por Ana Clara Oliveira
A
vida é amiga da arte, é a parte que o sol me ensinou
O
sol que atravessa essa estrada que nunca passou
(Gal
Costa)
Fonte: arquivo pessoal |
Nos dias 27 e 28 de março/2021,
a Zambak Cia de Dança Tribal (AL) participou da Caravana Tribal Nordeste (CTNE)
2021 - Edição Especial com formato on-line, sob o financiamento da Lei Aldir
Blanc – PE, SECULT - PE. A participação se deu através de duas ações: palestra/oficina
e performance na mostra artística. Na figura de diretora da Zambak, desenvolvi
as referidas atividades, intituladas, respectivamente, “O pensamento Decolonial
e o Tribal no Brasil” e, o solo “Em que tempo sua dança está?”
A presente matéria aborda o
solo coreográfico e o processo de gravação para o evento CTNE. Este trabalho
artístico de 04 minutos, publicado no canal YouTube
da Carvalho Studio de Dança, expõe
um pouco das minhas experiências formadoras entrelaçadas pelo momento de
resiliência nos tempos atuais. A coreografia possui como base algumas das
técnicas que utilizo e as minhas desordens experienciadas na vida diária. Esses
elementos ocasionaram uma dança que só é possível acontecer quando encarnada
com os sentimentos e a própria realidade.
Assim, o solo apresenta uma
dança de si contaminada pelas informações do meio e, certamente, se constitui
como mais uma ferramenta artística para o acendimento do meu ser na conjuntura
contemporânea. Diante da minha dor e do luto coletivo por causa da COVID-19,
pergunto-me: em que tempo o meu mover se encontra? Tal mover não existe de modo
individualizado, mas está exposto a experiência com o mundo. “Essa movimentação
absorve fronteiras, cria um outro espaço de atuação e permite um fluxo de
continuidade entre diferentes modos de perceber e dialogar no mundo” (SETENTA,
2008, p. 62).
Nos últimos anos, tenho
pensado demasiadamente na palavra “tempo”. Seja na pesquisa acadêmica ou
artística, seja nas questões mais simples do dia a dia, o tempo penetra meus
devaneios. Percebi com mais profundidade que o tempo embora seja um aspecto dos
sujeitos, é elaborado por cada corpo de maneira singular devido aos
acontecimentos que o afetam. Então, é impossível dizer que o tempo da minha
dança é igual aos tempos de outras danças. Igualmente, não se trata de
qualidades de tempo, mas sim de diferentes vulnerabilidades corpóreas diante de
períodos tão incertos. Partindo dessa inquietação, provoco o público com a
pergunta/nome do solo, com vistas a mostrar que a dança não está descolada do
relacionamento com o tempo, nem afastada da existência.
Nesse contexto, prática
não é apenas o meio pelo qual criamos obras a serem analisadas na pesquisa, ou
processos de vida que passam a participar de procedimentos científicos. Mas
esses procedimentos passam a ser definidos pela prática enquanto corpo vivo
(soma) em pulsão espaço-temporal imprevisível. (FERNANDES, 2018, p. 187)
Fonte: arquivo pessoal |
Para realizar esse solo que
representou a Zambak na Caravana Tribal Nordeste, convidei a artista alagoana Juliana Barretto, doutora em
antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco, que capturou
sensivelmente a proposta. A música “Força Estranha” do compositor Caetano
Veloso, cantada por Gal Costa foi escolhida por retratar experiências e
temporalidades do sujeito a partir de metáforas e certezas.
Força estranha expõe os motores de sua
potência: lembrar e esquecer – os arranjos narrativos daquilo que o sujeito viu
e viveu. A memória do sujeito narrador de Força estranha, sem a ordem
restritiva do cronológico, consagra eventos múltiplos e diversos. A
“organização” dessa unidade está mais próxima dos afetos [...] do que da
sucessão dos fatos. Está mais perto da invenção poética – e, por isso, real.
(REVISTA CAJU, 2016)[1]
Motivada pela canção e por todo o conjunto vivido na contemporaneidade, debrucei no processo de criação do solo. A seguir, destaco os aspectos importantes:
1. Proposta de improvisação
Nesse procedimento, adotei o ato de improvisar na tentativa de diluir e aterrar a sensibilidade. O fato de escutar a música e trabalhar constantemente a improvisação permitiu uma aproximação mais imediata com a proposta que elaborei para performar.
2. Estudo do pulso, do compasso e da pausa
O pulso é a marcação relevante da estrutura, repetido constantemente. Uma vez que a pulsação é o elemento do ritmo, passei a compreender o compasso que é o definidor da marcação rítmica. Em seguida, direcionei o foco para a pausa, ou seja, para qualquer silêncio que pudesse identificar. E assim, fazer escolhas criativas.
3.Coreografia
Com o repertório de movimentos da improvisação e o breve entendimento da música, selecionei momentos que mais me agradaram e, consequentemente, exerci a repetição como captura do mover. Cabe dizer que a ideia de repetição que se aproximou da proposta foi a descrita por Deleuze.
A
repetição nem é a permanência do Uno nem a semelhança do múltiplo. O sujeito do
eterno retorno não é o mesmo, mas o diferente, nem é o semelhante, mas o
dissimilar, nem é o Uno, mas o múltiplo, nem é a necessidade, mas o acaso. (DELEUZE,
2000, p. 126)
4.Figurino, acessórios e maquiagem
A
cor predominante no solo foi o vermelho - saia longa e rodada, choli e flores. Cada elemento escolhido
foi um reforço a algum impulso interno ou alguma sensação e emoção, sempre em
consonância com o estilo tribal de dança do ventre. Como a minha
palestra/oficina foi sobre formas de decolonizar a dança, de modo mais sutil,
retornei a imagem da Frida Kahlo, não no sentido representacional, mas como potência
feminista. Não posso deixar de mencionar que a própria imagem da cantora Gal
Costa no disco “Gal Tropical” (1979), mesma imagem usada no Spotify, também provocou um certo desejo
não literal, mas de impulso organizacional. A maquiagem e o coque seguiram a
proposta superando as minhas expectativas. Ambas, foram concepções da
profissional alagoana Priscilla Lucena.
Fonte:arquivo pessoal |
5. Cenário - Mirante São Gonçalo, Maceió (AL)
O mirante São Gonçalo está localizado na cidade de Maceió e desenha um belo ponto turístico. O mirante possibilita noções de profundidade do urbano e diversas perspectivas criativas, por esse motivo foi escolhido.
6. Captura de imagens e edição
A coreografia foi gravada numa tarde ensolarada e quente de uma segunda-feira. Seguindo os protocolos de segurança, optamos por usar um dia de feriado na cidade, pois o ambiente estaria vazio. Gravamos 05 vezes a mesma coreografia com ângulos distintos, sendo a primeira gravação um teste simples. O segundo ângulo, mais amplo e aberto, capturou toda a dimensão coreografada. O terceiro ângulo, com enquadramento específico, conquistou a ideia de imagem de baixo para cima, tendo o sol como plano de fundo. No quarto ângulo, me posicionei de frente para o sol e de costas para a câmera a fim de salientar o trabalho natural dos raios de sol no corpo. Por fim, o quinto ângulo que enfatizou os detalhes faciais e de alguns gestos, escolhidos propositalmente. Na edição, obtive duas propostas da profissional Juliana Barretto. A primeira, mais focalizada como vídeo-dança com colagens criativas que transformaram a obra coreográfica em quase que numa outra dança. A segunda versão, mais fiel à dança coreografada com utilização de colagens respeitando à musicalidade. Optei pela segunda edição como produto final para a CNTE 2021. Mas, confesso que também fiquei encantada pela primeira versão.
Fonte: arquivo pessoal |
A seguir, algumas imagens do
vídeo (solo):
Fonte: arquivo Caravana Tribal Nordeste |
Fonte: arquivo Caravana Tribal Nordeste |
Para finalizar, deixo o link
do solo:
Espero que tenham gostado
dessa matéria. Agradeço as profissionais Juliana Barretto e Priscilla Lucena
pelos trabalhos e afetos.
Na próxima matéria do RESENHANDO-AL almejo trazer a minha experiência como espectadora do belíssimo show – Mostra
Artística CTNE 2021.
Até lá!
Referências
DAVINO, Leonardo. Caetano Veloso, Força Estranha. In:
CAJU, Revista. Disponível em:
<http://revistacaju.com.br/2016/08/04/narrar-forca-estranha/>. Acesso em:
12 de abr.2021.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Lisboa: Relógio
d’Água, 2000.
FERNANDEZ, Ciane. Dança Cristal: da Arte do Movimento à
Abordagem Somático-Performativa. Contribuições de Melina Scialom e Dalton
Carneiro. Salvador: EDUFBA, 2018.
SETENTA, Jussara. O fazer-dizer do corpo: dança e
performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
[1] Disponível em: http://revistacaju.com.br/2016/08/04/narrar-forca-estranha/. Acesso em: 12 de abr.2021.
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