Formação no Tribal por Ana Clara Oliveira

Formação no Tribal
Ana Clara Oliveira, Maceió – AL, Brasil


Sobre a coluna:

Convido você para refletirmos sobre os processos formativos na comunidade da dança Tribal. A coluna pretende se dedicar aos assuntos que envolvem o contexto de ensino-aprendizagem na dança. No decorrer das postagens, vamos discutir os temas como conteúdos, capacitações internacionais e nacionais, tendências pedagógicas, metodologias, métodos, avaliações, relação entre docente-discente, cursos acadêmicos e outras modalidades do ensinar/do aprender. Trago a você uma convocatória para pensarmos a educação da Fusão Tribal no Brasil. 


Sobre Ana Clara:

Ana Clara é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Possui Licenciatura em Educação Física (UESC) e formação em Dança através de especializações. Coordena a extensão universitária em Tribal na UFAL. Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal (AL). É estudante de Bharatanatyam.  Contato: anaclaradanca@gmail.com e seu instagram é @anaclaradanca.


Artigos


[Resenhando-SC] Jornada Tribal 2019

 por Cintia Vilanova e Raqs Produções




Olá, leitores do Coletivo Tribal!


Venho aqui no Resenhando-SC trazer para vocês outro evento que aconteceu durante o tempo que o blog estava for a do ar, a Jornada Tribal 2019. Organizado por Cintia Vilanova e  Raqs Produções, o evento ofereceu 10h de workshops com Rebeca Piñeiro com os temas: Refinamento Técnico, Dialetos de Espada, Dialetos de Saia, Duelling Duets e Floowork. Com temas variados e uma carga horária bem distribuída, deixou todos os entusiastas de FCBD® Style de Florianópolis muito satisfeitos, eu inclusive. Com as palavras da organizadora:


A Jornada Tribal é uma expressão que gosto de usar para definir o caminho que cada dançarina vive ao decidir pelo tribal como sua dança de empoderamento! Dessa vez, a Jornada ganhou um presente que será um final de semana inteiro de estudo e troca com Rebeca Piñeiro, uma das pioneiras do ATS®* no Brasil.”.


*OBS: No mês de agosto de 2019 ainda era denominado ATS®.






A programação do evento foi a seguinte:


Sábado - 24/08/2019
9h30: Refinamento Técnico
10h30 às 12h30: Dialetos de Espada para FCBD® Style
14h às 16h: Dialetos de Saia para FCBD® Style
19h às 21h: Hafla Sangha Tribal

Domingo - 25/08/2019
9h30: Refinamento Técnico
10h30 às 12h30: Duelling Duets
14h às 16h: Floorwork





A Jornada Tribal contou com o Hafla Território Improviso, com arena livre para dança e inscrições para os participantes receberem avaliações por Rebeca Piñeiro no FCBD® Style e Vanessa Iara na Dança do Ventre. Confira o vídeo abaixo com a apresentação de Rebeca Piñeiro e Cintia Vilanova:



Muito obrigada por acompanharem! Até a próxima!


_____________________________________________________________________________

Resenhando-SC


Aline Pires (Florianópolis-SC) é bailarina e professora de dança oriental árabe e fusion bellydance/tribal fusion natural de Florianópolis, Santa Catarina e proprietária do La Lune Noire Estúdio de Dança. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Passo a Passo] Treinando FCBD® Style no Isolamento

 por Natália Espinosa

Feliz Ano Novo a todos! 

2021 chegou, mas a vacina ainda não é uma realidade para nós, brasileiros. Para quem dança e ama a improvisação coordenada em grupo, especialmente quem está respeitando o isolamento e distanciamento social (obrigada!), são mais alguns meses de ansiedade e certa tristeza na espera pelo retorno das aulas e apresentações, afinal, não existe ATS®/FCBD® Style sem um grupo. No entanto, isso não significa que devamos parar de estudar, de forma alguma! Podemos e devemos continuar trabalhando nossa dança para que ela esteja afiada quando formos dançar novamente.  

Mas como estudar sem o grupo, sem as dinâmicas, sem as trocas de liderança? Tentar uma improvisação coordenada por videochamada não está fora de questão, mas pode ser muito difícil e diminuir a diversão da prática. Por isso, hoje elenquei algumas formas que considero interessantes e de sucesso para quem estuda sozinho. Uma curiosidade: muitas dessas coisas eu mesma fiz em 2010/2011/2012, quando não tinha absolutamente ninguém pra dançar comigo em Campinas e eu não queria deixar de estudar, pois tinha muita dificuldade e não podia me dar o luxo de praticar somente nas aulas. Ou seja, independente de isolamento, são técnicas que podem ajudar qualquer estudante em qualquer momento da vida! Vamos lá?


Algumas dicas de estudo, com sugestões de nível.


📍 Para nível básico:


-
O mais óbvio: coloque uma música tranquila e se filme dançando e tocando. Observe como está a execução de passos e transições. Filmar é melhor do que olhar no espelho, porque o ideal é que você não se interrompa e não se acostume a ver o que está fazendo enquanto dança.

-  Demarque no chão a sua caixa de dança (pode ser com fita crepe ou com algo que delimite os cantos da caixa) e, ao treinar, busque se posicionar e executar os passos da forma mais correta em relação à caixa. Trabalhe em manter o ângulo de performance, em não perder as direções durante a execução dos movimentos, acertar as laterais e diagonais, etc.

- Estude snujs. Não somente bater os snujs, mas tocar, de fato. Faça uma playlist com músicas que considera fáceis, mais ou menos e desafiadoras, e treine. Faça o experimento de tocar essas músicas sem dançar. Outro estudo: dance e toque com metrônomo, sem a ansiedade das variações de uma música. Isso pode ajudar você a sincronizar seus passos e seu toque.

- Desafie-se a dançar o lento cada vez mais lento. Ative o modo slow motion em sua mente. É muito comum, quando somos iniciantes ou básicos, sentirmos ansiedade ao pegar a liderança no lento, e acabamos “correndo” na movimentação sem perceber. Não esqueça de se filmar, nem sempre o que percebemos no corpo corresponde ao que o público vê quando dançamos, especialmente quando estamos começando.


📍 Para nível intermediário:


-
  Todas as dicas anteriores;

-  Treino de roda, dá pra fazer? SIM, e é muito importante. É até benéfico estudar a precisão do deslocamento e dos movimentos em roda sem outras pessoas, porque diminui a ansiedade e o foco fica na sua técnica. Demarque o centro da roda com algum objeto e busque se mover em torno dele mantendo sempre a mesma distância, mantendo o ângulo de performance. Estude a precisão do shimmy, cuidado para não se deslocar “caindo e subindo”, treine outros passos que você não tem o costume de fazer em roda.

- Treine o seu toque militar e o up2 down3. É, isso mesmo. Esse movimento não é muito treinado em geral, e acaba criando um pânico quando aparece. O final do toque militar também é difícil de acertar, então é importante treinar com foco em separar os snujs depois que eles se tocam nesse momento.

- Comece a treinar sua leitura musical com o mesmo afinco que treina os passos. É muito importante que a gente estude com a ideia de que ATS®/FCBD® Style é uma dança, e que cada um de nós tem a oportunidade de trazer nossa própria visão artística para a performance. É isso o que diferencia as apresentações empolgantes das monótonas! Ao dançar, cante a música com seu corpo!

- Comece também a trabalhar com estudos de caso: assista vídeos e estude dinâmicas a partir deles. Estude também as transições, as escolhas no que diz respeito à musicalidade. Assistir vídeos como pesquisa é uma forma excelente de estudar. Dance com o vídeo, faça anotações a respeito.

- Estude o trabalho de pés na movimentação e deslocamento – roda, fade, etc. Tente manter os pés mais juntos do que separados, cuidado para não esticar os joelhos, observe onde está jogando o peso.



📍 Para nível avançado:


-
 Todas as anteriores;

-  Treine spins. Filme-se fazendo spins. Treine spotting, treine não “pular” enquanto faz spins.

- Mapeie dinâmicas avançadas num papel, desenhando mesmo. Desenhe o “shell game”, por exemplo. Desenhe o ASWAT em dupla. Use setas. Depois, tente fazer os deslocamentos apenas andando. Ajuda muito entender as direções sem depender de outras pessoas.

- Trabalhe na limpeza de suas senhas. Estude para ser um bom líder. Suas senhas estão precisas, estão visíveis? Filme-se dando senhas.

-  Você faz trabalho de chão (floorwork) com frequência? Maravilha, então você sabe que é importante alongar e fortalecer. Busque uma rotina de exercícios e alongamento para ajudar no seu floorwork e estude floorwork de forma constante, porém não extrema. Isso te ajudará a levar uma movimentação mais bonita e fluida para o palco, sem se machucar.

- Pense fora da caixa com snujs. Ta-ca-tá, a essa altura, é tranquilo pra você. Por que não marcar um baladi quando dançar baladi? Por que não marcar um saidi quando for dançar, por exemplo, Luxor Baladna? Por que não marcar texturas diferentes? Por que não trazer os snujs pro lento? Seja ousado!

- Você não é um robô: cada pessoa traz alguma coisa, um detalhe, um jeito de fazer determinado movimento, um detalhe no posicionamento das mãos, algo de único. Qual é o seu sabor único, você reconhece? Observe seus vídeos de apresentação ou treino! É bom reconhecer aquele toque especial que somente nós trazemos para a apresentação.


📍 Estudo teórico para todos os níveis:

- Teoria não é somente cronologia. Coloque no papel as seguintes perguntas: 

. O que é o ATS®/FCBD® Style? 

Por que ele existe? 

Qual é a diferença entre ATS®/FCBD® Style, dança do ventre e tribal fusion (ou outro nome que você prefira)? 

Por que eu gosto desse estilo de dança?


-  Entenda o ATS®/FCBD® Style a partir do figurino. 

Por que existe um dress code?

De onde vem cada elemento? 

De que forma a estética se liga à filosofia do estilo? 

Que mudanças já ocorreram?

Estude apropriação cultural. Não dá mais pra só dançar e ignorar os aspectos sociais e políticos envolvidos. Tatuagens faciais, bindi, algumas jóias que usamos... qual é o limite? Como fazer de forma respeitosa?

- Vá atrás da tradução das letras das suas músicas favoritas para dançar ATS®/FCBD® Style. Entenda de onde vieram, seu contexto.

- Quem é você nessa dança? Que músicas gosta de dançar? Você prefere clássico, moderno, dialetos? Gosta de elementos cênicos (props)? Por quê? Quais são seus tecidos e cores favoritos? Como você arruma sua cabeça? Entenda o que você ama, catalogue (em caderno, no computador, no Pinterest) sua estética favorita, acessórios, esquema de cores. Isso te ajudará na hora de montar seus figurinos, escolher onde investir seu dinheiro.

Eu poderia falar mais dez coisas para cada tópico, mas acho que, para começar, essas dicas já são o suficiente. Gostaram? Por favor, digam o que acharam e se já testaram alguns tópicos. Também vou adorar saber as dicas de estudo de vocês! 


Até a próxima!


______________________________________________________________________________

Passo a Passo

Natália Espinosa (Campinas-SP) é dançarina e professora de Estilo Tribal de Dança do Ventre e ATS®.Tornou-se Sister Studio FCBD® em 2013 e está cursando o programa The 8 Elements™ de Rachel Brice. Natália orienta o Amora ATS ® e participa do TiNTí, grupo profissional de ATS® composto por sua professora Mariana Quadros e por Anna Pereira. Sua grande paixão é ensinar e seu palco é a sala de aula. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


[Que História é Essa?] Fontes históricas o que elas contam: analisando um discurso de Jamila Salimpour

 por Ana Terra de Leon

Olá! 

Se você leu o post passado, sabe que no texto que se segue vamos responder ao roteiro de perguntas que fizemos pra uma fonte histórica. Se você não leu o post anterior, para tudo e corre pra esse link pra entender o contexto e depois volta pra esse aqui, ok? 

Na postagem passada sugeri que analisássemos o discurso de Jamila Salimpour na Conferência de Dança do Oriente Médio de 1997. Sugeri um pequeno roteiro e uma problemática para respondermos, como veremos mais adiante.


Jamila Salimpour em figurino de duas peças. Reprodução.
Fonte: http://www.salimpourschool.com/


Para fazer essa pequena análise inicial, precisamos 1) seguir nosso roteiro e 2) saber um pouco mais sobre o documento disponível e como ele é analisado por historiadoras. A exemplo dos historiadores do século XIX (risos), trabalharemos com uma fonte que é, a sua maneira, institucional.

A partir de um movimento chamado Escola dos Annales, que aconteceu na França (e que podemos situar como iniciado na década de 1920) e reuniu muitos historiadores. A partir desta iniciativa, que começou com uma revista, as noções sobre o que poderia ser utilizado como documento histórico começaram a se alargar. Atualmente, qualquer tipo de registro, escrito ou não, deixado pela humanidade, pode ser abordado historiograficamente. Filmes, músicas, performances de dança, receitas de culinária (ou de remédio), fotos, estátuas, prédios!, cartas, entrevistas, literatura, poesias… As possibilidades são inúmeras!

Os limites da interpretação estão 1) na sua abordagem, 2) nas suas perguntas, 3) nas suas discussões teóricas. O fato de podermos utilizar elementos da cultura popular e de culturas mais oralizadas tornou a disciplina histórica menos focada nos processos concernentes às elites e à branquitude. Isso também permitiu que documentos fora de âmbitos institucionais pudessem ser analisados, o que fez com que trabalhadores e trabalhadoras passassem a integrar as páginas dos livros de história, bem como mulheres, os povos pretos, indígenas, asiáticos e por aí vai.  

No entanto, as fontes escritas seguem configurando-se como as mais analisadas por nós - seja porque há uma valorização da escrita no campo da história (o que pode e deve ser problematizado), seja porque é o tipo de fonte sobre o qual mais possuímos arcabouço teórico-metodológico para trabalhar, haja visto que foi o primeiro tipo de fonte aceita na disciplina.  

Retomemos portanto o documento que trouxe no post passado. Trata-se da compilação de um discurso proferido pela bailarina Jamila Salimpour. Como dissemos anteriormente, esse documento você encontra no site da Salimpour School, e é um discurso da bailarina Jamila Salimpour, proferido na International Conference on Middle Eastern Dance, em maio de 1997 (Conferência Internacional de Dança do Oriente Médio, em tradução livre). Vamos retomar o trecho que selecionamos no post passado:

“Já que os musicistas eram em sua maioria amadores, e de uma variedade de países árabes, a música se dava ao acaso. Raramente eles sabiam tocar a mesma peça [musical], frequentemente indo para direções distintas, e eles praticavam durante o show. Não se ouvia falar em ensaios. Não havia muitos músicos à disposição, então não podíamos reclamar. Era mais fácil substituir uma bailarina que um músico.

Todas as músicas que dançávamos eram em ritmos de [compasso] 4/4, com waha-da-oh-noz para taqsim. Músicas como Aziza, com pausas e mudanças no ritmo, eram então apenas tocadas entre as apresentações.

Conforme eu trabalhava e assistia dançarina depois de dançarina, eu tentava descrever para minhas amigas da dança algumas das coisas que eu via e que eram diferentes. Quando Tabora Najim veio dançar na cidade, foi a primeira vez que eu vi uma queda turca e um flutter. Seu trabalho de véu era único e coreografado. Ela terminava cada apresentação com um kashlama. Frequentemente uma dançarina fazia um passo e então trabalhava variações em cima de um tema. Se um movimento era similar ou relacionado a outro de alguma forma, eu os categorizava como uma família. Eu cataloguei mentalmente tanto quanto eu podia lembrar e incluí em meu formato [de dança]”.

Recorte do documento analisado neste texto. Reprodução.
 Fonte: http://www.salimpourschool.com/


No post passado, elaborei um pequeno roteiro de perguntas para respondermos neste post. Gostaria de lembrar que esta é uma análise preliminar de fonte e não um texto aprofundado, como um artigo acadêmico seria, por exemplo. Aqui, vamos fazer uma pequena interpretação e não uma análise propriamente dita.

 

1. Que tipo de documento é esse? 

 

Trata-se de uma fonte escrita. É o discurso que Jamila Salimpour proferiu na 1ª Conferência de Dança Médio-Oriental da Faculdade Orange Coast, na Califórnia. O texto fala sobre a trajetória pessoal e profissional de Jamila na dança, contada em primeira pessoa. 

 

2.  Quem produziu?

Jamila Salimpour o produziu. Porém, sendo este documento ligado a um evento, é possível dizer que ele foi também produzido pela Conferência em si, afinal há o aval das produtoras do evento para que este conteúdo seja proferido. Além disso, precisamos levar em consideração a veiculação do documento no site da Escola Salimpour, tocada por Jamila e sua filha, Suhaila.  

 

3. A quem se destinava?

Originalmente, o documento destinava-se ao público da Conferência Internacional de Dança do Oriente Médio. A partir da disponibilização no site da Escola Salimpour, o documento passa a ter como público alvo praticantes e estudantes de dança do ventre e suas fusões, e pessoas interessadas em compreender a difusão desta manifestação artística no mundo ocidental, notadamente nos EUA.

 

4. Qual a intenção da autora do documento em produzí-lo? 

Pode ser visto como um testemunho, um documento que carrega a memória de quem o produziu - e portanto deve ser tratado metodologicamente como tal, e não como atestado de verdade (falaremos sobre isso no próximo post!). É um tipo de escrita de si, afinal a autora constrói um discurso sobre si mesma a partir de sua trajetória. Este tipo de documento é muito interessante para observarmos que tipo de imagem o indivíduo busca construir sobre si mesmo

 

5. Do que se trata, qual o assunto deste documento?

Neste documento a autora descreve o cotidiano das bailarinas de cafés, restaurantes e boates de São Francisco, nos Estados Unidos, durante a década de 1960. 

 

6. Em que local e em que data foi produzido?

Não sabemos exatamente quando Jamila escreveu o discurso, mas sabemos que ele foi proferido entre 16 e 18 de maio de 1997, durante a programação do evento, que ocorreu numa faculdade da Califórnia.

 

7. Qual o contexto de produção? (Aqui,tente pesquisar que evento foi este)

Não é possível pensar nesta fonte como um documento isolado: está inserido dentro de um contexto maior - na verdade, em dois contextos maiores. Um destes contextos é o próprio país de Jamila (Estados Unidos) na década de 1990. O outro é o contexto da década de 1960, sobre a qual o documento se debruça mais demoradamente. O terceiro contexto é a própria Conferência.

O evento foi pensado por Angelika Nemeth (bailarina e professora de dança do ventre na Orange Coast College, integrando o quadro de professores de dança), em conjunto com Shareen El Safy (bailarina que foi editora e colunista da Habibi Magazine entre 1992 e 2002) e Sarah Saeeda (nome artístico de Sarah C. Kent, bailarina de dança do ventre com vasta experiência nos palcos do Egito). 

 

8. Quem preservou e disponibilizou este documento (o original e/ou a tradução que você leu)? Com que finalidade?

É interessante se perguntar por que motivo esta fonte foi preservada de maneira pública no site da Escola da família Salimpour. Possivelmente foi preservado inicialmente por Jamila, constando em seu acervo pessoal, e posteriormente divulgado por Suhaila, que, sabe-se, tem um papel importante na preservação e propagação dos ensinamentos do formato iniciado por sua mãe e continuado por ela própria.

Por tratar-se de um testemunho, é sempre necessário ter um olhar crítico para esta produção. O texto busca firmar uma autoridade da autora em relação aos “primórdios” da prática de dança do ventre em seu país e sua propagação. 

 

9.  Quais pontos deste documento lhe chamaram mais atenção?

Esta resposta é onde cada um vai privilegiar no texto os aspectos que considera mais pertinentes de acordo com a abordagem. Vou utilizar como exemplo a questão envolvendo as músicas utilizadas nas performances:

Pelo excerto selecionado, é possível captar algumas coisas a respeito da maneira como eram estruturados os shows na época. Em primeiro lugar, podemos identificar que os shows eram feitos com música ao vivo e que os músicos que executavam essas apresentações não eram profissionais. A estrutura das músicas em compassos regulares parecia ser pensada de forma a facilitar não só a execução das mesmas quanto da dança em si. 

Disso já podemos concluir que: as performances não eram ensaiadas, e que possivelmente a prática da coreografia não era amplamente difundida, visto o caráter improvisado da própria execução da música. Também podemos concluir que dançar ao som de gravações também não era comum. 

 

10. Em relação a nossa problemática de pesquisa, é possível estabelecer algum tipo de análise ou resposta a nossa pergunta inicial?

 

Lembrando a problemática: Quero entender como Jamila Salimpour iniciou seu trabalho de dança e como ela estruturou suas ideias sobre como era a dança daquela época.

A partir do excerto lido, é possível sugerir que Jamila aprendeu seu fazer na dança ao observar outras bailarinas e tomar como referência aquelas que tinham por origem países do Norte da África e parte da Ásia. Podemos inferir que Jamila estruturou seu próprio estilo de dança a partir da observação e catalogação das movimentações destas dançarinas, separando-os em “famílias”, tendo por referência sua similaridade ou as relações entre eles. Esta separação entre famílias se dava com base principalmente nas variações de um mesmo passo executado elas bailarinas. Por fim, é possível afirmar que ela preocupou-se com a estruturação e propagação deste formato entre as amigas companheiras de trabalho e, posteriormente, alunas de sua escola, posto que a preocupação era, justamente, a maneira como ela poderia ensinar estes passos a outras pessoas - haja visto que esses passos vem de danças cujo fazer se dá sem estruturação, sendo elas expressões populares originalmente espontâneas e que estavam sendo pouco a pouco estruturadas para os palcos. 

Por hoje, é isto! Eu sugiro que quando/se você estiver confortável com esse tipo de análise, faça esse exercício com as pessoas pra quem você leciona: construam juntas uma problemática e deixe como tarefa encontrar essa documentação. 

No nosso próximo “encontro”, trarei alguns apontamentos para historicizar estas informações, e então fecharemos este primeiro ciclo de posts com a análise desta fonte riquíssima. Nos vemos em fevereiro!

 

Referências:

Dicionário de Conceitos Históricos, livro de Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva. São Paulo: Contexto, 2012.

História e Memória, livro de Jacques Le Goff. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

Jamila’s Speech at the International Conference on Middle Eastern Dance, 1997. Disponibilizado por Salimpour School em: https://www.salimpourschool.com/resources/ > http://www.salimpourschool.com/wp-content/uploads/2014/12/JamilaSpeechICMEDMay1997sml.pdf

 

______________________________________________________________________________

Que história é essa?

Ana Terra de Leon (Florianópolis-SC) é bailarina de ATS® e Dança Oriental, historiadora, com mestrado em História Cultural pela UFSC e especialista em História da Psiquiatria no Brasil. Pesquisadora autônoma, coordena o Heréticas, Grupo de Estudos sobre História da Bruxaria, e o Tribus Nexum, sobre danças orientais e suas fusões. Participa da equipe organizadora do Praksis - Simpósio brasileiro de fusões tribais e é integrante do Coletivo Hunna - Historiadoras que dançamClique aqui para ler mais post dessa coluna! >>


[Tribal Brasil] Trânsitos entre Memória Individual e Memória Coletiva

 por Kilma Farias

Legenda: Ruth St Deni (esquerda), Mata Hari (centro) e Carmen Tórtola (direita)

O Tribal Brasil aborda corporeidades, memórias e multiplicidades do processo identitário de tradições diversas em diálogo com a contemporaneidade. Essa relação plural entre linguagens, visões de mundo, espiritualidades, construções do corpo coletivo, sentido e tempo se dá no espaço do corpo.

Ao falar de tradições e diálogos com a contemporaneidade, estamos falando do que Stuart Hall (2011) chama de traduções culturais. Para compreender as traduções e os trânsitos que suscitam entre memórias trago primeiramente a compreensão de três formas de construção de identidades abordadas por Hall.

A primeira delas Hall chama de “sujeito do Iluminismo”, onde o centro do “eu” é a identidade de uma pessoa. Pessoa essa construída no pensamento cartesiano de um corpo apartado da mente. A segunda identidade ele definiu como “sujeito sociológico” e a percebeu como um elemento estabilizador entre o mundo do “eu” de cada sujeito e os mundos que eles habitam; a identidade como uma espécie de estrutura integralizadora entre o sujeito e o mundo. E a terceira é a do “sujeito pós-moderno”, uma identidade utópica. Traz a ideia de uma multiplicidade em um sujeito fragmentado, composto de não uma, mas várias identidades sem necessariamente buscar nexo entre elas. Senão vejamos:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (HALL, 2011, p. 13).

 
Essa “história sobre nós mesmos” ou “narrativa do eu” compreendo como a memória individual em Halbwachs (2003) resultante de uma capacidade de nos reconhecermos como imagens, assim como tudo que nos rodeia, partindo da percepção individual de cada sujeito. Desse modo, “[...] é bem verdade que em cada consciência individual as imagens e os pensamentos que resultam dos diversos ambientes que atravessamos se sucedem segundo uma ordem nova e que, neste sentido, cada um de nós tem uma história.” (HALBWACHS, 2003, p. 57).

Essas histórias fundem-se, cruzam-se, diferem e formam pontos de vista de uma memória mais abrangente, a memória coletiva. E essa também é compreendida como uma multiplicidade dado os trânsitos dos sujeitos, interna e externamente.

De bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes. Não é de surpreender que nem todos tirem o mesmo partido do instrumento comum. Quando tentamos explicar essa diversidade, sempre voltamos a uma combinação de influência que são todas de natureza social. (HALBWACHS, 2003, p. 69).

 Essa “combinação de influências” pode ser compreendida como uma das características do “sujeito pós-moderno” de Hall, colaborando com a construção de culturas híbridas, ou seja, o produto de várias histórias e culturas interconectadas. A esse acontecimento Hall chama de tradução cultural.

No Tribal Brasil, trabalhamos processos criativos a partir de danças populares e afro-brasileiras, sendo para Hall essa identidade nacional uma “identidade imaginada” construída pelos discursos carregados de sentidos e memórias que conectam o presente ao passado de um povo, visando um contorno, uma identidade. Desse modo, constrói-se uma trama que nos prende invisivelmente ao passado.

Assim, o imaginário de uma cultura nacional é trazida para dialogar com o estilo de dança Tribal Fusion, com o American Tribal Style e culturas diversas da Índia, Oriente Médio, America, Japão, etc., gerando outras qualidades em dança que passam por apropriação, antropofagia, hibridismo, acomodação, dependendo da forma de condução do processo criativo.

Há uma tendência histórica com o Tribal de retratar deusas que dançam, acredito que pela própria herança que nos foi deixada pelas bailarinas de vanguarda do Orientalismo do início do século XX.

Uma das mais importantes, conhecida como “a bailarina dos pés desnudos”, Cármen Tórtola Valencia (1882-1955) desenvolveu um estilo próprio que expressava a emoção pelo movimento. Para Patrícia Passos [1](2011, p. 2002), Tórtola Valencia retratava em sua dança uma recriação dos universos egípcio e indiano, figuras míticas como serpentes, deusas gregas, africanas e danças ancestrais americanas, revolucionando o ambiente da dança.

Outra personalidade a utilizar deusas que dançam em seu trabalho e que vai influenciar na estética do Tribal é Margaretha Gertruida Zelle (1876-1917), mais conhecida como Mata Hari. Sua contribuição na dança é controversa, uma vez que se destacou muito mais como cortesã do que como bailarina. E justamente por esse motivo trago-a para essa discussão.  Foi condenada à morte por prestar serviço de dupla espionagem para Alemanha e França durante a Primeira Guerra Mundial e fuzilada sem que se provasse essa afirmação.

A exótica espiã Mata Hari, começa sua carreira de bailarina em Java. Lá tomou os primeiros contatos com a cultura oriental. De volta a Europa, percebeu rapidamente que a experiência vivida na Indonésia poderia servir-lhe como trampolim para entrar na alta sociedade europeia, que carecia de exotismo para transcender a penosa situação econômica. Seu mito causa polêmica dado que a personagem Mata Hari se associou mais ao jogo da sedução, usada como arma política e social, do que à evolução da arte da dança. (PASSOS, 2011, p. 204).[2]

Símbolo de ousadia e força do feminino, Mata Hari retratou Cleópatra em seus personagens entre outras rainhas, princesas e deusas. Podemos perceber no exemplo dessa bailarina uma questão de gênero implicada com o poder simbólico do feminino atrelado à sedução. Questão essa que trataremos mais adiante.


A terceira influência é
a bailarina americana Ruth St. Denis (1879-1968) com seu gosto e interesse pelo exótico. Ao observarmos a trajetória artística de Ruth St. Denis, uma das pioneiras da Dança Moderna Americana, vamos contemplar uma história de encontro com o espiritual através da dança, indo buscar fonte de inspiração em diversas danças a exemplo da egípcia, indiana, flamenca, tailandesa, chinesa, entre outras.

Na sua escola, a Denishawn School em Los Angeles, Califórnia, passaram nomes como Martha Graham e Doris Humphrey, expoentes da Dança Moderna Americana que influenciam até hoje grande parte de bailarinos do Ocidente. Ruth St. Denis ficou conhecida pelos seus solos, a exemplo de
Rahda (1909) e The legend of the peacock (1914), onde retratava a “complexidade e autonomia das mulheres.” [3] Esses solos em muito se assemelham à estética do que conhecemos hoje como Tribal. “A mistura do físico e da divindade nas coreografias de St. Denis levou que ela estudasse várias religiões ao longo da sua vida. Em sua opinião, a dança era um ritual e uma prática espiritual.” [4]

 “A complexidade e autonomia das mulheres” retratadas por essas bailarinas, na maioria das vezes através de arquétipos de deidades femininas nos remetem a uma cultura do feminino e suas implicações socio-histórico e antropológicas em diálogo com as discussões sobre gênero.


Ao pensar os domínios estruturais e ideológicos das relações entre sexos, os historiadores sociais vão dizer que, para além de possíveis definições de papeis entre feminino e masculino, “O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as construções sociais [...]” (SCOTT, 1990, p.7) bem como um lugar de legitimação de poder, constituindo-se como “uma categoria imposta sobre um corpo sexuado”. (SCOTT, 1990, p. 7).


Desse modo, esse “corpo sexuado” dentro da dança Tribal propõe transcender sua condição humana buscando na condição de deidade seu poder simbólico para afirmar sua força enquanto feminino. Entendendo que “A história do pensamento feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da relação entre masculino e feminino” (SCOTT, 1990, p. 19).

Diante do exposto, podemos teorizar a prática do Tribal Brasil a partir da compreensão do gênero como uma categoria de análise. Uma vida marcada por imposições, repressões, violência e enquadramento social, dados pela condição sexual, é reelaborada através da arte da dança trazendo deusas, rainhas e figuras míticas ao palco como legitimação da força do feminino. Esse feminino é trazido com uma sutileza diferente da dança do ventre. Esta, por sua vez, está sob o julgo do orientalismo o que reforça ainda mais a diferença entre os gêneros, muitas vezes estereotipando e subjugando a figura da mulher do Oriente.

Dentro do Tribal Brasil, a inspiração vem de arquétipos ligados às danças afro-brasileiras. Através das Iabás[5] Iemanjá, Iansã, Oxum e Obá essa construção pode ser mais bem observada, no sentido das intenções de movimento, subjetividades e atitudes geradas por cada orixá em diálogo com a individualidade da bailarina de Tribal e articuladas com outras hibridações de movimentos. 



[1] Conocida como la “bailarina de los pies desnudos”, Tórtola Valencia, uma mujer nacida em Sevilla a princípios del siglo XX, revoucionó el ambiente de la danza trayendoa lós escenarios uma recreación del universo egípcio, hindu e incluso de lãs danzas ancestrales americanas. (PASSO, 2011, p. 202).

[2] Tradução minha do original: La exótica espiá Mata Hari, empieza su Carrera de bailarina trás su estância em Java. Allí tomo lós primeros contactos com la cultura oriental. De vuelta a Europa, se percató rapidamente de que la experiencia vivida em Indonesia podría servirle como trampolín para entrar em la alta sociedad europea, que carecia del exotismo para transcender la penosa situación econômica. Su mito causa polémica dado que El personaje Mata Hari se asocó más al juego de la seducción, usado como arma política y social, que a la evolición del arte de la danza.

[3] Disponível em <http://tribalmind.blogspot.com.br/2011/01/ruth-saint-denis.html> , acesso em 12 de fev. de 2017.

[4] Disponível em <http://tribalmind.blogspot.com.br/2011/01/ruth-saint-denis.html>, acesso em 12 de fev. de 2017.

[5] “Orixás femininos do candomblé de origem iorubá, as Iabás, conhecidas no Brasil pelos nomes Iansã, Oxum, Iemanjá e Obá.” (ZENICOLA, 2014, p. 17).

_____________________________________________________________________________

Tribal Brasil - Identidade no Corpo


Kilma Farias (João Pessoa-PB) é bailarina, professora, coreógrafa, produtora e pesquisadora na área da dança. É formada em Licenciatura em Dança e Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Ciências das Religiões pela UFPB, desenvolveu dissertação voltada para a relação entre presença cênica e espiritualidade na Dança Tribal.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...