Entrevista #41: Joline Andrade


Nossa entrevistada do mês de junho é a bailarina Joline Andrade de Salvador-BA. Joline conta sobre sua trajetória na dança tribal, sobre sua participação no The Massive Spectacular em três edições, sobre suas opiniões e impressões acerca da cena tribal atual, tanto nacional quanto internacional. Conheça mais sobre a bailarina lendo a entrevista na íntegra. Boa leitura!

BLOG: Conte-nos sobre sua trajetória na dança do ventre/tribal;como tudo começou para você? 
Meu primeiro contato com a Dança Tribal foi em 2006 através do DVD da companhia Bellydance Superstars apresentando um show no Folies Bergère em Paris (2005). Neste show dançaram Rachel Brice e a formação do The Indigo da época. Eu já fazia dança do ventre há alguns anos e nada havia me chamado tanto a atenção quanto os movimentos, músicas e figurinos exóticos da companhia.

BLOG: Quais foram as professoras que mais marcaram no seu aprendizado e por quê?

Tive duas professoras que foram fundamentais para o meu crescimento na dança. A primeira foi Marilene Sobrinho, conhecida como Leninha, que me ensinou os primeiros movimentos de dança do ventre em 1999, me permitiu fazer as primeiras apresentações e me estimulou a começar a ensinar dança do ventre na Dançart, escola dirigida por Adriana Galvão em Vitória da Conquista-BA. Adriana foi também uma mestra bastante importante na minha história pois através dela conheci o ballet, a dança moderna, contemporânea, jazz e muitas outras modalidades oferecidas em sua escola. Sou extremamente grata pelas portas que estas duas professoras/amigas abriram pra mim com muita generosidade.

BLOG: Além da dança tribal você já fez ou faz mais algum tipo de dança? Há quanto tempo?
Sim, durante toda a minha trajetória com a dança, que começou em 1992, pude experimentar diversas linguagens corporais. Pratiquei o ballet clássico, a dança moderna, a dança contemporânea e a dança do ventre por bastante tempo, mas também já experimentei o jazz, capoeira, danças afro-brasileiras e sapateado. Hoje tenho me dedicado ao yoga e ao tribal de maneira intensiva.
           
BLOG: Quais foram suas primeiras inspirações? Quais suas atuais inspirações?
No ballet clássico sou encantada pelo trabalho do russo Mikhail Baryshnikov e da ucraniana Svetlana Zakharova. Na dança moderna me inspiro no húngaro Rudolf von Laban e na americana Martha Graham. Na dança contemporânea a alemã Pina Bausch, o americano William Forsythe e a belga Anne Teresa de Keersmaeker são meus favoritos. Na dança do ventre admiro bastante o trabalho da egípcia Tahia Carioca, da argentina Saida e da brasileira Esmeralda Colabone. No Tribal, minha primeira inspiração foi a americana Rachel Brice, mas ao longo do tempo passei a admirar dançarinos(as) que se dispuseram a experimentar novos caminhos, explorar novos territórios em fusões diversificadas que estimulam a comunidade a expandir seus horizontes e a pensar fora da caixinha. Hoje tenho enorme apreço pelo trabalho da canadense Zoe Jakes, do francês Illan Rivière e da portuguesa Piny Orchidaceae. Conheço pessoalmente o trabalho da Zoe e da Piny e elas são realmente gênias da dança! Illan está na minha lista de desejos de consumo.



BLOG: O que a dança acrescentou em sua vida?
Devo tudo a dança! As amizades, as alunas, as professoras, os mestres acadêmicos, os colegas de trabalho... Enfim... Todas as conquistas que me possibilitaram viajar por ai conhecendo outros artistas.

BLOG: O quê você mais aprecia nesta arte?
A capacidade que a dança tem de melhorar a nossa neuroplasticidade, nos deixar mais inteligentes, melhorar a nossa memória muscular, nos colocar frente às nossas fragilidades e potências para superar obstáculos, nos fazer conhecer mais sobre nós mesmos (humanos) e nossa produção de conhecimento (cultura), além de todo o prazer e conexão espiritual que ela nos oferece individual e coletivamente.

BLOG: O quê prejudica a dança do ventre e como melhorar essa situação? Você acha que o tribal está livre disso?
Creio que uma das piores questões da dança do ventre e do tribal é ter que lidar com as frustrações individuais trazidas à dança. Frustrações que são convertidas em ofensas, fofocas, discursos de ódio e julgamentos, principalmente nas redes sociais (cyberbullying). Muitas mulheres e homens se aproximam destas danças buscando uma forma de terapia, de cura das próprias doenças e debilidades. A dança pode fornecer todo o suporte para a recuperação da autoestima e para tratamento de conduta por nos fazer mover no coletivo, compartilhando com os outros o que temos de melhor e pior afim de despertar a nossa consciência e de nos tornarmos pessoas melhores. Porém, quando o ambiente é precário em ética e inteligência emocional onde o guia não possui nem ensina valores ao seu grupo, ou pior, protagoniza posturas de desrespeito, infelizmente o que era pra ser cura se torna doença, o que era pra ser tribo de luz se torna tribo canibal. Triste de quem não possui equilíbrio emocional para conviver com o sucesso do outro, com a opinião do outro, com amor ao outro. Triste de quem é convencido por si só ou por outros de que não se pode fazer diferente, não se pode lutar por convicções outras, pois cedo ou tarde tropeça nas próprias limitações. Infelizmente estas pessoas insistem em empurrar para o próximo o que pior tem em si (o caos das frustrações pessoais), exaltando a necessidade de controle de ego no momento em que o próprio transborda rios diante da própria pequenez. Com o tempo padecem! Estas pessoas precisam de acompanhamento psicológico sério para o bem e a saúde da comunidade de dança. Ou, na pior das hipóteses, devem ser julgadas em processos jurídicos que condenam os que agem com calúnia e difamação, pagando por danos morais e físicos (quando houver). De todo o modo somente a comunidade de dança é responsável pelo diagnóstico destes desvios de conduta para que, se possível, essas pessoas sejam punidas, reeducadas e reabilitadas para estar no meio artístico. Triste de ver, mas também útil para fazer parâmetros do quê e com quem devemos nos envolver e como devemos agir diante destas circunstâncias. Percebendo tudo isso sigo leve e distante de toda e qualquer nublada energia.

BLOG: Você já sofreu preconceitos na dança do ventre ou no tribal? Como foi isso?
Felizmente não sofri preconceitos, pois sempre tive total apoio da minha família e amigos, o que me tornou uma pessoa segura e paciente ao falar de dança com os outros. Talvez algumas dificuldades no ambiente acadêmico, pois no princípio tive um grande esforço para apresentar a dança tribal aos colegas e professores da pós-graduação em Dança da UFBA, que interessavam-se apenas por dança contemporânea. Preconceito no sentido real de falta de conhecimento. Após muita dedicação para conseguir abordar a dança tribal com uma perspectiva contemporânea, apresentei o meu objeto de estudo para a orientadora Ludmila Pimentel que foi bastante generosa e entusiasta (e é até hoje para que eu faça o mestrado) e então pude concluir a especialização com a primeira monografia de Dança Tribal do Brasil.

BLOG: Houve alguma indignação ou frustração durante seu percurso na dança?
Decepções com a conduta de alguns, mas que serviram de aprendizado para que eu saiba como bloquear algumas relações profissionais... A linha que separa a admiração da inveja e o espírito colaborativo do oportunista é muito tênue. Aconselho aproximar pessoas do seu trabalho, da sua casa e amigos após conhecê-las por mais tempo. Ingratidão e deslumbre acontecem numa velocidade muito grande quando a sua relação com o outro não é madura o suficiente para saber o quanto ela é confiável. Há muita carência e necessidade de ser visto hoje em dia e muitas vezes esse sentimento atropela tudo o que poderia florir, sem respeito ao professor, aos colegas, a comunidade. Mas tenho aprendido a descartar rapidamente relações que não somam e a me aproximar profissionalmente daqueles que merecem por terem muito a doar, construir e evoluir em conjunto com humildade e honestidade.

BLOG: E conquistas? Fale um pouco sobre elas.
Tenho tido a sorte de realizar tudo o que projetei em minha carreira como artista até então. Me graduei e pós-graduei numa universidade federal. Fiz aulas com grandes mestres. Produzi eventos e reuni alunas muito queridas e talentosas. Viajei para diversos eventos no exterior sendo contratada profissionalmente para realizar trabalhos. Dancei junto de artistas que admiro. Sou contemplada em editais através de projetos escritos integralmente por mim. Enfim, tenho muito a agradecer por estas conquistas e muito a acreditar na minha capacidade de realizar projetos futuros.

BLOG Você foi uma das primeiras bailarinas do Brasil a se envolver com o estilo tribal. Como eram as informações sobre o estilo na época em que você começou a pesquisar? Como era visto a dança tribal naquela época e como hoje ela vem se apresentando na cena brasileira? Na sua opinião, o quê precisa ser melhorado, aperfeiçoado e, até mesmo, mudado no comportamento da(o) tribalista(o) brasileira (o)?
No princípio, poucas referências foram acessadas presencialmente. Muito do conhecimento de dança era obtido através da internet e outras mídias, como os DVDs. Fui auto-ditada por um longo período até poder participar de workshops pontuais com algumas protagonistas do estilo tribal. Precisei viajar dentro e fora do Brasil para colher informações mais precisas. A dança do ventre tribal era apenas associada ao que Rachel Brice apresentava sendo, talvez até hoje, a dançarina mais conhecida pela maioria da comunidade brasileira. Hoje é possível ter acesso a muitas outras produções de dançarinas e grupos de todo o mundo, principalmente aqueles que deram partida as inovações nos métodos e estilos. Acredito que a comunidade brasileira precisa estar mais disposta a pesquisar o que está acontecendo de novo na cena mundial, nos desdobramentos que essa dança tem gerado e nos artistas de outras linguagens de dança que a comunidade mundial tem abraçado. Europa, Ásia, América Central e Latina tem apresentado diferentes estéticas, o que torna a cena muito mais rica e vai muito além do estilo Tribal Fusion que foi iniciado nos Estado Unidos.

BLOG: Como é o cenário da dança tribal na Bahia? Pontos positivos, negativos, apoio da cidade/estado, repercussão por parte do público bem como pela comunidade de dança do ventre/tribal?
Na Bahia há uma comunidade super bacana. Ministrei muitos workshops em cidades do interior e hoje tenho me dedicado a comunidade de Salvador. Aqui, muitos dançarinos que se formaram ou estão se formando na graduação em Dança da UFBA (nível superior) ou no curso técnico da FUNCEB (nível médio) estão trazendo suas experiências acadêmicas/técnicas para a dança do ventre tribal. Estudos teóricos e experiências com dança contemporânea, moderna, clássica, afro-brasileira e muitas outras estão somando bastante no que é apresentado cenicamente e na sala de aula. Há uma produção diversificada que não se restringe a categorias nem se permite reproduzir padrões. É o caso da Trupe Mandhala e das alunas que participam do meu Curso de Formação em Salvador. Mas como em qualquer lugar há muito a evoluir, principalmente no quesito maturidade profissional. Ainda há professores que controlam seus alunos, não os permitem acessar outros professores e eventos, impõem aos discípulos o não compartilhamento de informações com outros colegas numa tentativa falida de conter o que é ensinado. Uma postura ultrapassada e danosa a comunidade baiana que, mesmo sendo por mim rebatida há bastante tempo, ainda acontece severamente e prejudica muitos estudantes e profissionais que são condenados a serem propriedade de quem acha que tem o poder/controle sobre as pessoas. Naturalmente os dançarinos locais têm despertado a sua consciência e têm aprendido a ser indiferentes com estas posturas, buscando o melhor para si.

BLOG: Conte-nos um pouco sobre suas principais coreografias. O quê a inspirou para a formulação da parte conceitual e técnica das mesmas, assim como seus processos de elaboração dos figurinos e maquiagens. Como essas coreografias repercutiram na cena tribal? 

Acho que minhas criações se organizam de maneira complexa e diversificada e me esforço para que assim permaneçam. Procuro sempre sair do meu lugar comum, do meu hábito, dos meus vícios de criação, utilizando como estratégia estímulos que me desestabilizam e me colocam numa situação desconhecida para coreografar. É uma tarefa instigante trabalhar em solos objetivando sistemas estéticos imprevisíveis. Admiro artistas que conseguem expressar isso, que conquistaram este nível refinado do fazer artístico. Não gosto de intitular categorias, pois tenho uma opinião crítica sobre as restrições e enquadramentos que eles (re)produzem. Todos os meus figurinos foram idealizados e produzidos por mim e por minha querida mãe Jacqueline Araújo. Conceito, coreografia, música e figurino são concebidos por mim, ao mesmo tempo, sem uma ordem linear. Vou buscando referências, construindo algumas estruturas coreográficas, apresentando-as para pessoas que tem boas interferências críticas, reconfigurando alguns elementos, até que a coreografia seja finalizada. Posso levar 1 mês ou 2 dias para criar uma coreografia. Sempre depende do meu estado criativo. Da verve artística que me ilumina em algum momento, se assim posso dizer. Minhas melhores coreografias foram criadas no menor intervalo de tempo. Das coreografias criadas as que mais tenho apreço são: Colapse (2012), Promenade (2013), The Dark Balance (2014), Trans.Fusion (2015) e a última Prana (2016). Todas foram dançadas em palcos nacionais e internacionais e tiveram um bom feedback do público (colegas, alunas e admiradores).

BLOG: Em 2011, você participou do programa de TV “Se ela dança, eu danço” do SBT. Conte-nos como surgiu a oportunidade e como foi a experiência. Quais suas impressões sobre o programa? Alguma curiosidade a respeito?



Foi um experiência diferente. Recebi um e-mail da produção com o convite para participar do programa. No início fiquei receosa, pois não sou muito fã do formato, mas fui estimulada por familiares e amigos e resolvi aceitar o convite. Passagens aéreas foram enviadas pela produção e já no dia seguinte fui para São Paulo para gravar. O programa foi filmado no teatro Frei Caneca e muitos grupos, escolas e artistas independentes estavam lá a convite ou por terem efetuado inscrição. O programa exaltava performances com tom acrobático e zombava de alguns que estavam ali inocentemente. Reprovo todas as posturas dos jurados e produtores que foram totalmente desrespeitosos com participantes iniciantes e/ou aventureiros. Enquanto dançarina de tribal notei pouco interesse e conhecimento pela linguagem. Festivais de dança tradicionais e programas de TV costumam enquadrar numa mesma categoria o tango, samba, bolero, forró, danças folclóricas, étnicas, ou seja, de fronteira/margem, e isso reduz a complexidade de cada referência de dança a um mesmo título: DANÇA POPULAR. Além disso, há a incapacidade de um mesmo jurado ter tato para comparar o desempenho de grupos/trios/duos/solos de diferentes modalidades, o que representa um grande equívoco que tem se repetido em propostas com este formato. Nesse tipo de programa eu não teria qualquer chance em avançar na competição, mas costumo tentar tirar algum aprendizado das minhas experiências, sejam elas produtivas ou não.

BLOG: O Curso de Formação em Tribal Fusion teve inicio em 2013 em São Paulo. Conte-nos como surgiu a idéia de criação do Curso e quais cidades o mesmo já alcançou. Como é o formato do curso, qual seu diferencial e o que as alunas inscritas podem esperar? E o quanto ele amadureceu ao longo desses anos, sofrendo modificações desde sua primeira até sua atual edição? 


O Curso de Formação é um projeto que tem me estimulado muito desde sua criação em 2013. Foi o primeiro no Brasil que apresentou acompanhamento de longa duração aos participantes, ou seja, formação continuada que caminha em direção contrária ao “fast food” dos workshops. Hoje realiza edições em 3 capitais: São Paulo-SP, Salvador-BA e Fortaleza-CE. Com 100% das vagas ocupadas nas 5 edições já ocorridas em São Paulo-SP e Salvador-BA, a edição 2016 do curso terá conteúdo programático totalmente atualizado. É voltado para dançarinas que querem levar a sua dança para um próximo nível através do estudo teórico e prático da dança do ventre tribal sob auxílio de pesquisas desenvolvidas por grandes nomes da dança como o Laban, Martha Graham e Pina Bausch. O único pré-requisito é possuir no mínimo 2 anos de experiência em dança do ventre e/ou tribal. No quesito técnica, nós não estudamos movimentos introdutórios (pois estima-se que um(a) dançarino(a) de nível intermediário já os execute com excelência), mas sim a desconstrução deles, dos seus princípios de execução. Estudamos a história da dança do ventre (o Egito Colonial; the World’s Fair; o Vaudeville e o Burlesque; o início da Dança Moderna; Hollywood e os filmes Egípcios; e os Cabarés Orientais nos EUA) até refletir sobre o contexto histórico que gerou as primeiras manifestações da dança do ventre tribal e como os processos de transformação e transgressão social continuam/continuarão existindo e originando novas estéticas de dança do ventre. A ideia principal é dar autonomia de estudos aos inscritos, o que para pra mim significa formar. Compartilho textos/fotos/vídeos, encaminho listas de sugestões de leitura, como também utilizamos um grupo do Facebook para reforçar o partilhamento de conteúdo entre todos os participantes. São ao todo 8 módulos de 3 horas de duração cada (24 horas de aula presencial) com temas específicos que tratam desde o estudo técnico dos movimentos até os processos criativos, filosóficos, os estudos musicais e propostas de laboratório de dança-teatro. Em São Paulo, o músico Luciano Sallun, diretor do grupo Pedra Branca, é o professor convidado para ministrar a aula de música. Além das aulas presenciais, diversos exercícios e textos são sugeridos para estudo nos intervalos entre um encontro e outro.



Como movimento cultural e instrumento artístico-educacional este projeto de formação, arquitetado a partir de uma metodologia própria, se engaja na ampliação das possibilidades de experimentação de diversos repertórios de movimento e propõe o contato com pesquisas recentes desenvolvidas pelas tribal bellydancers mais conceituadas da atualidade. Fui contemplada no Edital de Mobilidade Artística e Cultural da Secretaria da Cultura do Estado da Bahia e estive, pela 3ª vez, no The Tribal Massive™ (Las Vegas-EUA).No curso são compartilhados todos os temas adquiridos neste evento desde a minha primeira participação em 2013, como também são esclarecidas as especificidades e diferentes abordagens de assuntos relacionados ao universo da dança do ventre tribal. A mistura das culturas árabe, espanhola, indiana, norte-americana, brasileira, etc., é vista neste curso como meio de fomentar os interesses para cada cultura distinta (sendo estas as reais raízes a serem esmiuçadas), como também provocar questionamentos sobre o modo como cada artista manipula este sistema híbrido de informações em suas experimentações combinatórias. Ao final do curso uma mostra de danças é proposta ao público onde as coreografias apresentadas são criadas integralmente pelas inscritas, se apropriando dos conteúdos estudados e de repertórios individuais anteriores que juntos geram interessantes fusões com a dança do ventre tribal. Minha participação em eventos internacionais contribuem significativamente na reciclagem do conteúdo programático do curso, sendo ele anualmente atualizado, isto é, inscritas anteriormente podem participar de novas edições pois terão contato com propostas totalmente novas.





BLOG:  Você é produtora do eventos Dramofone desde 2013 e do EtnoTribes Festival desde 2014, os quais se destacam como um dos principais eventos de dança tribal do Brasil. Conte-nos como surgiram as idéias de cada evento, suas propostas, objetivos, organização, realização e diferenças entre si, bem como suas repercussões do mesmo para a comunidade tribal quanto para seu público.


O DRAMOFONE e o ETNOTRIBES são eventos no qual me orgulho muito. O primeiro parte de uma iniciativa independente, sem apoios e/ou patrocinadores, onde os dançarinos colaboram com a venda/doação de ingressos e utilizam o palco como laboratório de suas criações de maneira totalmente livre. 


O DRAMOFONE já apresentou 6 edições em Salvador com participações nacionais e internacionais e caminha para a sua 7ª edição sempre cheio de novidades para apresentar. Dançam alunos, professores, atores, poetas, músicos e palhaços. Foi instrumento de ascensão para muitos dançarinos que participaram do Curso de Formação de Salvador (baianos, mineiros, sergipanos e alagoanos) e que hoje se tornaram professores e continuam trabalhando profissionalmente com a dança. É também um espaço de livre demanda para meus alunos regulares que apresentam solos e coreografias dirigidas por mim e construídas coletivamente. Unidos, os participantes do DRAMOFONE contribuíram significativamente para o fomento da dança do ventre tribal e suas fusões no estado da Bahia pela frequência de suas produções (2 à 3 edições por ano) e variedade de artistas em cena. Sundari (Croácia) e Hilde (Bélgica) já foram convidadas a participar do festival e além de apresentarem solos no show propuseram workshops para os dançarinos locais.



O ETNOTRIBES FESTIVAL ocorreu em 2014 e, diferente do DRAMOFONE, é um evento maior que conta com o apoio e subsídio do Fundo de Cultura, através do Governo do Estado da Bahia (a sua primeira edição foi resultado de um projeto contemplado no Edital Setorial de Dança 2013). Com orçamento de R$30.000,00 propus, em 2014, oficinas gratuitas com artistas baianos, paulistas, mineira e paraibana. Nosso grande convidado foi o grupo de música étnica contemporânea Pedra Branca (SP) dirigido por Luciano Sallun. Além da banda as artistas Kilma Farias (PB) e Priscila Patta (MG) estiveram conosco no show e ministrando workshops. Companhias de diversos lugares do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Bahia) participaram do Show de Gala Simbiose também como convidados. Os artistas locais ministraram oficinas de dança do ventre (Fernanda Guerreiro), flamenco (Aline Góes), dança-afro (Vera Passos) e indiana (Govinda Vallabha). Além das oficinas, um ponto alto do festival foi a mesa redonda que permitiu que os artistas convidados falassem sobre seus processos e suas compreensões sobre o conceito de dança/música étnica de fusão contemporânea. Foi muito rico e catalizador de pensamentos. Envolvemos em torno de 700 pessoas no festival entre inscritos e espectadores. O ETNOTRIBES é um festival que visa dar acessibilidade (através da gratuidade) ao conteúdo de dança e música de qualidade à comunidade de dança brasileira. Neste evento todos os artistas são devidamente remunerados pelos seus trabalhos e contam com a melhor estrutura possível para o seu desenvolvimento. Os shows são realizados em teatros de médio (Pocket Show - Espaço Xisto) e grande porte (Show de Gala - Teatro ISBA) com a melhor estrutura de iluminação, sonorização e registro audiovisual, e as oficinas em espaços culturais e escolas de dança com total infraestrutura para dança (espelhos, área e piso apropriado). 



Ambos os festivais são desenvolvidos com muito carinho e profissionalismo e prometem acontecer por muitos e muitos anos.

BLOG: A sua carreira internacional iniciou-se em 2010. Você já esteve em diversos países, como Argentina, Uruguai, Venezuela, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália e Coréia do Sul. Quais aprendizados e/ou vivências você adquiriu dançando e estudando nesses países? Conte-nos um pouquinho sobre cada evento, suas principais características e o quê você mais gostou deles. Qual retorno e repercussão você teve por parte do público desses países?

Comecei a viajar para o exterior 4 anos depois de ter conhecido a dança do ventre tribal. Nos primeiros participei como estudante e nos demais como professora. Aprendizados a perder de vista... Ter reconhecimento internacional está sendo um dos melhores frutos da minha carreira e tem me estimulado muito a continuar trazendo para o Brasil o conhecimento obtido lá fora. Participei de alguns dos maiores festivais de dança do ventre do mundo, pude conhecer muitas pessoas bacanas e dançarinos famosos e também compreender muito do funcionamento de grandes produções. Cada evento com sua particularidade, a exemplo do refinamento seleto dos artistas participantes no The Tribal Massive (EUA); da variedade e quantidade de dançarinos e músicos famosos de todo o mundo no World Bellydance Convention (KOR); da riqueza e ao mesmo tempo simplicidade dos envolvidos no TribaLX (POR) e Gothla ES (ESP); da eficácia e capacidade de produção das escolas San’Lo (ITA) e Sol y Luna (ESP); e das similaridades entre nós latinos no jeito de promover a dança como no Opa!Fest (ARG), UyUyUy Festival (URU), II Encuentro Internacional de DanzadelVientre e Fusión (VEN) e Aywah! (ARG). Nestes eventos vi professores fazendo aulas uns dos outros, vi artistas transgredindo concepções restritas de dança através de debates abertos dentro da programação dos eventos, vi de maneira íntima a forma de grandes dançarinos trabalharem, fui recebida com elegância e profissionalismo, como também pude entender a indústria e me inspirar em como criar um mercado de dança seguro e produtivo. Na verdade, o maior aprendizado foi ver o quão cuidadosos foram os produtores destes eventos e o quão respeitosos são com seus convidados e participantes. Foi fundamental perceber o quão devemos ser, enquanto professores/produtores, responsáveis pelo conhecimento gerado, pelas ideias expostas e valores (morais e éticos) colocados nos eventos. Ética e comprometimento falam alto e não há espaço para quem não se porta com a conduta adequada para permanecer alí.

BLOG: Você participou do evento internacional The MassiveSpectacular  (EUA)  nos anos de 2013, 2015 e 2016. Como surgiu a oportunidade de dançar em um dos principais eventos da cena tribal mundial? O que você pode nos contar desses três anos de experiência (desafios, aprendizados, vivências,etc)? Qual retorno e repercussão você teve pelo público norte-americano? Se você pudesse importar alguma característica dos eventos estrangeiros, qual seria?

Participar com frequência do Tribal Massive (cursos) e do Massive Spectacular (espetáculo) é uma das minhas principais realizações. Acompanhava e admirava este evento há algum tempo por criarem um ambiente profissional de dança com uma programação intensa de imersão (cerca de 50 horas de aula por semana de nível avançado/profissional) e uma estrutura para o espetáculo de ficar “boquiaberta”. Recebi um e-mail de Tori Halfon, diretora do evento, em 2012 me convidando para fazer parte das aulas e do show principal. Disse que me contatou pois viu meu desempenho nos vídeos postados na internet e que gostaria de ter o meu trabalho entre os outros do lineup. Fiquei surpresa e muito lisonjeada com o convite e passei a me organizar para a viagem. Escrevi um projeto para o Edital de Mobilidade Artística e Cultural promovido pelo Governo do Estado da Bahia que contemplou a proposta e financiou a minha viagem para participar de 98 horas de aulas na primeira e segunda semanas de imersão em 2013 com Zoe, Kami, Mira, Jill, Sharon, Sera, Fred e Heather. Dancei a coreografia Promenade pela primeira vez no palco do Railhead, dentro do Boulder Station Hotel & Casino, e foi muito emocionante estar entre todas aquelas dançarinas no qual tenho profunda admiração. Ao retornar, propus 5 horas de workshops gratuitos na Escola de Dança da UFBA em Salvador como contrapartida do projeto, possibilitando através da acessibilidade um grande fomento de interesses para a linguagem da dança do ventre tribal na cidade. Em 2015, por não ter tido projeto contemplado nos editais do Governo da Bahia e do Ministério da Cultura decidi participar do Tribal Massive e do Massive Spectacular através de recursos próprios. Neste ano estive na primeira semana de aulas com Zoe, Kami, Mira, Jill, Sera e Fred e apresentei o solo Trans.Fusion. Recebi um excelente feedback por parte dos professores, colegas e da própria diretora, Tori Halfon que compartilhou o desejo de ter meus trabalhos apresentados sempre que possível. Em 2016, felizmente tive projeto contemplado no edital do Governo da Bahia, que patrocinou novamente a minha viagem e, diferentemente dos outros anos que estive no evento, não só participei das aulas e show, mas também contribuí como colaboradora da produção junto com outras colegas. Além disso, em 2016 recebi o convite da brilhante Mira Betz para dançar com ela e outras incríveis dançarinas a sua nova obra, o MiraPieceTheater. Experiência inenarrável ser parte deste projeto com a Mira. Tudo isso ocorreu após 3 meses do nascimento da minha primeira filha Valentina, o que tornou o evento ainda mais especial pela energia da maternidade que levei comigo. Este ano dancei, além do MiraPieceTheater, o solo Prana no Massive Spectacular, que foi o ápice da minha experiência como mãe/dançarina. De volta a Salvador propus novamente 5 horas de workshops gratuitos como contrapartida para o edital. 



Estar no Massive é sempre uma glória! Lá pude perceber o nível da nova geração de dançarinas, trocar algumas ideias e ver o quão estão desprendidas para fusionar. O Massive é um espaço aberto e ao mesmo tempo acolhedor, que potencializa a história de cada participante deixando-nos livres para dialogar e apresentar as mais diferentes propostas. Um evento que tem ganhado muita força ano após ano pelo requinte, cuidado, inovação e fonte de inspiração para quem acompanha a distância. Se eu pudesse importar uma qualidade ela seria a luta das professoras e alunas em barrar qualquer comentário que conduza a comunidade para uma postura de policiamento, a Bellydance Police como costumam chamar, que reduz qualquer criação artística a dicotomia do “isso pode / isso não pode”, “isso é certo / isso é errado”, “isso é tribal/isso não é tribal”, ou seja, uma necessidade essencialista/fundamentalista geralmente limitada “ao que é e ao que não é”, abandonando uma gama de possibilidades do ser. Lá já não há mais espaço pra esse tipo de discurso que reforça as divisões ao invés da unidade, pois é óbvio que há espaço para todos os métodos e estilos e que, enquanto comunidade que necessita sobreviver e progredir, precisamos valorizar e aprender, uns com os outros, em nossas diferenças.


BLOG: Em 2016, você se apresentou, juntamente com Mira Betz e sua trupe no evento The Massive Spectacular (EUA). Gostaria que comentasse como surgiu a oportunidade, como foi sua preparação, desafios e como foi a experiência de dançar junto com Mira e companhia.


Após confirmar com Tori Halfon a minha participação na edição 2016 do evento recebi um e-mail da brilhante Mira Betz apresentando a sua nova proposta, o MiraPieceTheater. Sem sombras de dúvida foi um dos melhores convites que já recebi em minha carreira e não hesitei em aceitar o desafio. Textos, vídeos e registros das sequências a serem previamente estudadas foram encaminhados logo em seguida. Foi um processo tranquilo (mais simples do que eu podia imaginar) e divertido, pois os registros dos ensaios junto com Kendra e Yvonne, suas fiéis assistentes, eram cheios de motivo para curtir e dar risadas. Cerca de 20% da coreografia foi baseada nos vídeos enviados para estudo, os outros 80% foram elaborados em conjunto, lá mesmo em Las Vegas. Mira alugou uma casa que foi berço dos ensaios, criação de figurinos e papos que corriam a madrugada. Exaustivo pois fazíamos 8 horas de aula diárias na programação do Tribal Massive e corríamos para nos encontrar em seguida passando até 4 horas juntas na casa. Comíamos, ensaiávamos, customizávamos figurinos e cuidávamos do pequeno Courage (filho mais novo de Mira). No dia do show passamos a tarde fazendo a passagem de palco para afinação de luz, etc. A noite nos reunimos numa suíte do Casino com todas as professoras e participantes das coreografias em grupo. Foi uma delícia viver aquelas 2 horas de backstage intimamente com Zoe, Kami, Mira, April, Jill, Sharon e todas as beldades do evento. Uma clima de suave nos deixavam unidas e seguras para dançar. Um prazer enorme conhecer melhor as colegas Heather Labonté, Jules Downum, Yvonne Michelle, Kendra Katz, Elyza Perry, Kelli Li, Danielle Hutton, Rin Ajna e Brandi Lynn. Mira é genial e muito generosa! Mente complexa e criativa que atrai qualquer dançarina para mergulhar em suas ideias. Espero ter a chance de estar com ela novamente em novos trabalhos. Que seja em 2017, pois certamente estarei lá desejando viver intensamente tudo aquilo mais uma vez.


BLOG: Você acha que estar no berço da dança tribal ajudou-a a entender melhor todo o processo por trás da criação dessa dança? Compartilhe suas impressões sobre essa maravilhosa jornada! =)

Certamente. É bonito ver o quão se dedicam a estudar a fundo as tradições da dança do ventre e seus possíveis encontros com outras danças tradicionais do mundo.





BLOG: Já vi algumas indagações em sites estrangeiros da importância que alguns bailarinos sentem das precursoras do Tribal Fusion direcionarem melhor o estilo para não provocar tais confusões com relação a dança. O quê você pensa sobre o assunto? Na sua opinião, por quê  você acha que isso ainda não foi feito?
Jill Parker e Joline
Diferente do ATS®, o Tribal Fusion não foi completamente sistematizado e registrado. Por ter tido uma construção diversa, encabeçada por várias dançarinas simultaneamente que trouxeram/trazem diferentes histórias de dança e diferentes modos de fazer/pensar, acredito ser uma tarefa difícil a implantação de restrições nesta categoria. Jill Parker, enquanto “mãe” do Tribal Fusion, a partir de diversos cursos e conversas que já tive com ela, não demonstra interesse em sistematizar e registrar a dança, como a Carolena Nericcio fez com o ATS®, para que seja reproduzido fielmente e o formato largamente comercializado na indústria da dança do ventre tribal. Jill Parker enfatiza muito a importância do estudo aprofundado em dança do ventre (danças tradicionais do Oriente Médio) para a prática do Tribal Fusion com excelência. Concordo plenamente com ela e acrescento que é bastante importante compreender e estudar, também profundamente, as outras tradições de dança envolvidas no estilo (flamenco, dança Indiana, danças do hip-hop), para não nos apropriarmos de maneira superficial e representativa/caricata destas manifestações culturais. Além disso, o Tribal Fusion é fruto de uma geração de dançarinas(os) que foi alimentada a partir do que Jamila Salimpour trouxe como nova estética de dança do ventre. De lá até as primeiras manifestações intituladas Tribal Fusion muitos nomes contribuíram para o desenvolvimento do estilo (Jamila e Suhaila Salimpour, Katarina Burda, John Compton, Malia De Felice, Masha Archer, Carolena Nericcio, Jill Parker, Stephanie Barto, Nanna Candelaria, etc.) e é fundamental reconhecer a pluralidade dos trabalhos destas pessoas para não simplificarmos a história em uma linhagem de raiz única. Acredito numa composição rizomática de construção da dança do ventre tribal que tem os nomes citados acima como os primeiros compositores de sua estética.

BLOG: Observamos com mais força nos EUA, e agora se disseminando pela Europa, a fusão da dança do ventre com arquétipos do tribal, contudo, com uma óptica e conceitos mais experimentalistas. Aliás, observamos o distanciamento do rótulo “tribal” na dança das principais bailarinas icônicas do estilo, que estão em constante experimentação de suas danças. Associado a isto, podemos identificar semelhanças entre fusionistas e tribal dancers na movimentação, execução, presença de palco entre outras características. Notamos também que a forma de dança do ventre norte-americana é um viés entre esses grupos. Como você encara este fenômeno? 
A fusão intencional da dança do ventre com outras linguagens se estabelece desde a Golden Era, onde o ballet, flamenco e a dança do ventre foram propositadamente imbrincados para a dança ser exibida nos filmes temáticos ”ArabianNights” de Hollywood. Esta fusão intencional (chamo intencional, pois muitas fusões ocorreram antes, mesmo que não premeditadamente) foi protagonizada pela dançarina síria Badia Masabini e suas discípulas no primeiro cabaré do Nilo. 

ATS® e Tribal Fusion são frutos dessas fusões com a dança do ventre, como muitas outras propostas que foram apresentadas desde Ruth St. Denis até a sistematização de Jamila Salimpour. O que quero dizer é que é natural vermos dançarinas continuarem em busca de novas fórmulas para a fusão de dança do ventre, seja com o Burlesco, Vaudeville e outras linguagens de dança (Clássica, Moderna, Contemporânea, Indiana, Flamenca, do Hiphop, Tango, Afro-brasileira, Latina, Jazz, House, Stiletto, Capoeira...), seja com o Teatro, Artes Circenses, Poesia, Música, etc. Zoe Jakes, Mira Betz, Kami Liddle, Illan Rivière, Piny Orchidaceae, Linda Faoro, Anasma, April Rose, Violet Scrap, Audra Simons, Heather Labonté e muitos outros dançarinos investem em estimulantes e criativas fusões e nos fazem refletir o quão ampla e descentralizada pode ser o desenvolvimento desta comunidade de dança. No decorrer da história da dança do ventre diversas manifestações foram englobadas numa mesma modalidade(Árabe, Síria, Turca, Argelina, Americana, etc.) e ocorreu lentamente uma distinção entre formas tradicionais e contemporâneas. Enquanto algumas dançarinas apenas estudam uma forma de dança, outros estudam muitas. Algumas vão livremente fundir seu repertório com outras formas de dança, outras aderem a conceitos rígidos de pureza e essência, como também haverão aquelas que encontram-se continuamente oscilando entre os dois extremos: tradição conservadora e fusão dinâmica.



Nos eventos internacionais que participo ouço as dançarinas se intitularem como “bellydancers” para evitar qualquer discordância por conta de rótulos. É gostoso de ver esta evolução! Me alimenta observar como os processos de transformação e transgressão social continuam/continuarão a produzir diferentes estéticas de dança do ventre e o quão bacana foi o surgimento do tribal a partir de sua plural genealogia.Unir danças de culturas de todo o mundo nos mostra as nossas diferentes corporeidades e maneiras de expressar ideias e sentimentos. Nos faz compreender melhor a riqueza da expressividade humana, as similaridades e divergências de como através do corpo em movimento nos comunicamos. Nas fusões, deixamos emergir interseções, elos, caminhos, trânsitos e ligações entre as distintas formas de mover. Culminam na busca para encontrar no corpo espaços compartilhados entre as múltiplas referências que o constituem. É uma dança que procura um espírito feminino mais unificado. Palavras como dança folclórica, da terra, raiz e tribal são utilizadas como significantes de exotismo e antiguidade para conceitualizar a dança como um pastiche moderno (técnica utilizada na literatura e em outras artes, constituída por abertamente imitar diferentes estilos e artistas), que combina dança, música, e estética das culturas ao longo da Rota da Seda, do Mediterrâneo, e do “cruzamento“ com os Estados Unidos. Com a fusão de dança do ventre não existem regras. A dança não é rígida ou dogmática. É sobre ser inovador e criativo, realizando uma miscelânea de todas as diferentes culturas que você ama. Está em sincronia com a consciência das mulheres urbanas jovens de hoje.

BLOG: Apesar de estar cada vez mais se consolidando e ganhando força, a dança tribal ainda é recente no universo da Dança no país. Como a dança tribal está ganhando espaço na cena acadêmica? E o quê você considera importante ainda ser trabalhado no âmbito acadêmico para a dança ser mais valoriza e reconhecida?
A dança do ventre tribal ainda é algo desconhecido para a maioria dos brasileiros. Existem estados que não possuem se quer um professor do estilo e uma pequena parcela dos dançarinos consegue ter acesso as informações através da internet. Creio que pensar em eventos de maneira acessível com inscrições baratas ou gratuitas fortalecendo as capitais e desbravando o interior do pais como também a valorização dos artistas nacionais e latinos sejam formas de ampliar a comunidade brasileira. Eventos de longa duração ao invés de pontuais podem também colaborar para o desenvolvimento de profissionais mais capacitados. Penso também que a formação em universidades de dança de nível técnico e/ou superior deveria ser uma prioridade. Hoje já podemos contar com algumas pesquisas acadêmicas quem têm o tribal como objeto de estudo nas mais diferentes abordagens, mas ainda precisamos de mais pesquisadores, mais perspectivas, mais produção textual formal com aporte crítico sob orientação de mestres e/ou doutores em dança.


BLOG: Você considera a dança tribal uma dança étnica contemporânea? Por quê? 
Sim. Em ambientes onde a dança do ventre tribal não é largamente conhecida (como na universidades) eu prefiro usar esta terminologia, pois ela é bastante objetiva. O termo “tribal” dá margem a significados distintos e muitos não condizem com o tipo de dança que pretendemos falar. Dança étnica de fusão contemporânea promove a compreensão de processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais. "Transnacional" é um termo proposto pela dançarina e mestre em Belas Artes Donna Mejia (EUA). Ambos aproximam-se do conceito de “entre-lugares” de Homi K Bhabha (Índia), um dos críticos culturais mais conhecidos mundialmente.

BLOG: Em sua opinião, o quê é tribal fusion?


A dança tribal tem um sistema de códigos específicos baseados em matrizes da dança do ventre, indiana, flamenca e danças do hiphop (popping, locking, ticking, strobe, etc.). Por ser uma dança híbrida, nós, artistas e agentes criadores, temos a possibilidade de expressá-la com perspectivas tradicionalistas (ATS®, ITS) – que prezam pela manutenção de uma forma/estética, um sistema de códigos – e com perspectivas contemporâneas (Fusões, performances inspiradas na linguagem) – que se propõe a uma desestabilização do sistema em função da adesão de novos códigos e possibilidade de complexificação através novas pesquisas de movimento por experimentação combinatória. O Tribal Fusion está no “intermezzo”dessas duas perspectivas, se apropriando de ambas. Para identificar algo como tribal, é preciso haver um entendimento de mistura entre basicamente as 4 matrizes que citei logo no início. O modo de organizar estas 4 linguagens é bem particular, porém deve ser afastada a ideia de sobreposição ou somatização de linguagens, pois de fato se trata de uma imbricação de signos.Dentro do Tribal Fusion dançarinas expressam o seu comportamento social e seus desejos individuais combinando vários elementos para criar diversas interpretações do estilo. Em outras palavras, as dançarinas equilibram a estrutura geral da dança com a sua própria textura individual. Enquanto esta fusão pode causar tensão entre dançarinos com diferentes noções sobre o papel da dança do ventre tribal, estudos antropológicos sugerem que este desvio brincalhão da norma pode ser usado para introduzir flexibilidade nas estruturas sociais de forma rígida. O que é aceitável no moderno estilo Tribal Fusion é a fluidez, a capacidade relacional e a dinâmica em contraste com a fixidez do repertório tradicional que tende a ser mais estático em termos de movimentos,figurino aceitável, música e comportamento. Enquanto a tradição estabelece estratégias para a construção de autoridade, a contemporaneidade emerge por meio de reivindicações de criatividade individual, inovação, resistência e distanciamento. Dançarinos de Fusão, por outro lado, tendem a desafiar suas propostas intencionalmente através da introdução de novos elementos, justapondo o novo com o velho, a fim de destacar as lacunas intertextuais, numa espécie de cismogênese (crescimento por meio de conflitos e divergências).O Tribal Fusion é muitas vezes descrito como uma arte cultural digna de preservação (mais comum entre as praticantes do ATS®), enquanto outros estão mais inclinados para descrever a dança como uma arte individual, aberta a diferentes graus criativos de re-moldagem. Eu, particularmente, me identifico mais com a segunda perspectiva.

Joline e Zoe Jakes
BLOG: O quê você mais gosta no tribal fusion?
Diversidade!

BLOG: Como você descreveria seu estilo?
Dançarina étnica de fusão contemporânea.

BLOG: Como você se expressa na dança?
Expondo minhas ideias, minhas criações e meus desejos para o futuro da comunidade tribal.

BLOG: Sobre sua carreira, qual/quais seu momento tribal favorito ou inesquecível? 
Quando recebi um abraço da Zoe após a minha primeira apresentação no Tribal Massive. Ela perguntou meu nome e falou muito sobre o meu solo. Sem dúvidas um momento inesquecível que me deixou muito emocionada após aquele abraço.

BLOG: Quais seus projetos para 2016? E mais futuramente?
Pretendo abrir meu próprio espaço de dança neste ou no próximo ano. Estou aguardando estes tempos de crise passar para poder investir com segurança. Continuarei escrevendo projetos para os editais de cultura para continuar viajando e promovendo eventos que visem a acessibilidade do público. Vamos torcer para que haja mais respeito e valorização com os agentes da cultura do país, principalmente neste momento de crise política e econômica. Me entristece ver o quão desonestos nossos governantes são com a cultura e todas as minorias (gênero, classe, raça, etc.).

BLOG: Improvisar ou coreografar?E por quê?
Coreografar. Tenho utilizado a improvisação como ferramenta para a criação coreográfica. Experimento diversos movimentos/linguagens/estados de corpo até compor algumas células. Me sinto mais confortável em apresentar algo que pensei cuidadosamente em cada segundo, mas este é o meu modo de operar. Cada um sabe qual o melhor e mais seguro caminho para si até levar um trabalho para o público.

BLOG:  Você trabalha somente com dança? 
Com dança e alguns trabalhos pontuais no cinema: longa metragem Pinta (2013) como atriz e TROPYKAOS (2015) como produtora de elenco.

BLOG: Deixe um recado para os leitores do blog.
Dancem a vida em sua plena liberdade!



Contato
Tel/cel:(71)98796-3669
E-mail: 
joline_teixeira@hotmail.com













[Retalhos de uma História] Samia Gamal

por Ju Najlah




Zainab Ibrahim Mahfuz (Samia Gamal) nasceu 1924 em Wana, uma pequena cidade egípcia. Logo após seu nascimento a família se mudou para o Cairo. Anos depois conheceu Badia Masabni (fundadora da dança oriental moderna) e sua vida tomou outro rumo. Badia a convidou para integrar sua companhia de dança e a trabalhar em seu cassino e deu o seu nome artístico. O convite foi aceito.

Samia é considerada uma das melhores dançarinas de Raks Sharqi, junto a Tahyeah Karyoka, com quem trabalhou e estudou no Casino da Badia. Fez-se a mais expressiva dançarina e levou a dança a um estado mais respeitável. Depois de um tempo tornou-se uma solista respeitada, criando seu próprio estilo, um pouco mais solto. Ela logo incorporou outros elementos como o balé clássico e dança latino-americana em seu solo performático.

Samia Gamal começou a dançar com o véu quando instruída por Ivanova, sua professora de dança clássica a usá-lo para melhorar os movimentos de seu braço e foi responsável por tornar popular o uso desse instrumento. Ela também foi a primeira bailarina desempenhar sua performance de sapatos de salto alto.

Em 1949,  o rei egípcio Farouk proclamou Samia Gamal “ A Bailarina Nacional do Egito”.

Samia estrelou muitos filmes, como "Ahebbek Enta" (É você que eu adoro) de Ahmad Badrakha (1949), "She-devil", "Mat Oulch 'Lehad" (Diga-a para ninguém) (1952), "Un verre et une cigarro" (1955), "Vale dos Reis" (1954), "Ali Baba et les quarante voleurs" (Ali Baba e os 40 ladrões) do diretor francês Jacques Becker com o francês Fernandel também dirigido e produzido em 1954 e "Houwa oua al Nessaa" de 1966.

Parou de dançar em 1972 quando estava perto dos 50 anos, mas recomeçou depois, por sugestão de um amigo, Samir Sabri. Ela tinha 60 anos e ainda se apresentava em nightclubs parando completamente em 1984. As pessoas eram maldosas com ela em cena e soltavam comentários ferinos enquanto ela se apresentava, mas nada detinha aquela mulher. Tentavam atingi-la em sua auto-estima e ela continuava dançando. Ela dizia: "Dança, dança, nada além da dança. Eu dançarei até morrer!"Samia Gamal faleceu no dia primeiro de Dezembro de 1994, no Hospital Mirs no Cairo, aos 70 anos.

Responsável por levar a Dança do Ventre para Hollywood e Europa, é elogiada e lembrada por seu estilo charmoso e sedutor ao dançar, pela expressividade de seus olhos, bem como pelo quadril leve e solto. Até hoje ela permanece sendo uma das grandes inovadoras de dança do ventre.



Curiosidade: A dançarina Samia Gamal declarou que ela se move mais para a direção da dança ocidental do que a dança oriental nos seus filmes porque "Não há mais alterações em dança oriental. A mesma dança oriental se repete em todos os filmes, mas dança ocidental tem sempre uma grande quantidade de mudança e criatividade".

Vídeos:









Fontes:



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