[Folclore em Foco] Cultura beduína: Hagalla

 por Nadja El Balady


Por que eu, que pratico estilo tribal, preciso saber sobre Hagalla? 

Porque Hagalla é uma manifestação popular folclórica beduína que dá origem a movimentos importantíssimos do vocabulário da dança do ventre, seja tradicional, moderna, fusão ou tribal. Como estudantes, apreciadoras e praticantes de dança do ventre, é nossa obrigação saber de onde vêm os movimentos, saber o mínimo sobre a cultura de origem e valorizar esta cultura de todas as formas possíveis.

Cena filme Gharam Fil Karnak

A cultura beduína é diversa e muito presente em quase todos os países MENAHT. Na verdade, para além das fronteiras MENAHT ainda existem povos beduínos, desde o oriente médio até a Índia.  Estejamos sempre atentas para saber como a presença desta cultura ancestral afeta as diversas manifestações da arte da dança do ventre.

Beduínos são parte de um grupo árabe habitante dos desertos, povos que existem há milênios antes de cristo. Tradicionalmente se dividem em tribos ou clãs. O termo "beduíno" deriva da palavra árabe badawī. O termo "beduínos" significa, "pessoas do deserto", porém em alguns lugares é tido também como uma expressão pejorativa. As regiões de deserto não são regiões inabitadas, são plenas de povos de etnias diferentes. Embora existam registros de presença beduína em todo o oriente médio desde tempos remotos, considera-se que são originários da península arábica e durante as conquistas árabes, no século VII, expandiram-se pelo norte de África. 

A maioria dos beduínos são muçulmanos sunitas, mas existem os praticantes de outras variações do islã, como os sufi, bem como uma minoria cristã no oriente médio.

Se dedicam principalmente a atividades como criação de animais, lavoura e comércio. São de tradição nômade, isto é, durante séculos mantiveram o hábito de migrar sazonalmente entre regiões diferentes para realizar suas atividades. Este é um traço cultural cada vez mais difícil de ser mantido a partir da colonização ocidental sobre países da África e Ásia. Com a demarcação rígida das fronteiras, ser nômade passou a se tornar tarefa cada vez mais difícil.  Ao longo do tempo uma quantidade cada vez maior de pessoas de origem beduína foram adotando uma vida urbana moderna, integrando comunidades em cidades e regiões próximas a oásis.


Segundo o professor Khaled Eman, Hagalla é uma dança que não faz parte apenas da cultura popular beduína do Egito, mas também da Tunísia e da Líbia e ressalta a importância de saber diferenciar a Hagalla de cada região. No Egito, Hagalla faz parte da cultura dos beduínos da região de Marsa Matruh, noroeste do Egito, entre Alexandria e a fronteira com a Líbia. Segundo ele, Hagalla é uma palavra que quer dizer dançarina no dialeto badawya. Alguns outros pesquisadores apontam uma derivação do termos “hagl” em árabe, que significa “saltar”, mas de todo modo o termo se refere ao protagonismo da mulher que está dançando.

Atualmente Hagalla é uma celebração que faz parte de um festejo ou uma cerimônia, principalmente casamentos. No blog da pesquisadora Hanna Aisha encontrei a informação de que, na Líbia, por exemplo, essa manifestação cultural representa uma celebração ao início da vida adulta de uma jovem. Existe uma hipótese de que no passado este ritual seria usado para que a mulher escolhesse seu pretendente para o casamento, mas não encontrei nenhuma evidência que comprove esta hipótese, bastante difundida aqui no Brasil.

A música usada para Hagalla faz parte da tradição de “Kaff” no Egito. Kaff é uma forma muito interessante de fazer música com palmas e é um elemento que é incorporado em outras musicalidades egípcias como o Kaff (ou kafafa) do alto Egito ou a Sensemeya da região de Suez.

Raqs El Kaff ou Kaffafa - Alto Egito

Na década de 1960 o famoso coreógrafo egípcio Mahmoud Reda e a então primeira dançarina de sua trupe, Farida Fahmy conseguiram estar presentes a uma celebração de casamento na região de Marsa Matruh onde puderam assistir a uma apresentação de Hagalla original e desenvolveram um trabalho muito importante para palco e cinema representando esta parte da cultura beduína egípcia. A performance de Hagalla adaptada para o cinema pela Reda Trupe foi incluída no filme egípcio Gharam Fil Karnak de 1965. Ainda hoje, a adaptação de Reda é a principal fonte de estudo sobre Hagalla em todo o mundo. Muitos coreógrafos usam o estilo Reda como inspiração para suas próprias coreografias. É importante entender que por mais bonito que seja, Reda fazia uma interpretação teatral de danças folclóricas, nunca foi a intenção reproduzir fielmente as danças como as viam em sua raiz popular. Trata-se de uma estilização folclórica, como já explicado em artigos anteriores desta coluna “Folclore em foco”.

De qualquer forma, sua pesquisa de campo foi bastante rica em detalhes e o artigo redigido por Farida Fahmy, essencial como fonte de pesquisa. Segundo eles, Hagalla era uma performance celebrativa protagonizada por uma dançarina profissional durante o casamento.


A seguir, faço uma tradução livre de um trecho deste artigo publicado em seu site, onde ela descreve o que viu de Haggala no casamento em que pode estar presente há tantos anos:

“A Hagalla geralmente acontece para celebrar casamentos ou as vésperas de um enlace, ou também são é apresentada em festas para honrar visitantes ou selar um compromisso”.

“Na Hagalla há um aspecto competitivos onde diferentes grupos batem palmas chamando a solista, e aquele grupo mais forte ou carismático ganha a presença da solista perto dele. Essas palmas sofrem flutuações de dinâmica e velocidade, o que pode alterar a construção da dança. Uma mulher ou uma dupla de mulheres, dançam movidas pelas palmas de grupos de homens, que cometem entre si para ganhar a atenção das mesmas.”

“Quando o evento começou, os homens da comunidade se organizaram em pequenos grupos em formações em semicírculo. Eles ficaram ombro a ombro e começaram a cantar em seu dialeto local e a bater palmas enquanto se inclinavam para frente e para trás em uníssono. Enquanto isso, a Haggala amarrou seus quadris com um tecido parecido com uma toga - semelhante ao que os homens usavam - que é exclusivo desta região do Egito. Ela arrumou o tecido de uma forma que as dobras e babados dessem volume extra aos quadris. Ela só começou a dançar quando as palmas e o canto ganharam força. Cada formação de homens competia com os outros grupos. Os homens dançando ficaram mais animados. Cada grupo aumentou sua competição adicionando síncopes às palmas, flexões profundas dos joelhos, inclinações para a frente e intercalando seu canto com gritos de encorajamento. Al Haggala começou a dançar, o tempo todo mantendo uma atitude indiferente, recatada e reservada. Ela alternou sua atenção de um grupo para o outro e avançou em direção ao grupo que demonstrou mais zelo. Isso criou um fervor competitivo entre os participantes. Essa interação ofereceu uma dinâmica única para a dança. O movimento do quadril de Al-Haggala era basicamente uma oscilação pélvica contínua. Esta oscilação foi executada simultaneamente quando ela andava. Depois que a dança acabou, consegui uma demonstração mais próxima do movimento do quadril de al-Haggala em seus aposentos privados. A maioria das danças indígenas são aprendidas por meio da imitação. Depois de repetir o movimento muitas vezes, consegui aprendê-lo. Posteriormente, após quebrar o movimento, esse tipo de oscilação foi agregado ao vocabulário da dança e foi apresentado aos exercícios de aula da Trupe Reda.”

A movimentação da dança Hagalla é bastante focada na movimentação dos quadris, rica em torsões e shimmies. Twists, oito para trás, batidas secas verticais como o que conhecemos aqui no Brasil como “soldadinho” ou “maia quebrado”, básico egípcio, shimmies de ombro e shimmies de quadril combinados com outros movimentos, como o twist. O movimento mais usado na dança do ventre e estilo tribal é o que conhecemos como “Shimmy Hagalla”, que é um deslocamento com shimmy de 3/4 (intenção para baixo) combinado com torsão de quadril. Também encontro no vocabulário de Hagalla um deslocamento com shimmy de quadril que no vocabulário de ATS® / FCBD® conhecemos como “Turkish Shimmy”, ou (Shimmy Turco em português). A dançarina de Hagalla pode entremear sua movimentação com pequenos saltos e palmas, uma vez que as palmas são bem marcantes na encenação como um todo. A apresentação é sempre vibrante e estimula o público a acompanhar com palmas também.

A sonoridade da música beduína é bastante atraente para estilo tribal, principalmente ATS® / FCBD® com bases rítmicas comuns a muitas músicas de dança do ventre tradicional, como malfuf (ou Laff), felahi (bases 2/4), ricas em flautas bem agudas e percussão marcante. Existem músicas feitas para shows de dança que são mais trabalhadas em arranjos de violinos, com uma musicalidade mais acessível para ouvidos ocidentais, como nas músicas utilizadas pela Reda Troupe e alguns professores de folclore egípcio que trabalham na Europa. 

Uma referência musical bem interessante é o disco “Bedouin Tribal Dance”, lançado por Hossan Ramzy em 2007 com participação do grupo Gypsies of the Nile. Várias canções usadas em festividades e casamentos beduínos no noroeste do Egito foram regravadas nesta obra e são bastante utilizadas pelas dançarinas de estilo tribal mundo à fora.



Fontes

http://hannaaisha.blogspot.com/2010/12/danca-hagalla.html

https://teachmideast.org/articles/hand-clapping-egypt/

http://www.shira.net/about/reda-interview07-hagalla.htm

http://www.faridafahmy.com/haggala.html

https://www.facebook.com/watch/?v=872982859542516

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Folclore em Foco


Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 



[Formação no Tribal] Conteúdo: Um trabalho pedagógico

por Ana Clara Oliveira

Paulo Freire | Ilustração de Alisson Afonso. Fonte: Brasil de fato, 2021

Nas matérias anteriores, contidas em janeiro e em abril, desenvolvemos uma introdução acerca da coluna FORMAÇÃO NO TRIBAL a partir dos temas respectivos, “Em que tempo estamos na formação” e “Quando sinto que já sei” (documentário). Em nossa matéria de hoje, partiremos de uma pergunta que me entusiasma enquanto professora do estilo tribal de dança do ventre: conteúdos - qual é o conhecimento que importa na nossa dança?

Sendo direta nesse assunto amplo, é do entendimento de conteúdo, apresentado de diversas formas pelo educador brasileiro Paulo Freire, que apoiaremos os argumentos que se iniciam na presente matéria. A escolha se justifica não somente pela admiração das obras educacionais e similitude na compreensão do trabalho pedagógico, como também, por estarmos no ano do Centenário de Paulo Freire. A ausência/presença do educador nos faz recordar a importância de pensar os conteúdos através do seu imenso legado.

No livro “Pedagogia da Tolerância”, 7ª edição no ano de 2020, que reúne uma coletânea de reflexões e diálogos, Freire discute com esperança a tolerância como qualidade de conviver com a diferença e a tolerância para com a incoerência das ações pedagógicas que em muitos casos, são atos desumanizantes. Por se tratar de uma obra com 934 páginas, podemos destacar um aspecto que serve de nutriente para ampliarmos a ideia de conteúdos para nossas aulas de dança.

1 “Mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2020, p. 181): um aspecto

Freire (2020, p. 183) expõe que “é impossível ser professor sem o sonho da mudança permanente das pessoas, das coisas e do mundo”. Admite que apesar da dificuldade que temos de mudar e até considerar o saber da transformação como um rigor de trabalho, esse elemento é um compromisso mútuo que fundamenta a prática educativa, inclusive a organização dos conteúdos. Sem ele, é impossível entender que ensinar conhecimentos não é transpor informações ao educando. Um ponto relevante para Freire é a curiosidade como fenômeno vital: 

“É a partir da descoberta de você como não eu meu que eu me volto sobre mim e me percebo como eu e, ao mesmo tempo, enquanto eu de mim, eu vivo o tu de você. É exatamente quando o meu eu vira um tu dele, que ele descobre o eu dele. É uma coisa formidável”. (FREIRE, 2020, p. 185)

Em outras palavras, a curiosidade é um motor da produção de conhecimento que inserida na prática transformadora de cada realidade se torna um caminho para o ensinar. Tal trajetória convoca a curiosidade do aluno e “quanto mais metodicamente rigorosa fica a curiosidade, tanto mais a curiosidade fica crítica” (p. 189), que o aluno se transmuta em sujeito da produção de saber que lhe é ensinado. Pensando no ensino do estilo tribal, por exemplo, o que interessa não é a memorização dos conteúdos/movimentos e sim, a curiosidade crítica e, portanto, fazedora de conhecimento onde o fato de decorar passos vem como consequência da aprendizagem repetitiva vívida, reflexiva e incessante. Para tanto, Freire apresenta que aprender só se faz quando se apreende, ou seja, aprendemos que ensinar conteúdos não é depositar conhecimentos, quando apreendemos verdadeiramente essa afirmação, no momento em que se faz a apreensão do significado profundo de tal discurso. Na transcrição de uma palestra contida nesse livro, ele diz:

Quando a gente entende que ensinar não é transferir conhecimento, a gente tem todo um campo pela frente para inventar maneiras de tratar, melhorar o objeto, o chamado conteúdo que a gente vai ensinar e certas abordagens dos conteúdos e certas maneiras de experimentar e possibilitar que o aluno se experimente na relação com o conteúdo, desde que entendamos os alunos e as alunas como sujeitos criadores e nós também – como é, por exemplo, que eu posso pensar em alunos e alunas criadores, se eu, como professor, estou amarrado a um pacote de orientações que me chegam[...]? (FREIRE, 2020, p. 190 -191)

Para irmos além desse pacote de instruções no caso do ensino do “antigo” chamado método ATS ou ainda, para ofertar saberes técnicos no campo do Tribal Fusion, será necessário correr risco no que se refere ao selecionar e organizar os conteúdos, e assim, obtermos criatividade, produção e mudança no aprenderensinar dança. Nas palavras de Freire: “não há curiosidade que não seja um permanente estado de risco, como não há criação humana que seja um permanente correr riscos, uma aventura” (p. 191). 

Aqui, não se pretende dizer os conteúdos que importam. Na realidade, os conteúdos na perspectiva freiriana possuem como base a tolerância de conviver com o diferente, não com o inferior, para desenhar a partir do diálogo os saberes necessários para cada realidade. No entanto, para não sairmos daqui com certa angústia por falta de respostas mais concretas, o nosso educador brasileiro responde: “eu penso que a educação de que nós precisamos é aquela que, ao mesmo tempo que se preocupa com a formação técnica e científica do educando, se preocupa também com o que chamo de desocultação das verdades” (p. 235). Isto é, aquela educação em dança que não distorce os fatos relacionados ao estilo e também aquela pedagogia comprometida com os oprimidos nas questões de classe, gênero e raça. Enfim, uma educação não-conteudista cuja prioridade é a centralidade docente e sim, uma pedagogia em dança a partir de conteúdos significativos que, desvelados respondem com criticidade os poderes dominantes dentro e fora da nossa comunidade de dança. Obviamente, isso não é uma tarefa fácil, por isso “mudar é difícil, mas é possível” (p.181). 

Certamente, continuaremos na próxima matéria com a exploração dos conteúdos que importam, de modo mais específico com os ensinamentos do Currículo Crítico-libertador de Paulo Freire para o estilo tribal. Finalizamos a presente matéria com a imagem da artista/professora/pesquisadora da dança, Camila Saraiva, que nos inspira aos novos olhares acerca da professoralidade em dança.

Camila Saraiva: ensaio fotográfico | Fotografia: Marcelo Delfino. Ano: 2016. Fonte: @camilasaraivadance


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² “Aprenderensinar” é um conceito desenvolvido pela artista/professora/pesquisadora da dança Neila Baldi. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23643. Acesso em: 18 de maio de 2021.

³  “Professoralidade” é um termo desenvolvido pelo autor Marcos Vilella Pereira na obra Estética da Professoralidade: um estudo crítico sobre a formação do professor, ano 2013.

Referências

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA TOLER NCIA. Organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 7ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Paz e Terra Editora, 2020.

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Formação no Tribal


Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ... Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>


[Dançando Narrativas] (Re)Criando Deuses: A pluralidade dos seres mitológicos aplicada à dança.

 por Keila Fernandes

Deuses, entidades, heróis e criaturas presentes nas variadas mitologias ou nos folclores, não são figuras estáticas. 

Todos possuem características centrais, no entanto, apresentam uma diversidade de traços que podem variar de acordo com o período e contexto dos quais fazem parte.

Portanto não devemos tratá-los como algo absoluto, ignorando suas variações, pois eles são reflexos de como determinada cultura vê e vivencia o mundo.

É importante entender o contexto, os traços culturais, políticos, históricos que envolvem os seres mitológicos e alinhar isso com a sua intenção na hora de representá-los.

Não é simples, mas a dança é uma forma de arte, e como arte ela demanda estudo, compreensão e sensibilidade. Nossa liberdade artística exige essa responsabilidade de conhecer os elementos da dança e os que a perpassam, para sempre mostrar nossa dança de forma coesa e séria. Sem desrespeitar nosso trabalho (e, consequentemente o trabalhos de outras bailarinas e bailarinos) e sem desrespeitar as histórias e manifestações de culturas diferentes.

Assim, compreendendo a profundidade das narrativas e personagens míticos e folclóricos, podemos trazê-las para nossos movimentos e expressividade.

Loki, o deus nórdico da trapaça e do caos, também associado ao fogo, é uma figura plural. Filho de gigantes e adotado pelos aesir, é uma criatura que não se encaixa em seu ambiente, e difere muito dos conceitos de honra e força apreciados pelos nórdicos e representados pelos deuses.

Apesar de ser considerado um trapaceiro e ter sido transformado em vilão pela cultura pop, Loki é muito inteligente e aparece em várias histórias ao lado de Thor. Em vários momentos é sua sagacidade que salva a pele dos dois. Além disso, é uma figura ambígua no gênero e no sexo, tendo por diversas vezes assumido um papel considerado feminino sem nenhuma vergonha, além de ter sido mãe de Sleipnir, o cavalo de Odin.

Loki com uma rede de pesca em em manuscrito islandês (1760)

Medusa é uma figura comumente vista de maneira bastante rasa. Muitas vezes é retratada como uma vilã cruel (geralmente bastante sexualizada) que transforma homens em pedra, pois se tornou um ser cheio de rancor.

Há uma relutância em explanar os motivos desse rancor. Medusa era uma bela sacerdotisa de Atena, que resistiu às investidas Poseidon e por ele foi violentada. Por conta disso, foi amaldiçoada pela deusa a quem prestava culto, sendo transformada em uma criatura que odeia homens e os petrifica com o olhar, incapaz de amar e ser amada, para acabar decapitada por Perseu. 


Medusa é uma figura trágica, um dos mais antigos casos de como funciona a cultura do estupro. E sua imagem, mesmo sendo originada de um mito nefasto, foi usada como figura protetiva em casas e templos, na forma de esculturas e mosaicos.


Mosaico de cabeça de Medusa: Museu Arqueológico de Palência, Espanha.


Outra figura feminina tratada de forma bastante estereotipada é Lilith, cuja origem se encontra em textos sumérios nos quais ela é referida como um dos sete demônios filhos do deus Anu.

Lilith era uma entidade perigosa, associada à morte de bebês e de mulheres em trabalho de parto. Ela também causava sonhos eróticos nos homens para roubar seu sêmen e dar à luz monstros.


Por conta do cativeiro na Babilônia, os hebreus absorveram muito da cultura mesopotâmica, e Lilith aparece na tradição oral judaica como a primeira esposa de Adão que, se recusando ser submissa à ele, foi expulsa e amaldiçoada por Deus a ser a mãe dos demônios.


Lilith é uma entidade complexa que se modificou com o tempo e foi se tornando algo muito diferente de sua origem. Talvez por isso existam muitos equívocos em suas representações que, atualmente, evidenciam o aspecto sensual e sexualizado, suavizando, ou até mesmo apagando, a face do feminino monstruoso.


Lilith representada presa por correntes em amuleto hebreu com os dizeres: “prenda Lilith com correntes”, século 19/18 AEC.

A deusa suméria Inanna, conhecida por ser a deusa do amor e da guerra possui uma multiplicidade de características que vão dos domínios bélicos à proteção das prostitutas. A mesma deusa cultuada pelos reis a quem prometia limpar o chão com a barba de seus inimigos, também era cultuada pelas mulheres virgens em busca um bom casamento, pelas mulheres casadas, que desejavam satisfação sexual e fertilidade e pelas prostitutas, à quem era comparada em diversos poemas, por possuir pleno domínio de sua sexualidade e buscar o prazer pelo prazer.  

Inanna com um guerreiro, apresentando prisioneiros ao rei.

Estes são apenas alguns exemplos de como os seres míticos possuem camadas que podem ser exploradas e trazidas para a dança, como ferramentas para a criatividade.

Os mitos nos trazem personagens e narrativas cheias de significado e ideais, nas quais os deuses e heróis são aquilo que os humanos almejam ser. Possuem virtudes e histórias destacando seus valores e funcionam como um fio condutor para o comportamento humano.

No entanto, os deuses foram pensados à existência pelos humanos, e assim apresentam características boas e ruins, tão comuns em nós.

Somos invejosos, ciumentos, inteligentes, belicosos, sensuais, sexualmente diversos, pois assim o são os deuses. E como seríamos seus criadores e também suas criaturas, compartilhamos com eles tais virtudes e defeitos.

Quando dançamos essas entidades, recontamos suas histórias que, de uma forma ou de outra, estão entrelaçadas com a nossa. Por meio de nossa arte, trazemos à vida deuses, monstros e heróis, tão plurais quanto nós mesmos.


Referências Bibliográficas:

DUPLA, Simone Aparecida. Quando os deuses copulavam: a sexualidade da deusa Inanna no Antigo Oriente Próximo. Temporalidades – Revista de História, ISSN 1984-6150, Edição 21, V. 8, N. 2 (maio/agosto 2016) Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/198461502128>

KINRICH, Lauren, "Demon at the Doorstep: Lilith as a Reflection of Anxieties and Desires in Ancient, Rabbinic, and Medieval Jewish Sexuality" (2011). Pomona Senior Theses. 4. https://scholarship.claremont.edu/pomona_theses/4 Disponível em: <https://scholarship.claremont.edu/pomona_theses/4/>

MILES, Helen. A collection of ancient mosaic Medusa heads. Helen Miles, 2016.

Disponível em: <https://helenmilesmosaics.org/ancient-mosaics-general/mosaic-medusa-heads/>

PERRUSI, Martha Solange. O lugar da pluralidade de deuses em oposição ao monoteísmo a partir de Nietzsche. Ágora Filosófica

Universidade Católica de Pernambuco. Cv. 1, n. 1 (2008) Disponível em: <http://www.unicap.br/ojs/index.php/agora/article/view/69>

PIRES, Hélio. Sexualidade e Divindade na Mitologia Nórdica SCANDIA: JOURNAL OF MEDIEVAL NORSE STUDIES N. 2, 2019 (ISSN: 2595-9107) Disponível em <https://periodicos.ufpb.br/index.php/scandia/article/view/47788>

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Dançando Narrativas


Keila Fernandes (Curitiba-PR) é escritora, professora de história e  historiadora, especialista na área de Religiões e Religiosidades e História Antiga e Medieval. É aluna da bailarina e professora Aerith Asgard e co-diretora do Asgard Tribal Co. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Resenhando-ES] Mostra de danças populares

 por Lua Rubra



Nos dias 26,27 e 28 de março, aconteceu o Mostra de danças Popular ES, com o tema Compartilhando o Sentir, promovida pelo Studio Alma Andaluza em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo com patrocínio da Lei Aldir Blanc.


Evento que este ano aconteceu online, devido às condições do momento. O evento contou com a curadoria de Michele Freire, doutora em letras pela Universidade Federal do Espírito Santo e Gil Mendes, graduado em dança pela Universidade Federal da Bahia e com artistas profissionais de diversas modalidades com oficinas e mostras de danças.



Para as oficinas oferecidas gratuitamente tiveram como professores convidados:


Renata Barcelos -  Tema: Salsa.

Desireé Gundin - Tema: Twerk.

Wagner Lima - Tema: Samba no pé - riscando o chão de poeira.

Natália Piassi Tema: Redescobrindo a base da Dança do Ventre.

KarMir - Tema: Expresse seu sentir (Os 7 Chakras) - Tribal Fusion.




O objetivo da oficina “Expresse seu sentir” foi expressar o sentir com cada parte do corpo, trazendo para a expressão facial. Entender como funciona o próprio sentir e respeitar os limites do próprio corpo.


Com prática de passos do Tribal Fusion, inspirados nos 7 chakras: Base, Sacral, plexo solar, cardíaco, laríngeo, frontal e coronário, foi trabalhado o sentir de cada um deles e como seu corpo se expressa. 


Estimulando a liberdade de criação e como todo corpo pode dançar, mostrando assim, que é possível ser criativo, dançante e respeitar seus próprios limites, acreditar em si mesmo, trazendo verdade e intensidade para sua dança e até mesmo para vida pessoal. 


Nos dias 26, 27 e 28 de março, aconteceram as mostras online com diversas modalidades, dança cigana, flamenco, dança do ventre, tribal fusion, entre outras.


E no elenco da mostra, contou com a participação de Natália Espinosa, bailarina e professora de FCBD style e Estilo Tribal de Dança do Ventre, de Campinas - São Paulo.


A Mostra de Danças Populares é um evento anual e tem caráter não competitivo, tendo como principal objetivo oferecer um espaço alternativo para apresentações de profissionais, escolas de danças e grupos de modalidades populares.

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Resenhando-ES


Lua Rubra Tribal (Vila Velha-ES) é formado por Sahira Zomerod, KarMir, Aline Yuki e Bruna Benes; foi criado no ano de 2018, seguindo as lunações para formar uma liderança circular. Cada uma representa uma lua: nova, crescente, cheia e minguante, respectivamente. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Vida com Yoga] A prática de Asanas

por Natane Circe

Asana quer dizer postura de yoga. Assim pode se exemplificar de forma rasa e descomplicada. Porém o significado da palavra em sânscrito carrega muito mais do que simplesmente “postura”. Tal palavra não carrega em si a disciplina e controle presentes nesse pilar do yoga.

Deve ser destacado a importância dos asanas na prática de yoga. É por meio deles que podemos observar o nosso corpo de forma mais ampla, aprendendo a lidar com ele dentro e fora do tapete. É durante a prática de asanas que adquirimos inteligência e consciência para lidar com o físico de forma integral, ajustando todas as ações do corpo, desde os pés, pernas, tronco, braços, cabeça e até mesmo a direção do olhar. 

É necessário estar presente a todo momento para encontrar a postura na sua forma ideal, para isso a prática é de extrema importância. Existe o entendimento de que cada vez que você sobe em um tapete de yoga, há sempre algo a mais para se aprender. Sendo ele físico, mental ou espiritual. Nenhuma postura de yoga foi feita para ser finalizada na primeira aula ou prática. Todas, sem exceção, foram feitas para serem desvendadas, trabalhadas, ajustadas de forma repetitiva, porém não mecânica. Só assim, encontramos a plenitude no asana

As inúmeras posturas de yoga passaram por modificações e variações que auxiliaram na propagação do yoga pelo mundo. A evolução é nítida, porém é possível notar que os nomes e formas dos asanas  tem relação direta com o mundo a nossa volta. De plantas, insetos, quadrupedes, pássaros, répteis até heróis e personagens mitológicos dão seu nome às posturas.

É, então, possível afirmar que a prática de asanas requer não só posturas físicas (que são expostas de forma frequente na internet), mas também o trabalho de equilíbrio mental, sem esquecer do quanto tudo a nossa volta é lembrado de forma honrosa pelo corpo físico.

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Vida com Yoga

Natane Circe (São José do Rio Preto-SP) é bailarina e professora de Tribal Fusion, atuando também como instrutora de Hatha Vinyasa Yoga, na qual é formada desde 2013 no curso reconhecido pela Aliança do Yoga. Também é praticante de Ashtanga Vinyasa Yoga e estudante da filosofia védica, entre outras vertentes do yoga.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 



[No Swag] Com a pulga atrás da orelha!

 por Tica



Há um bom tempo venho pensando se o que eu realmente ouvi e aprendi a vida inteira sobre a história do Hip Hop e a dança realmente eram condizentes com a realidade. Sabemos que muitas coisas se perdem no caminho ou são modificadas para ficarem mais bonitas nos livros, filmes e outros meios de comunicação. Bom, há mais ou menos quatro meses,  venho estudando esta dança com alguém que admiro há muito tempo, o grande mestre Henrique Biachini.

Com Biachini descobri um “outro lado” do Hip hop, aquele não comercializado (aquele “raiz”)  que ele aprendeu e ouviu dos que vivenciarem a cultura de fato. Então entendi que aquilo que sempre fiz não deve ser descartado ou condenado, mas trazer os dois lados da história demonstra respeito com aqueles que fizeram a cena do Hip hop acontecer e ser conhecida mundialmente.

No nosso último texto iniciei sobre o “surgimento” do Afrika Bambaataa, mas dúvidas são enormes do “como continuar” falando sobre nosso amado mundo do Hip Hop... Enfim, os estudos continuam! Enquanto isso, deixo hoje um vídeo fresquinho, com o próprio Bambaataa.

Enjoy...sem limites!


Vídeo: Cultne Acervo

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No Swag com a Tica


Tica (Curitiba-PR) é proprietária da Mov n' Art, atua como personal de treinamento funcional, condicionamento físico para bailarinos e aulas de Hip-Hop na linha de femme style. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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