por Ana Clara Oliveira
Paulo Freire |
Na última postagem da coluna, nós nos dedicamos sobre uma pergunta específica: qual é o conhecimento que importa na nossa dança? Em comemoração ao centenário do patrono da educação brasileira Paulo Freire – que se completará em setembro do presente ano -, vou discutir com vocês, nesta matéria, o entendimento dos conteúdos a partir do currículo Crítico-libertador declarado por ele.
Ao aproximarmos a prática educativa da dança às orientações de Paulo Freire (2019), poderíamos observar que a escolha do conteúdo programático é uma das preocupações que atravessam o cotidiano dos professores. Quando situamos o campo do estilo tribal, percebemos o alargamento das discussões sobre como ensinar e o que ensinar. Seja no formato de combos, seja numa investigação de improvisação, ou ainda, por teorização aprendemos que é preciso gerar conteúdos para as aulas.
Tal natureza não se organiza somente como uma preocupação pedagógica ou como um problema identificado: nós, docentes do estilo tribal, valorizamos um ensino com conteúdo, isto é, com o objeto do conhecimento para o desenvolvimento das capacidades dos alunes. Eis que surge a “inquietação em torno do conteúdo do diálogo e a inquietação em torno do conteúdo programático da educação (FREIRE, 2019, p. 115-116).
Diante disso, o educador discorre a criação de um currículo crítico que responda à prática libertadora cuja “dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes” (FREIRE, 2019, p. 115-116). Essa postura pedagógica se difere do chamado “educador-bancário”, que na sua “antidialogicidade” faz uma verticalidade do saber ou até mesmo impõe o seu programa de aula, sem nunca perguntar aos alunes sobre suas inquietudes.
Mas, como colocar esse trabalho pedagógico em ação? Ou melhor: como reduzir a educação bancária rumo ao projeto crítico e de liberdade?
Neste momento, alguns de vocês talvez estejam perguntando se a ideia é eliminar o nosso repertório de movimento e toda a nossa rica estética, a fim de propor algo quase impossível de fazer. Pois bem, a responda é: não. Para o querido pensador, a nossa tarefa é: ensinar conteúdos disciplinares, ou seja, tudo que julgarmos necessário para o aprendizado das técnicas e do universo poético do estilo tribal, mas também convocar as diferentes realidades dos alunes numa ação consciente. Esse princípio gera a estruturação dos conteúdos que importam e que precisam ser problematizados em um processo dialógico no qual as experiências diárias também formulam a criticidade. O conteúdo programático então, deixaria de ser exclusiva eleição dos profissionais do estilo tribal, para ser deles e dos alunes. Por esse motivo, “é na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação” (FREIRE, 2019, p. 121).
Uma das formas de aplicar essas orientações nas nossas salas de aula é a partir do “universo temático” ou o chamado conjunto de temas geradores (FREIRE, 2019, p. 121). De modo breve, os temas geradores são investigações que não se concentram nas pessoas isoladas da realidade, nem ao contrário. São buscas metodológicas conscientizadoras entre corpo docente e discente que, sendo constituídas nas relações corpos-mundo, podem ser capturadas e entendidas no domínio humano e não como se fossem coisas – assuntos soltos, fora do humano. “Investigar o tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis” (FREIRE, 2019, p. 136).
De maneira didática, podemos encontrar as seguintes etapas na abordagem de Paulo Freire (2019): investigação (busca por palavras e temas centrais); codificação dos temas (contexto concreto ou real em que os fatos ocorrem e o contexto teórico em que a codificação é analisada); decodificação (ato cognoscente realizado pelos corpos sociais e que gera a nova percepção) e por fim, a problematização (visão reflexiva). Obviamente, todo o arcabouço do currículo Crítico-libertador vai além desse texto, mas deixo aqui essas noções com o intuito de colorir e despertar ainda mais nossas aulas. Assim, vejamos o esquema abaixo:
Na próxima postagem, planejo publicar uma resenha do primeiro capítulo do livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 2020) – 66ª edição. Com estas informações, aspiro auxiliar a nossa comunidade de dança, especialmente docentes a refletir a própria atuação e a tomar decisões de maneira mais conscientes sobre: “que conteúdos ensinar, a quem, a favor de quê, de quem, contra quê, contra quem, como ensinar” (Freire, 2005, p. 45).
E, vocês já trabalharam através do currículo Crítico-libertador? O que vocês pensam dos temas geradores? Vamos conversar?
Finalizo com a imagem inspiradora da professora/artista/coreógrafa/estudiosa/pesquisadora do estilo tribal: Annamaria Marques, tão dedicada ao ensino amoroso e consciente.
Abraços dançantes,
Até breve!
Annamaria Marques ( @annamaria_tribaldancer) | Fotografia: Greis Ferreira. |
Referências:
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
_____________Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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Formação no Tribal