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[Folclore em Foco] A influência do folclore árabe na formação do Estilo Tribal - Parte 3: Ghawazee

por Nadja El Balady


Ghawazee” é plural da palavra “Ghazya” que significa originalmente “invasores”, posteriormente ganhando o significado “dançarinas” dentro do dialeto árabe egípcio, segundo inúmeras fontes. Segundo Mirian Peretz, no artigo “Dances of the “Roma” Gypsy Trail From Rajastan to Spain: The Egyptian Ghawazi Dance”, a origem da palavra designa grupamento de pessoas no Egito de origem das etnias Nawar, Halab e Bahlawan. Peretz dá destaque aos nawari que seriam um povo originário do Curdistão, tendo imigrado pelo oriente médio até o norte da África. Existem controvérsias entre os pesquisadores a respeito se seriam ou não considerados etnias ciganas. Como bem coloca o Dr. G.A. Williams em seu artigo “Dom of the Middle East: An Overview”, frequentemente se usa a palavra “cigano” para designar um estilo de vida comum de grupamentos étnicos que podem ou não ter uma origem comum comprovada. Dentro deste ponto de vista, estes clãs que imigraram para o Egito pertencentes a estas etnias seriam considerados ciganos por muitos de pesquisadores.

Os clãs de ciganos passaram séculos se deslocando e comercializando com outros povos nômades como Beduínos e Berberes. Desde a diáspora cigana, imagina-se que as tribos que desceram pelo Oriente Médio transitaram por alguns séculos até atingir o norte da África e por ali ainda se dividiram por diferentes regiões, como Egito, Argélia, Tunísia e Marrocos. Estes que imigraram para o Egito se estabeleceram em algumas regiões do território do país, principalmente na região delta do rio Nilo, no sul (região conhecida como alto Egito ou Said) e no próprio Cairo.


É de conhecimento público que para estes povos um meio de vida é também uma antiga tradição: A música e a dança. Se adaptando aos costumes locais onde vão, costumavam a se apresentar nas praças, em mercados, em casamentos e outras festividades familiares.

Tendo se tornado muito populares há alguns séculos, segundo o professor Khaled Eman, as vestimentas Ghawazee poderiam ser consideradas sinônimo de luxo pelo uso de jóias, moedas e metais em suas vestes que, segundo ele, seria a melhor maneira de carregar os próprios pertences.

Não se sabe bem se as Ghawazee levaram consigo para o Egito sua corporeidade típica ou se ao chegar ao Egito ali já encontraram as movimentações sinuosas e somando estas à sua própria maneira de dançar, criaram algo novo. Encontramos no texto de Edwina Nearing a opinião de Mulouk, que esteve em contato direto com algumas famílias desta etnia: Segundo a autora, os Nawar etnicamente são ciganos, ainda falam a língua Nawari, e em sua opinião "Se, através de sua jornada no Egito, um país de língua árabe, estes grupos preservaram algo de suas línguas nativas, eles devem também ter preservado algo de seu estilo nativo de dança.” (Mulouk apud Nearing)


O fato é que a dança das Ghawazee pode ser considerada o estilo originário da dança do ventre como a conhecemos, pois estas foram as primeiras bailarinas profissionais do povo egípcio. Suas apresentações em praça pública foram objeto das primeiras cartas dos soldados franceses a seus superiores durante a ocupação francesa em solo egípcio em 1798. Foram diversas vezes descritas como lascivas e obscenas para os olhos dos ocidentais cristãos. Segundo Claudia Cenci em seu livro “A dança da libertação” (2001), as descrições sobre o Egito feitas por estudantes e pesquisadores franceses “despertou um enorme interesse sobre o Oriente, dando início a era Orientalista que influenciou a produção artística ocidental dos séculos seguintes”.

No século XIX, o rei Mohammed Ali expulsou muitas famílias Ghawazee e proibiu suas apresentações no Cairo e em Alexandria. Mediante a proibição, os artistas sediados nestas cidades precisaram se mudar. Encontramos o seguinte trecho no livro “Folclore Árabe – Cultura, arte e dança” de Melinda James e Luciana Midlej: “Alguns grupos foram para o alto Egito, para Aswan, Luxor, Qena, Edfu e Esna, e outros foram para um local no centro da região felahi chamado Soumboti.”


A maioria imigrou para o sul, para a região do alto Egito, ou Said. Assim como a família Maazin, há muito estabelecida no sul. "Banat Maazin" - As filhas de Maazin - São ainda muito conhecidas por suas apresentações de música e dança típicas da região Said. Este grupo ficou muito famoso e internacionalmente conhecido, tendo feito participações em filmes e grandes festivais de cultura. Nos dias de hoje, são as mais conhecidas e ainda é possível contato com Khairiyya Maazin, descrita por Melinda James como “a última Ghawazee”, que ainda dá aulas de dança para dançarinas pesquisadoras em sua casa em Luxor.

A região do delta do rio Nilo conhecida como Soumboti abrigou (e talvez ainda abrigue) um clã de famílias ciganas. Música, ritmo, dança soumboti, se conectam com a expressão Ghawazee e segundo Melinda James e Luciana Midlej seu estilo sofre grande influência beduína, da cultura felahi caipira, do Cairo e de Alexandria, sendo uma dança ousada, enérgica e sensual.


À primeira vista a dança das Ghawazee pode ser considerada como que “sem acabamento”, por se tratar de uma dança popular genuína. Podemos listar alguns movimentos típicos conhecidos pela dança do ventre com twist, as batidas laterais de quadril, contrações pélvicas, shimmies de ombro, o shimmie conhecido pelas americanas como shimmie de ¾ e básico egípcio.


Faz parte do estilo o uso predominante dos snujs durante as apresentações e no caso de uma representação das Ghawazee do alto Egito, o uso de bastão ou bengala é opcional. Desde o século XIX encontramos diversos registros de vestimentas típicas: Grandes batas, saias longas, bolerinhos ou cholis, saias de babado na altura dos joelhos, calças bufantes. A Ghawazee moderna usa sempre galabia, que pode ser de asuit, bordada com pastilhas, paetês ou muitas franjas. A Ghawazee sempre usa muitos adornos como colares, brincos e pulseiras e sempre adornos na cabeça que pode ser uma tiara grande bordada, um lenço de moedas ou bordado com vidrilhos. O colar com as luas crescentes invertidas é uma marca dos adornos Ghawazee.



A dança Ghawazee e o Estilo Tribal Americano de Dança do Ventre

Little Egypt 
Os artigos que contam a história da dança do ventre nos Estados Unidos contam que a primeira apresentação se deu em 1893 na World’s Columbian Exposition em Chicago, uma feira organizada para a comemoração de 400 anos da chegada de Colombo à América e que contava com exibições culturais internacionais. Havia nesta feira uma área chamada “Streets of Cairo” onde aconteceram apresentações de dança de um grupo que seria de origem Ghawazee. Segundo Michelle Harper, o grupo foi levado para Chicago pelo empresário Sol Bloom, que teria visto a apresentação do grupo em 1889 em Paris na Paris Exposition Universelle. A partir do evento em Chicago, onde a sociedade americana ficou chocada com as apresentações, muitas dançarinas passaram a se apresentar pelos Estados Unidos usando o nome artístico “Little Egypt” dando origem ao “estilo cabaré americano de dança do ventre”.

Jamila Salimpour
É possível dizer que já no chamado “estilo pré-tribal” da dança do ventre de Jamila Salimpour, em seu grupo Bal Anat na década de 70, podemos encontrar muitas influências da dança e da música Ghawazee. Desde o uso massivo dos snujs, dos elementos usados para os figurinos até a formação do vocabulário técnico do estilo de Jamila com muitos movimentos de origem Ghawazee. É importante entender aqui que o estilo criado por Jamila Salimpour influenciou fortemente o American Tribal Style®. Podemos citar alguns movimentos muito marcantes da técnica de ATS® que tiveram influência direta do estilo Bal Anat e que têm na dança Ghawazee a sua origem: Shimmie Step, Egyptian Basic, Shoulder Shimmie, Reach and Sit, Doble back, Layback, Arabic, Circle Step, Body Wave, Taxeem e claro: Ghawazy Shimmie Combo, criado posteriormente. Diversos destes movimentos fazem parte também do vocabulário gestual de outras danças de etnias do norte da África como beduínos e berberes e foram largamente usados por Jamila Salimpour em suas coreografias. Este vocabulário técnico se tornou a marca da dança do ventre californiana que deu origem ao ATS®. Carolena Nericcio, criadora do estilo, trabalhou em cima destes movimentos ao longo dos anos incluindo movimentações de braço específicas, acrescentando a postura flamenca e criando novas combinações de movimento exclusivas para o ATS®, modificando o caráter popular dos movimentos. As músicas típicas Ghawazee também são bastante apreciadas para performances de ATS®.


Apesar da clara influência da movimentação no vocabulário de tribal, onde mais se percebe a presença da dança Ghawazee é na tradição do improviso. O American Tribal Style® é um estilo de dança criado para o desenvolvimento da chamada coreografia improvisada ou improvisação coordenada. A dança das Banat Maazin, por exemplo, era sempre dançada em grupo, como no ATS®. Uma das dançarinas tomava uma posição de liderança e as outras a seguiam, sendo esta liderança compartilhada com outra dançarina, como no ATS®. Assim como o vocabulário técnico, a formação do grupo e posicionamento das dançarinas foi modificado e estilizado sempre pensando no aspecto cênico da performance artística, na estética apresentada ao público.

Fat Chance Belly Dance
Acredito que apesar das estilizações, o Estilo Tribal carrega consigo algo universal, que é marca da dança Ghawazee e que faz com que esta tradição sobreviva por tantos séculos: A alegria da dança coletiva e espontânea. A beleza da diversidade, a sensualidade natural da mulher que é livre para se expressar através de seu corpo e de sua arte.



Fontes:

HARPER, Michelle “Hoochie Coochie: The Lure of the Forbidden Belly Dance in Victorian America” publicado no site https://www.readex.com

CENCI, Claudia “A dança da libertação”, Vitória Régia, São Paulo, 2001.

MIDLEJ, Luciana ; JAMES, Melinda “Folclore Árabe cultura, arte dança”, Kaleidoscópio de Ideias, São Paulo, 2017.

NEARING, Edwina, “The Gawazee Tradition”, publicado no site www.gawazee.com

WILLIMAS, A. “Dom of the Middle East: An Overview” publicado no site http://www.domresearchcenter.com

PERETZ, Miriam “Dances of the “Roma” Gypsy Trail From Rajastan to Spain: The Egyptian "Ghawazi" Dance” publicado no site http://www.domresearchcenter.com

MOHAMED, Shokry” La danza mágica del vientre”, Mandala Ediciones, Madrid 1995.

ALMEIDA, Isabela “Dança do Ventre: Transformações através do tempo”, Univercidade, Rio de Janeiro, 2009.



[Folclore em Dia] Ouled Nail

por Nadja El Balady



Este texto foi baseado nos artigos “The Ouled Nail” de Maggie Mcneil e “Dancing for Dowries part 2 – Earning Power, Ethnology and happily ever after” de Andrea Deagon.

No sul da Argélia, nas montanhas do Atlas, desde tempos imemoriais até hoje em dia (ainda) encontramos diversas tribos berberes vivendo e, de acordo com o possível, mantendo suas tradições. Estas tribos, islamizadas entre os séculos VII e VIII, têm seus nomes antecedidos pela palavra “ouled”, que funciona como um tipo de designação: Ouled Abdi; Ouled Daoud; Ouled Nail. Suas tradições se tornaram, a partir da década de 60, objeto de estudo das dançarinas de dança oriental no ocidente, sobre tudo das norte-americanas, que passaram a usar elementos desta etnia como inspiração para suas criações em dança.


Dentre as tribos citadas, Ouled Nail (leia-se: "wil-ed na-il") ganharam maior atenção por conta das características memoráveis das suas tradições femininas. Diversos pesquisadores ocidentais se interessaram pelo tema e em comum encontraram a informação de que as mulheres desta tribo, chamadas Nailiyat (singular Nailiya), costumavam se dedicar à dança e às artes eróticas durante um determinado período de sua vida. Segundo Maggie Macneil, as meninas nailiyat não eram forçadas a exercer esta atividade, possuíam poder de escolha e ainda assim muitas delas optavam por este caminho. 

A partir dos 12 anos, as meninas eram ensinadas por mulheres mais velhas da família (que poderia ser a mãe, uma avó, uma irmã mais velha, uma prima ou uma tia) e eram levadas para as cidades abaixo das montanhas para viver durante uma parte do ano e a trabalhar como dançarinas e prostitutas. Estas mulheres mais velhas eram responsáveis pelo bem estar da menina, cuidavam da casa e ajudavam a administrar os negócios. Esta era uma tradição que objetivava acumular dinheiro e joias de modo que, ao retornar definitivamente para suas vilas de origem, esta menina, já tornada mulher, pudesse ter independência financeira, pudesse comprar uma casa própria, investir em um negócio e, se quisesse, procurar casamento. Ao se casarem, tomavam uma vida comum, em um casamento fiel, como se espera de toda mulher casada.


Ninguém sabe dizer ao certo o período de origem desta tradição, mas é provável que seja muita antiga, anterior ao Islã, pois foram encontrados registros da presença das nailiyat na ocasião da chegada dos árabes na cidade de Bou Saâda no século VII. Bou Saâda (que significa “Lugar da Alegria”) era um dos principais destinos das nailiyat para sua morada temporária e comunidades inteiras compostas apenas por mulheres eram encontradas por lá. 

Nestas comunidades, segundo Andrea Deagon, os homens eram admitidos temporariamente como amigos, aliados, admiradores, parceiros de negócios ou parceiros sexuais, mas nunca em caráter definitivo. Algumas mulheres não chegavam a voltar para sua vila natal, preferindo a vida na cidade, abriam negócios, ou se casavam com estrangeiros.


Segundo Marnia Lazreg (1994), as mulheres das tribos Ouled Abdi e Ouled Daoud, conhecidas como Azriyat, também tomavam as profissões de dançarinas e prostitutas, mas somente quando eram órfãs, se tornavam viúvas, divorciadas, repudiadas, incapazes de se casar por algum motivo. Exerciam estas atividades até que conseguissem casar ou permaneciam sós.

É possível que a tribo Ouled Nail, tanto mulheres quanto homens, cultivassem conceitos diferenciados a respeito de sexo, casamento e amor. Encontramos no texto de Maggie Macneil uma passagem retirada do livro “Flute of Sand” (1956) de Lawrece Morgan que nos dá uma pista a respeito. Trata-se de depoimento de um homem da tribo sobre o casamento com uma mulher que tivesse seguido a tradição: 

 “Nossas esposas, sabendo o que é o amor, e sendo proprietárias de sua própria riqueza, vão casar apenas com o homem a quem amarem.  E, diferentes das esposas de outros homens, vão permanecer fiéis até a morte, graças a Allah.” 


Alguns pesquisadores adotam a linha de pensamento que as nailiyat dançavam para acumular dote, que o dinheiro arrecadado servia para atrair bons partidos. Esta ideia se tornou popular entre algumas dançarinas norte-americanas, ignorando sua prostituição e menosprezando sua independência financeira. É possível que esta interpretação seja fruto direto do machismo vigente no pensamento ocidental e tem origem na interpretação de observadores franceses que desde a ocupação francesa na Argélia, em 1830, que consideravam a tradição das nailiyat como uma espécie de rito de passagem antes do casamento. Andrea Deagon aponta para a importância de não diminuir, ou omitir, a atividade de prostituição destas mulheres, pois era um aspecto de uma cultura complexa onde as mulheres eram sexualmente livres e independente financeiramente.

Segundo Maggie Macneil, o contato com a cultura europeia, a partir da ocupação francesa, ao mesmo tempo em que as fizeram famosas, se tornando objeto de pinturas de artistas do período orientalista, trouxe a estas mulheres grandes transformações. Ainda na virada do século XIX para o século XX, mercenários franceses matavam as mulheres para roubar seu dinheiro e suas joias. Oficiais franceses passaram a sobretaxar as viagens e a residência em outras cidades que não suas vilas de origem. Durante a primeira guerra mundial, foram coagidas a trabalhar em cafés e casas específicas onde eram exploradas por homens. Algumas aderiram aos bordéis móveis de campanha, usados pelo exército francês até 1954 e pela legião estrangeira até a década de 90. 


No final da segunda guerra mundial, a vida de todo o povo berbere argelino mudou muito, pois o governo autoritário da época os obrigou a trabalhar nos campos da agricultura estatal.

Na década de 70, a dançarina norte-americana Aisha Ali encontrou um pequeno grupo de mulheres ainda vivendo e dançando em Bou Saâda. Sua pesquisa nos deixou registro muito importante do modo como se vestiam e movimentavam. A estética de movimento e figuro influenciou diretamente Jamila Salimpour e seu trabalho no grupo Bal Anat e como consequência, todo o Estilo Tribal de Dança do Ventre.

Seu modo de dançar, apesar de cobertas dos pés à cabeça, era considerado lascivo e escandaloso pelos estrangeiros. Muitos movimentos de encaixe pélvico e redondos, shimmies de ombro, lateralização de cabeça, movimentos de mão, cambrés, giros e o uso ocasional de lenços em ambas as mãos.

Vídeos de referência:








[Retalhos de uma História] Nadia Gamal

por Ju Najlah


Há algumas versões diferentes sobre a origem de Nadia Gamal. Alguns dizem que ela é libanesa, mas morou no Egito. E outros dizem que ela é egípcia, mas logo mudou-se para o Líbano.

Segundo pesquisas de Lívia Jacob, do site Arabesc, Nádia Gamal nasceu no Egito, mais precisamente em Alexandria, na década de 1930. Filha de mãe italiana e pai grego, seu nome de batismo era Maria Carydias. Ela cresceu no meio artístico, pois sua mãe era bailarina e atriz, e apresentava um número no Casino Opera no Cairo, que pertencia à Badia Massabni. Quando pequena, Nadia já se apresentava com a mãe, como atriz, no Casino Chatby em Alexandria, quando era conhecida como Carry Days, e mais tarde como dançarina, fazendo números de danças europeias no Casino Opera. Além disso, como na época era proibido o trabalho de menores de 13 anos no Egito, suas participações em festas e casamentos eram consideradas informais.

Foi no Casino Opera, de Badia Massabni, que sua carreira como bailarina oriental realmente começou. Seu estilo era único, pois era treinada em balé, dança moderna, piano, jazz e sapateado. Diz uma lenda que sua primeira apresentação na dança oriental (seu pai a proibia de dançar em público por conta da sua idade) foi aos 14 anos, quando uma das bailarinas do casino da Badia ficou doente e não pôde se apresentar, sendo substituída por Nadia.

Mas Nadia também era muito estudiosa, falava 7 línguas diferentes e gostava de pesquisar a origem da dança do ventre. Sua grande missão era lutar contra a vulgarização dessa arte. Ela costumava enfatizar: "A Dança Oriental é uma arte, essa dança é a mais antiga da nossa civilização. Eu viajo pelo mundo para mostrar que é uma dança refinada, artística, tradicional e cheia de beleza."

Viveu no Líbano por muitos anos e adotou o país dos cedros como sua pátria, a pátria que ela escolheu e que a coroou como a "primeira dama da dança do ventre". Pode ser vista como grande expoente do estilo libanês de Dança Oriental.

Fez sucesso principalmente nas décadas de 50 e 60 e foi a responsável pelo surgimento da primeira escola de Dança do Ventre em Beirute, Líbano.


Como bailarina, ela se orgulhava de ser a única a ser convidada a se apresentar no famoso festival libanês Baalback, na década de 1960, onde, apesar do preconceito contra a dança do ventre, ela foi aclamada por 4 mil espectadores e sua apresentação é considerada memorável até hoje. Seu reconhecimento como bailarina excepcional também veio quando ela se tornou a bailarina do palácio do Shah do Irã e também do Rei da Jordânia.

Ela participou de inúmeros filmes e shows, tanto como bailarina quanto como atriz, mas não existe um catálogo oficial deles, apesar de ser possível achar muitos no Youtube. Uma das coisas interessantes desses vídeos é que eles englobam quase toda a carreira da Nadia, então é possível observarmos a sua evolução como bailarina, desde novinha até quase a sua morte em 1990.

Em 1965, Nadia já começou a fazer sucesso fora do mundo árabe (ela viajaria o mundo inteiro como uma espécie de embaixadora da dança oriental). Se apresentou em inúmeros países, incluindo diversos lugares da Europa, Estados Unidos e Canadá. Ainda nesse ano, Nadia participou de produções libanesas, como o filme "Al Seba wa Al Jamal", no qual sua dança aparece numa cena bastante familiar.

Era uma bailarina muito expressiva, de grande dramaticidade e incrível interpretação musical, chegando a ser chamada de "Isadora Duncan da dança oriental". Diferente de outras bailarinas de sua época, chegou a apresentar coreografias modernas, de outros estilos de dança, com leves toques orientais.


Também era comum a Nadia utilizar elementos em cena para a construção de sua dança, além de interagir e brincar com outros atores. Uma marca dessa bailarina era o seu poderoso trabalho de quadril, com movimentos amplos, além de um trabalho de mão diferente do que normalmente é visto. Teve uma longa parceria com o derbakista Setrak. Dançou e ministrou aulas nos Estados Unidos, Canadá e Europa.

Randall Grass escreveu sobre Nadia: “(...) uma grande bailarina é uma musicista cujo instrumento é o seu próprio corpo. Nadia Gamal realmente era um "great spirit" (grande espírito), tanto quanto um grande músico, uma artista que inspirava admiração naqueles que a assistiam. Contudo, ela é pouco conhecida fora do Oriente Médio e dos círculos de Dança Oriental, uma injustiça que eu senti que precisava ser corrigida."

Nadia foi casada 3 vezes, mas nunca teve filhos. Veio a falecer em 1990 de câncer de mama com muito sofrimento.

Fontes: 




[Retalhos de uma História] Nagwa Fouad

por Ju Najlah


Nascida em 1942, foi a bailarina mais famosa na 2ª metade deste século. Seu começo artístico foi como secretária em uma empresa de organizações de festas e daí passou para o teatro e dança. Afastada de sua casa em Alexandria, sonhava em dançar no Cairo. Participou de muitos filmes com um êxito sem precedentes. Sua fama ultrapassou o mundo árabe e passou a representar o Egito em muitos festivais turísticos.

Sua primeira aparição no cinema foi uma pequena participação em “Shari Al-Hob” (Rua do Amor), estrelando Abdel-Halim Hafez. Um papel importante foi em “Malak wa Shaytan” (Anjo e Diabo). “Eu fiz treinos para melhorar a voz para esse filme e aprendi sobre como atuar melhor.” Desde então Fouad atuou em mais de 100 filmes e dançou em mais de 250. Nagwa montou um grupo com 12 dançarinos e 35 músicos e cantores, um coreógrafo e um estilista. “Isso foi uma espécie de teatro móvel em pequena escala. Nós visitamos todo o país levando nossas performances.” Seu grupo de dança reconheceu diversos elementos de origem folclórica tanto egípcios quanto de outros países árabes.

Fouad sempre testava os limites da sua arte, procurando produzir e apresentar grandes espetáculos. Foi a pioneira em incorporar elementos originais e sofisticados, dando a Dança Oriental um teor muito mais adaptável ao mundo Ocidental. Desta forma, viajou inúmeras vezes para a Europa, América do Norte e Ásia, onde participou dos grandes festivais. Nos Estados Unidos realizou várias apresentações dedicadas especialmente aos habitantes de origem árabe e fundou uma escola de dança oriental em Nova Iorque. Uma de suas mais bem lembradas performances se chamava "Thunder". As palavras que ela utilizava para descrever seus shows eram “renovação, desenvolvimento, glória e distinção”.

Nagwa Fouad lutou para que a Dança do Ventre fosse ressignificada como uma dança digna de respeito. No mundo, muitos enfatizaram a má reputação da profissão de dançarina, mas Nagwa insistiu na importância da dança. “Você pode sentir o perfume do Oriente e experienciar uma das 1001 noites.”

Em 1976, o compositor Mohammad Abdel Wahab escreveu uma música especialmente para ela, de nome "Arba'tashar". Nesta dança, Nagwa diz ter podido combinar a dramaticidade de Tahía Carioca e as acrobacias de Naima Akef. Este foi seu primeiro grande sucesso responsável por seu reconhecimento. Após ele, foi obrigada a criar novas coreografias a cada três meses. Nagwa com seus movimentos de braços e sinuosidades do quadril reserva sempre um momento do show especial para a Camanja (violino).

Foi também cantora e artista de cinema e teatro; e em 1922 quis interromper definitivamente sua carreira de dança, para consagrar-se no cinema, mas não conseguiu devido a inúmeros pedidos, alegando ser insubstituível. Cativou numerosos políticos, entre eles o estadista Richard Nixon, o egípcio Anwar el Sadat e também o presidente Carter e Henry Kissinger.

Hoje em dia ela não vê razões para se aposentar. “Arte não tem ligação com idade ou nacionalidade… ela tem ligação com criação e presença e se o artista pode dar e aproveitar o momento, ele deve continuar fazendo a sua arte.”
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Fouad é a única dançarina de sua geração que continua dançando e dando workhsops mesmo na Europa.





Fontes:
Nagwa Fouad, disponível em http://www.belly-dance.org/nagua-fouad.html




Parte 1 - Dança do Ventre X Estilo Pré Tribal e as influências “folclóricas”

por Nadja El Balady

A Influência do Folclore Árabe na Formação do Estilo Tribal

Parte 1 - Dança do Ventre X Estilo Pré-Tribal e as influências “folclóricas”

Ao abordar este tema precisamos mergulhar na história da Dança do Ventre e sua evolução tanto no Egito quanto nos Estados Unidos. É preciso viajar no tempo. É preciso retornar à década de 70 e tentar, através dos escritos e de imagens, compreender o processo criativo de Jamila Salimpour e Macha Archer, duas grandes referências do período que vamos considerar “Pré-Tribal”. É preciso considerar a mentalidade das dançarinas da época e a cultura vigente na Califórnia da década de 70.

Samia Gamal - Golden Age Era
Perceber a diferença entre a Dança do Ventre popular/folclórica, advinda do deserto e a Dança do Ventre que evoluiu para o glamour urbano da tela do cinema e do show business é fundamental para entender a diferença entre os estilos da Dança do Ventre do século XXI.

A evolução da dança do ventre no Egito, desde o final do século XIX até hoje em dia, traz a transição da dança popular egípcia (tipicamente ghawazee e beduína) em uma dança cênica, fusionada e glamorosa. Uma dança totalmente voltada para entreter a sociedade urbana, consumidora de cinema, frequentadora da vida noturna, com gostos cada vez mais refinados e europeizados. Encontramos nos filmes antigos algumas referências à cultura rural no Egito, incluindo suas danças e músicas, mas geralmente estas já eram apresentadas de forma estilizada tanto em concepção musical, como em coreografia. Esta dança, que evoluiu para o estilo egípcio moderno, que possui grande mercado de show business e se espalhou mundo a fora no final do século XX, é a inspiradora do estilo cabaré americano, estre outros.

Ouled Nail
A Dança do Ventre base, de raiz é aquela ligada às danças populares e folclóricas de países do Norte da África e oriente Médio e são conectadas aos hábitos dos povos do deserto e têm origem milenar. Falamos dos povos nômades, de beduínos, berberes e ciganos. As ciganas ghawazee egípcias, mesmo tendo já há muitos séculos se estabelecido em cidades, têm no DNA da sua arte a estética desenvolvida ao longo das migrações pelo deserto e intercâmbio com estes outros povos. As movimentações femininas de povos da região do Magreb, como a dança das Ouled Nail[1], danças populares tunisianas e apresentações nos mercados populares são inspirações estéticas para o que vamos chamar de “dança do deserto”. Uma dança não “refinada” no sentido urbano da palavra, que usa elementos de seus povos, de suas vilas, de suas tradições mais antigas.


Jamila Salimpour era dançarina de dança do ventre do estilo chamado “Cabaré americano”. Vamos tentar entender o que é isso em poucas palavras.... As primeiras apresentações de dança do ventre, nos Estados Unidos, aconteceram no início do século XX. Em um ambiente estrangeiro, dificilmente a arte se mantém pura, especialmente se a ela for agregada o talento natural que os americanos têm para show business e comércio. A dança do ventre coube naturalmente nos espetáculos de cabaré e não demorou para que as americanas aprendessem a dançar e o show encontrasse um formato adequado para o gosto público local. Temos que o estilo “Cabaré Americano” evoluiu ao longo do século XX em um ambiente multiétnico (devido a inúmeras imigrações de povos do oriente), com mentalidade artística inovadora e voltada para o comércio com o público americano.

Nas décadas de 60 e 70, somamos a este cenário o ideal hippie, a mentalidade da era de aquário, através da qual uma parcela da população americana busca uma espiritualidade conectada à liberdade do corpo e de movimento. A transcendência através da meditação, da música e das artes. A revolução sexual feminina. Isto tudo se encaixa perfeitamente ao que a dança do ventre pode oferecer à mulher californiana.

Mediante a este contexto, retornamos à Jamila. Entre as décadas de 50 e 60 manteve contato com diversas dançarinas egípcias, turcas e armênias. Com elas aprendeu muito de seu vocabulário de movimentos. Ao se casar com Ardeshir Salimpour, pai de Suhaila, foi proibida por ele de se apresentar publicamente e foi quando começou a dar aulas. Sendo uma das primeiras professoras de dança do ventre nos Estados Unidos, Jamila compilou todo o seu conhecimento dos movimentos de diversas culturas e criou um mecanismo onde as americanas pudessem acessar a técnica da dança de forma racional, para que pudessem compreender e transformar em movimentos. Adaptou movimentos, estabeleceu padrões para os toques de snujs e criou terminologias, deu nome para os passos, muitos deles conhecidos por nós ainda hoje em dia como “oito maia” ou “hip drop”. Ela organizou os movimentos de acordo com as etnias de origem e é neste ponto em que finalmente chegamos ao objeto de observação deste artigo.



Segundo Shareen El Safy, no artigo “Shaping a Legacy: A New Generation in the Old Tradition”, as famílias de classificação de movimentos cridas por Jamila os dividia em “Tunisian,” “Algerian,” Moroccan” “Egyptian,” e “Arabic.”  Significa que a movimentação de quadril ensinada por Jamila possuía características étnicas baseadas em danças populares regionais, não só nas apresentações de espetáculo ou nas dançarinas do cinema da chamada “Golden Age of Egyptian BellyDance.”


Bal Anat
Esta influência se torna cada vez mais evidente à medida em que ela estrutura as apresentações do grupo “Bal Anat” na “The Renaissance Pleasure Faire”. Criado em 1968, o grupo Bal Anat combinava apresentações inspiradas no folclore tunisiano e magrebino com performances típicas de cabaré americano, com uso de acessórios como véu e espadas. A própria Jamila se encaixava nos shows sempre com lindos trajes folclóricos e maquiagens típicas das Ghawazee ou Ouled Nail. As bijuterias, os turbantes, os vestidos, toda uma estética de figurino e movimentação baseadas em etnias do norte da África, na região do Saara. A própria concepção cênica lembra as apresentações nos mercados populares de Marrakesh: Músicos em trajes folclóricos tocando ao vivo, dançarinas no palco formando um cenário vivo, o uso de acessórios folclóricos como cestas, jarros e mesmo serpentes. Estes elementos traziam às apresentações do grupo um aspecto exótico, muito valorizado na época. Com certeza, um grande diferencial no mercado de dança do ventre da época.


Bal Anat – Influências Tribais X Cabaré Americano



No grupo Bal Anat, analisando com cuidado, é possível perceber as duas influências, sendo, porém, tudo considerado “Belly dance”. Para nós é importante compreender que nenhuma delas, Jamila Salimpour, Macha Archer ou Carolena Nericcio, precursoras, ou mesmo criadoras, do que veio a se chamar Estilo Tribal, nenhuma delas deixou de considerar o próprio trabalho como Dança do Ventre. Dança do Ventre, para todos os efeitos, é de onde veio, e o que define a linha estética da formação do Estilo Tribal, mas esta dança do ventre tribal, a mãe de todas as outras “danças do ventre” as danças populares dos povos do deserto.



Danseuse des Ouled Nail (Algérie 1901)



Ainda sobre o Bal Anat e o trabalho de Jamila, vamos encontrar ali diversos elementos como vocabulário de movimentos, toques de snujs e padrões ainda utilizados como a base do Tribal. A maioria baseados em danças Ghawazee e Ouled Nail. Vale considerar que Ciganos, Beduínos e Berberes são povos divididos em diversas etnias, tribos e clãs, e que têm costumes e idiomas próprios. Embora, hoje em dia, sejam de maioria muçulmana, as tribos mantêm suas tradições da melhor maneira possível, apesar das inúmeras dificuldades de sobrevivência apresentadas nos dias de hoje. São considerados verdadeiramente tribais assim como seus costumes, suas músicas e danças.


Banat Mazin - Ghawazee



Segundo consta em diversos textos sobre a história do Tribal, Masha Archer foi aluna de Jamila Salimpour e criou o seu próprio grupo, que dirigiu por 15 anos: A San Francisco Classic Dance Troupe. Em sua trupe, Masha pôs em prática muito da estética Bal Anat para figurino e dança, trazendo, porém, alguns diferenciais. A percepção é a de que Masha derruba de vez algumas fronteiras culturais dentro da dança oriental e busca novos elementos em que se inspirar, como o Flamenco, agregando flores e xales, bem como uma postura bastante altiva para a dança. É dito pela própria Carolena que no trabalho da San Francisco Classic Dance Troupe já existiam conceitos como o de formação, de coro e feature” e que esta linha de trabalho foi levada por ela como base para as criações do grupo Fat Chance BellyDance® e que foi largamente ampliada e aprimorada ao longo do tempo de experimentações e que resultou na linguagem estética que hoje chamamos de American Tribal Style®.


Macha Archer e San Francisco Classic Dance Troupe



O Estilo Tribal de Dança do Ventre, por tanto, captura a estética de vestimenta e movimentação das danças do deserto e produz um estilo novo e adaptado ao gosto ocidental com referências étnicas diversas que se combinam de maneira inusitada com apelo exótico e artístico. Com raízes tanto em danças tribais ancestrais como no pensamento libertário da das décadas de 60 e 70, o Tribal traduz um desejo de retorno à uma comunidade imaginária, feminina, livre, feliz e que encontra na dança sua maior celebração e união. Isto tudo muito bem elaborado, estruturado, organizado e divulgado por Carolena Nericcio e suas seguidoras que souberam bem comercializar e difundir pelo mundo este trabalho que se desdobrou no Tribal Fusion e o mar de possibilidades estéticas contemporâneas que surgiram a partir de então.

 Fat Chance BellyDance®



[1] Ouled Nail é uma tribo Berbere da região do Magreb, nas montanhas do Atlas na Argélia. Sua tradição ainda é matriarcal e têm na dança sua maior fonte de renda.



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