortearão o ensino da dança de acordo com sua verdadeira essência.
Uma das coisas que aprendi com a Educação Física foi o trabalho
com pessoas e para pessoas cuidando do corpo e sua educação. Entendi que o
corpo, como matéria prima, precisava familiarizar-se com as questões que o faz
ser como é: corpo físico, corpo social, corpo sentimental, enfim, corpo
dançante. A partir dessa concepção passei a eliminar qualquer preocupação
excessiva sobre os detalhes de figurino, execução obrigatória de um movimento
que não me simpatizava e com que o outro iria pensar e falar da minha dança. Em
contra partida passei a investigar a origem do movimento, a cruzar os olhares e
tocar o corpo de quem contracenava comigo e, o mais importante, observar os
bailarinos amadores e profissionais de forma impessoal.
Colegas que dançam, podem ou não apresentar um trabalho
legal em um dia, mesmo sendo professor há anos e, num ponto de vista
avaliativo, tenho o dever de ser verdadeira e auxiliá-lo quando pedir minha
opinião. Assim como gostaria de saber a verdadeira opinião de um profissional
da dança que certamente tem muito a oferecer. Sabendo ouvir e filtrar as
críticas, certamente seremos respeitosos na hora de avaliar, ajudando também o
próximo. Não é tarde para reforçar que o aprendizado nunca termina e muitas vezes
ele pode estar bem perto de você e acessível financeiramente.
Libertando-se de preconceitos, paradigmas e vaidade, abrimos
um leque de possibilidades para trabalhar o nosso corpo de forma física e
sentimental, através do toque e da observação. A nossa dança fica mais
verdadeira, saudável e única.
Não tenho rixas, muito menos inimigos na dança. Ser
discordada ou não ser agradada não me faz “virar a a cara” pra ninguém,
simplesmente aumenta minha curiosidade em conhecer novas concepções de um ser
cheio de personalidade e peculiaridades.
Defendo a liberdade de expressão que me possibilita ouvir,
questionar, brigar pelos meus direitos, ser entendida, ser discordada,
investigar, tocar, sentir... Aprender, compartilhar e entender o processo
fisiológico, sentimental, anatômico, comportamental e psicológico dos corpos
dançantes.
Fico feliz por ver bailarinos e professores de qualidade
surgindo a cada momento, pois, além de mais uma fonte de estudo, posso
compartilhar experiências com aqueles que também têm os mesmos questionamentos
e contribuir com a Dança do Ventre e Tribal do nosso tempo. Para finalizar,
gostaria de agradecer a todos os professores, alunos e bailarinos que, mesmo
sem me conhecerem, direta e indiretamente, contribuíram para minha formação.
Palavras chaves:
aprendizado, experiências, corpo dançante, reflexão, extensão do conhecimento.