[Corpo & Dança] Aquecimento: A Importância de ativar seu corpo antes de qualquer movimento.

por Jossani Fernandes 

Agora entraremos de fato em algumas variáveis importantes do treinamento físico que são que extrema relevância a presença em nossas aulas e treinos de dança. O primeiro, mais importante, indispensável e mais negligenciado é o AQUECIMENTO.


Qual a importância de se aquecer para dançar?

Um aquecimento ativo ou dinâmico consiste em movimentos de baixa intensidade que promovem o aumento da temperatura corporal, ou seja, nossos tecidos são aquecidos e o funcionamento de nosso organismo torna-se mais dinâmico, mobilizando assim, os músculos para a prática a ser realizada. Nesse sentido, o objetivo de nos aquecer antes de praticar qualquer exercício físico, como dançar, está em obter o aumento da temperatura corporal, dos nossos músculos e preparar nossos sistemas, tais como cardiovascular e pulmonar e até mesmo reduzir o risco de lesões.

 


 

Benefícios:


  • Aumento da temperatura corporal.

  • Aumento do metabolismo energético, maior demanda enérgica (gasto calórico, para quem almeja perda de gordura).

  • Aumento da elasticidade dos tecidos (ligamentos, tendões, músculos = menor risco de lesões).
  • Melhoria da função do Sistema Nervoso (importante para tarefas que demandam alta complexidade e reações rápidas, principalmente para a dança que demanda nossa atenção plena).

  • Aumento do recrutamento de fibras musculares.

  • Aumento do débito cardíaco fluxo sanguíneo periférico (Coração bombeia mais sangue, como consequência temos maior transporte de oxigênio para os grandes grupos musculares e assim maior energia para a pratica).

Muitas vezes, repetimos padrões que que foram construídos a anos. Nessa perspectiva, o que mais vejo em muitas salas de aula são aulas com o início baseado em um simples alongamento estático, ou nós bailarinas que antes de nos apresentarmos ou fazer nossas práticas diárias, vamos com o corpo sem preparação alguma ou apenas damos aquela “esticadinha” que já se basta.

 

Ainda falarei sobre alongamento, mas já deixarei algo aqui sobre. O alongamento estático (aquele realizado sem movimento), reduz a atividade neural, ou seja, induz o nosso corpo ao relaxamento, além de que se estiramos nossos músculos ao seu máximo antes da prática de exercícios físicos estaremos nos expondo a perda de performance, força e ao risco de lesões. Deixo claro aqui que não é proibido alongar antes, alongar estaticamente para aquecer o corpo é questionável e se for fazê-lo, não faça em uma intensidade moderada para evitar possíveis comprometimentos (falarei mais sobre em outra coluna)!

Por fim DICAAAS...

 Então o que fazer???

Existem vários tipos de aquecimento, lembrando que a intensidade sempre varia entre leve e moderada, com duração entre 3 a 10 minutos (Depende de como será a intensidade da aula do dia), o aquecimento é apenas para avisar o corpo sobre o exercício que estar por vir!


1) Aquecimento Geral: 

Exercícios básicos, com estímulos aeróbios e para grandes grupos musculares.

Ex: Vocês podem dar saltinhos na sala de aula, polichinelos, subir degraus, trotes, corridas e etc.

 


2) Aquecimento Específico:


Exercícios que simulam a técnica que será ensinada no dia, porém em menor intensidade.

Ex: Na aula hoje teremos “Egiptyan” e “Overshimmie” (então teremos shimmies ¾ no aquecimento e torção de tronco).

 



3) Aquecimento Dinâmico:


São exercícios de alongamento dinâmico, ou seja, alongar com movimento.

Ex:                                         


 

Dica De Ouro: Para as professoras o aquecimento é o cartão de visitas para as alunas e alunos participarem da aula, aqueçam todos e os motivem e aos bailarinos, façam o mesmo aqueçam, se motivem e dancem felizes com um corpo bem preparado!

Vejo você em breve...

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Corpo & Dança: Um olhar sob nosso Palácio Industrial


Jossani Fernandes (Belo Horizonte-MG)
 é professora e bailarina de danças orientais, profissional de educação física, atua na área como personal trainer e pesquisadora da área da flexibilidade, é apaixonada por anatomia e por tudo que diz respeito ao corpo humano e toda a sua complexidade.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Tribal Brasil] Relações entre Espiritualidade e Corpo Cênico no Tribal Brasil

por Kilma Farias

Solo "Es passos Entre Mundos" de Kilma Farias,
onde discutia essa ligação entre dança e espiritualidade.
Foto de Milena Medeiros


A proposta do Tribal Brasil na Cia Lunay, grupo que coordeno há 18 anos, é acolher as memórias e danças do estilo Tribal Fusion, assim como acolher as próprias memórias e as das danças populares e afrobrasileiras, buscando renovações no fazer da dança e ao mesmo tempo renovações em quem dança. Esse transformar-se para ter acesso a sua verdade é bem desenvolvido por Foucault ao refletir sobre o “cuidado de si”. Prática essa que tem estreita relação com a arte.

A intersecção entre o pensamento de Foucault e a reflexão artística é particularmente presente quando se trata de considerar a arte como campo que coloca em jogo as possibilidades de reinvenção do próprio artista, pretendendo assim contaminar ou convidar o público a compartilhar da sua experiência ou, para utilizar uma expressão do autor, a arte vista como um lugar em que se desencadeiam processos de subjetivação. (QUILICI, 2015, p. 151).

Os processos de subjetivação corroboram para a construção do sujeito “extemporâneo”, partindo da compreensão das redes de poder instauradas pelas instituições e construção da atual realidade sociopolítica, econômica e cultural, visando um olhar de ultrapassamento onde o sujeito, consciente do jogo, desenvolve modos de estar no mundo mais liberto.

Podemos pensar na ideia de um corpo como memória, sendo esse corpo um “organismo biológico talhado no tempo”. E pergunto: talhado por quem? Talhado pelas relações, dos diálogos que travamos com os corpos de outras bailarinas, e no plano das ideias mentais. Talhado ainda pelas influências que nos atravessam. Isso confere uma forma de perceber a dança como ação de transformação. 

Neste sentido, podemos pensar numa ideia de imaginário da dança como um mestre, um guia, como algo superior a si mesmo que nos transforma.

Solo "Es passos Entre Mundos" de Kilma Farias,
onde discutia essa ligação entre dança e espiritualidade.
Foto de Milena Medeiros

A transformação surge no próprio fazer da dança Tribal Brasil, dançando nossos femininos através de deusas, personificações de movimentos da natureza, Iabás, corporeidades femininas que utilizam a saia como o coco, o carimbó, o tambor de crioula, samba de caboclo, jongo, etc.

Seja de uma forma ou de outra, reconhece as lacunas, os espaços de silêncio gerados nessa dupla autobusca: enquanto sujeito que se transforma e enquanto artista que produz novas configurações na própria dança.               

O transformar traz uma condição de auto-observação, pois se assim não procedemos, podemos cair no profundo caos, seja como sujeito e/ou artista. Por isso, mais importante do que simplesmente transformar é estar atento para as qualidades dessas mudanças. Uma vez que a mudança é inevitável devido a estarmos imersos numa realidade de impermanência, precisamos estar atentos para identificá-la seja a passos lentos ou intempestivamente causando rupturas. Devemos estar atentos ainda para percebermos em que níveis essa mudança opera.

É necessário, portanto, considerar a qualidade das diferenças desencadeadas, o modo com que se ultrapassa a norma. Este me parece um critério importante quando se trata de cuidar de processos artísticos que pretendem investir radicalmente na desestabilização de modelos e referências. O artista tem que desenvolver modos de avaliar e lidar com os estados de corpo-mente – muitas vezes sutis – que ele pretende desencadear em si mesmo e no público (qualidades de consciência, de atenção, afetividade, energia, reflexão, etc.). (QUILICI, 2015, p. 160).

A dança também pode ser sinônimo de liberdade, pois através dela podemos nos deslocar para fora do tempo contemporâneo. A dança pode instaurar um outro tempo e um outro sujeito, o “extemporâneo”. Deslocada para fora de si e do seu tempo, podemos compreender corpo como experiência, deixando delinear-se uma espiritualidade do corpo. O ato de dançar é um modo de conectar-se com energia. Energia essa que depende de uma entrega, como um modo de sentir-se diluída num todo universal: libertação.

Outro ponto importante para que percebamos essas conexões entre espiritualidade e arte é o próprio viver e o fazer dança como caminho de evolução. E esse processo passa pelo cotidiano, por nossa percepção e relação com os outros e com o mundo.

Ao perceber a dança como uma forma de se conhecer em profundidade, trazemos questões como a da ascese, dentro do conflito entre as oposições e dualidades que carrega entre corpo e mente, por exemplo. Para pensar a ascese nos processos de arte, trago a reflexão de Quilici (2015, p. 177 e 178) sobre o conceito trabalhado por Yasuo Yuasa[1].

Percorrendo uma ampla gama de autores da filosofia ocidental (Bergson, Merleau-Ponty, Heidegger), da chamada “Escola de Kyoto” (Watsuji, Nishida), além da literatura e das práticas tradicionais budistas (especialmente do Zen, como em Dôgen), Yuasa demonstra as vinculações entre treinamentos existentes em artes marciais tradicionais japonesas e conceitos e técnicas encontrados nas práticas e formas de vida budista. A noção de shugyo, que pode ser traduzido como “cultivo”, expressaria justamente um modo de treinamento estruturado num ambiente monástico, mas que se irradiou para outros aspectos da cultura, inspirando práticas artísticas específicas. Nesse sentido, tal ideia nos permite pensar as vinculações entre a experiência estética e a questão da ascese. O tema não é estranho ao pensamento ocidental. Poderíamos fazer algumas aproximações entre shugyo e a noção de “cuidado de si”, estudada por Michel Foucault (2006) [...]. (QUILICI, 2015, p. 177 e 178).


Solo "Es passos Entre Mundos" de Kilma Farias,
onde discutia essa ligação entre dança e espiritualidade.
Foto de Milena Medeiros

Sem dúvida as noções de “cultivo” e “cuidado de si” aproximam-se, pois ambas irão se valer de práticas que corroborem com o aprimoramento pessoal e artístico do sujeito, constituindo-se como preceitos de “trabalhos colaborativos no tempo”. É preciso tempo para lapidar um pensamento de movimento que se instaura no corpo, tempo para “limpar a técnica”, tempo para amadurecer ideias, tempo para processar visões outras de mundo, tempo para se perceber e reagir às transformações internas e gradativas, em outras palavras: tempo para praticar-se.

E o terceiro assunto que trago enquanto espiritualidade que perpassa pelos estados de presença cênica é o pensamento da coletividade, da tribo, da humanidade enquanto corpo. E esse corpo tem uma qualidade específica, a da Mãe Terra e dos seus elementos como água, terra, fogo e ar.

Um caráter transformador, transgressor, libertador, contemporâneo, extemporâneo, de ascese, coletivo, relações de sororidade, de poesia, de comunhão com o espaço, seja ele o meio urbano ou o campo, a praia, o rio ou a floresta. As bailarinas de Tribal Brasil encontram em suas práticas uma forma de se dizerem em suas escolhas e de se pensarem enquanto se dizem, seja no pensamento por movimento ou na linguagem verbal. A articulação de memórias coletivas de outrem (que fazem parte de suas pesquisas em dança) suas memórias coletivas (dos seus bairros, cidades, países) e suas lembranças pessoais geram novas memórias coletivas – o corpo de memória do Tribal Brasil. Memória essa que não busca fechar-se em conceitos, mas ampliar-se abraçando as diversidades do mundo, deste e de outros tempos.

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[1] Yasuo Yuasa (1925-2005) foi um importante filósofo japonês da religião que dedicou seus estudos à teoria do corpo na filosofia ocidental e asiática.

Referências Bibliográficas

QUILICI, Cassiano. O ator-performer e as poéticas de ta transformação de si. São Paulo: Annablume, 2015.

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Tribal Brasil - Identidade no Corpo


Kilma Farias (João Pessoa-PB) é bailarina, professora, coreógrafa, produtora e pesquisadora na área da dança. É formada em Licenciatura em Dança e Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Ciências das Religiões pela UFPB, desenvolveu dissertação voltada para a relação entre presença cênica e espiritualidade na Dança Tribal.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


[Estilo Tribal de Ser] Figurinos pelo mundo - Parte 1

por Annamaria Marques

Rebeca Piñeiro & grupo no ATS Homecoming

Olá, pessoal!


Espero que estejam bem!


Hoje  quero compartilhar com vocês o primeiro de uma série de artigos trazendo um pouco de como são os figurinos de Tribal Fusion Bellydance e estilo FCBD® pelo mundo. 


Acho maravilhoso poder ver como cada grupo pelo mundo traz um pouco de sua personalidade para seu visual na dança! Detalhe culturais  regionais podem ser vistos tanto no visual quanto na escolha das músicas, mesmo quando há um dresscode como no estilo FCBD e é isto que vou compartilhar com vocês. Caso queiram sugerir grupos ou solistas com figurinos  interessantes, mandem para nós!


Espero que gostem desta viagem!




1) Dance Together Tribal (China)





















Na China a cor vermelha tem um significado muito importante: representa alegria, boa sorte e proteção. Por isso que vemos esta cor presente em ocasiões importantes. 


| Fonte:




2) Free Tribal band (Ucrânia)



Performance de FCBD® Style, com estética homenageando a boneca nacional Motanka, que, segundo a dançarina Karna May membro do Free Tribal Band, é um amuleto antigo de proteção para mulheres e famílias.


Boneca Motanka



| Fonte:



3) Nourah (Japão)




Solista usando o chapéu tradicional Amigasa, comum em danças sazonais tradicionais.


Amigasa é um chapéu de palha tecido a mão, em forma de disco circular dobrado ou meia-lua, feito de fibras de bambu. Em membros femininos da dança tradicional japonesa Awa Odori é usado de forma que o vinco saia da frente para trás, mergulhando para a frente para cobrir parcialmente o rosto da dançarina. Dança-tema do festival folclórico da província de Tokushima, comemorado durante as festividades de verão.


Amigasa  - Chapéu tradiconal japonês

| Fonte: Amigasa



4) Inspirações brasileiras para FCBD® Style


Outro exemplo lindo é o da Tribo Corpo Raíz, grupo mineiro de FCBD® Sytle lindamente trajadas com um figurino remetendo às nossas cores locais.
 

E também do grupo acompanhando  Rebeca Pineiro no ATS Homecoming:



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Estilo Tribal de Ser



Annamaria Marques (Belo Horizonte-MG)
 é bailarina, professora, produtora do festival Tribal Core, dona do atelier InFusion e diretora da Trupe Andurá de ATS® e da Tribo Dannan de Tribal Fusion de Minas Gerais.Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


[Sankofa] Afinal, o que queremos dizer quando falamos de Orientalismo?

por Fran Lelis  (Rio de Janeiro-RJ)
Colaboração especial para coluna Sankofa
Coordenação: Monni Ferreira

Quando utilizamos os termos Oriente e Ocidente, o sentido primário desses termos é a noção geográfica de Leste (Oriente) e Oeste (Ocidente). Mas até essa noção básica precisa de um ponto de referência. Leste de onde? O Oeste de X é o Leste de Y? Como essa divisão é feita? Por interesse de quem? Oriente e Ocidente são conceitos que se modificaram no decorrer da história e foram ganhando outros contornos e implicações, novas camadas de significados dependendo do local, do período histórico e dos objetivos, como por exemplo a divisão do Império Romano no final do século IV em Império Romano do Ocidente, com capital em Roma, e Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla; ou como o Cisma do Oriente no século XI que dividiu o catolicismo em  Igreja Católica Apostólica Romana (ocidental) e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa (oriental).


Império Romano


A divisão mais conhecida (e ainda hoje utilizada) entre Oriente e Ocidente é a que coloca o sudeste e sudoeste asiático e o norte da África em oposição à Europa (e hoje, também aos EUA). Essa divisão tem um peso político e econômico muito forte: começou a ser delineada a partir da Idade Média e ganhou força com a ascensão das potências marítimas europeias nos séculos XV e XVI e posteriormente com o Imperialismo europeu dos Séculos XVIII e XIX.

Entender como o Orientalismo funciona é essencial para compreender essa divisão entre Oriente e Ocidente (e como ela nos atinge), e para isso é necessário conhecer Edward Said e a sua principal obra.


Edward Said

Edward W. Said (1935-2003) foi um intelectual nascido na Palestina, que passou parte da infância no Egito e concluiu seus estudos nos EUA. Se tornou um importante crítico literário e professor universitário. Também foi ativista político pró-Palestina, além de ser considerado um dos precursores dos estudos pós-coloniais. Publicou em 1978 sua principal obra: “O Orientalismo”, que no Brasil recebeu o subtítulo “o oriente como invenção do ocidente”.

Nesse trabalho, Said se propôs a analisar um gigantesco número de obras artísticas e acadêmicas produzidas pela Europa nos séculos XVIII, XIX e XX acerca de povos e regiões consideradas orientais. Ele percebeu que o Oriente apresentado em tantas obras era uma construção ocidental, não tendo pretensões de ser fiel à fatos e contextos reais, mas sim retratar o que a Europa imaginava e projetava sobre o Oriente, portanto, uma forma de autoafirmação europeia, de se mostrar diferenciada e superior em oposição ao “Outro”, ou seja, o oriental, considerado exótico e antiquado. Só existe Ocidente em oposição ao Oriente. Um civilizado e o outro primitivo. Ao considerar o Oriente primitivo, violento e despótico, o Ocidente ao mesmo tempo, está se considerando avançado, democrático e esclarecido.


Capa Orientalismo

Edward Said denominou de Orientalismo esse discurso que, de diferentes formas, contribuiu para subalternizar diversos povos que foram rotulados como orientais. Orientalismo, pois era o termo utilizado largamente pra denominar de forma genérica esses trabalhos acadêmicos ou artísticos que de alguma forma abordavam temas considerados orientais, sempre pela ótica europeia. Ou seja, o Orientalismo é um produto europeu.

Esse discurso orientalista presente em tratados, pinturas, relatos de viagens, palestras entre outras produções, estava intrinsecamente atrelado ao Imperialismo europeu dos séculos XIX e XX, que teve como principais alvos de exploração os territórios do continente Africano e Asiático. Essa produção contribuiu para a construção de um imaginário que transformou os povos ditos orientais em um bloco uniforme que unia o Norte da África, o Oriente Médio e parte da Ásia, apagando a diversidade cultural das áreas abordadas e enfatizando o seu “não desenvolvimento” e “exotismo”. Assim, justificando a dominação como uma missão civilizadora, onde os europeus levariam aos “bárbaros orientais”, o progresso, não importando a vontade desses povos, afinal eram “atrasados”. O “fardo do homem branco” era civilizar essas regiões.


Mapa Imperialismo Europeu

Lorde Cromer, representante da Grã-Bretanha no Egito na virada do século XVIII para o XIX, em discurso que visava justificar a dominação imperialista com a “ausência de inteligência” do oriental:

“O europeu é um bom raciocinador: suas afirmações factuais não possuem nenhuma ambiguidade; ele é um lógico natural, mesmo que não tenha estudado lógica, (...) sua inteligência treinada funciona como um mecanismo. A mente do oriental, por outro lado, como as suas ruas pitorescas, é eminentemente carente de simetria. Seu raciocínio é dos mais descuidados. Embora os antigos árabes tivessem adquirido num grau bem mais elevado a ciência da dialética, seus descendentes são singularmente deficientes na faculdade lógica.” (Lorde Cromer, Apud SAID, 2007,p.71)

Essa fala de Lorde Cromer foi respaldada por anos e anos de produções artísticas e intelectuais que declaravam a inferioridade dos povos orientais, as vezes de forma sutil, outras mais descaradas, mas todas deixavam claro a oposição entre Oriente e Ocidente. Em um outro exemplo, uma das personagens de Agatha Christie, no livro “Morte na Mesopotâmia”, em visita à uma escavação arqueológica no Iraque descreve o seguinte:

“Quem me provocou riso foi a equipe de escavação. Eu nunca tinha visto tanto espantalho junto – todos em andrajos e anáguas compridas, com as cabeças enfaixadas como se estivessem com dor de dente. E, de vez em quando, nas idas e vindas com os cestos de terra, começavam a entoar (ao menos acho que a intenção era essa) uma esquisita espécie de cantilena infindável e monótona. Notei que a maioria tinha olhos medonhos – todos cobertos de supurações, e alguns pareciam caolhos.” (CHRISTIE, 2011, p.55) 

Livro "Morte na Mesopotamia"

Uma verdadeira desumanização dos trabalhadores locais. E esse tipo de fala é encontrada em outras passagens desse livro, e em outros livros da autora que se passam em cenários “orientais”. Outros autores famosos, clássicos e ainda lidos, também reproduzem esse tipo de imagens, como Jules Verne, Joseph Conrad, Flaubert, entre outros...

 Um dos principais estereótipos criados pelo orientalismo é o da mulher oriental: sexualizada, submissa, animalizada, pronta para satisfazer os desejos do “sultão” ou do viajante europeu. Ora coberta de tecidos, dócil e misteriosa, ora provocante e desnuda, a mulher oriental retratada pelo orientalismo não tem vontade própria, não é dona nem da própria vida, encerrada no harém, uma peça valiosa do tesouro do seu senhor. A dançarina egípcia era o ápice desse estereótipo, tendo seu corpo e sua dança o único objetivo de ser um deleite aos olhos masculinos. Muitos pintores se valeram dessa imagem e fizeram muito sucesso em exposições europeias. E essas pinturas continuam sendo amplamente utilizadas como referências estéticas para dança do ventre, folclores e estilo tribal. Será que as utilizamos com criticidade? Essas imagens são contextualizadas? Conhecemos sua autoria, sua procedência, seus propósitos?

Danse de l'Almee - Jean-Léon Gérôme (1824–1904)


L'esclave et le lion – Georges Antoine Rochegrosse (1859-1938)


Odalisque – Georges Antoine Rochegrosse (1859-1938)

Almee an Egyptian Dancer - Gunnar Berndtson (1854-1895)


 O Orientalismo colaborou e justificou o imperialismo europeu. Quando esse sistema de dominação entrou em colapso na segunda metade do século XX, o Orientalismo sobreviveu enquanto ideologia e prática. Para isso ele passou por uma ressignificação, mantendo alguns elementos acrescidos de novos estímulos e temas, como por exemplo, o controle das migrações e o combate ao terrorismo, que são utilizados como justificativa para perseguições religiosas, maus-tratos e não acolhimento de refugiados, entre outras atitudes violentas e preconceituosas. 

Barco de refugiados Sírios cruzando o mar mediterrâneo.

 

Portanto, no contexto contemporâneo, o Orientalismo adquire novas formas, se adaptando aos novos jogos de poder, e continua servindo como justificativa ideológica para os grupos hegemônicos.

Mas afinal, porquê falar de Orientalismo?

O Orientalismo faz parte da formatação da Dança do Ventre e do estilo Tribal, e isso é um fato. Debater e refletir sobre como o orientalismo está presente na nossa dança, no nosso mercado, nas nossas escolhas e preferências, é um caminho que muitas de nós estão tomando na busca de construir uma comunidade mais ética e responsável. Arte também é política e é importante compreendermos quais mensagens estamos veiculando, tomar consciência das implicações da nossa dança, para então criarmos novas formas de lidar com a herança histórica da nossa arte, sem mais negações ou silenciamentos.

 

Bibliografia

CHRISTIE, Agatha. Morte na Mesopotâmia. Tradução de Henrique Guerra. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.

DIB, Marcia. Mulheres árabes como odaliscas: Uma imagem construída pelo orientalismo através da pintura. Revista UFG, ano XIII, n.11. Dezembro de 2011.

PASCHOAL, Nina Ingrid. Discursos orientalistas sobre a dança: o caso de Almée, an egyptian dancer, de Gunnar Berndtson. In. Faces da História, Assis/SP, v.6, nº2, jul./dez., 2019.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução Rosa Eichenberg. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SILVA, Leonardo Luiz Silveira. O embate entre Edward Said e Bernard Lewis no contexto da ressignificação do Orientalismo. In. Revista Antropolítica, n.40, Niterói, 1 sem. 2016.

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Sankofa 



Fran Lelis (Volta Redonda-RJ) é professora SEEDUC RJ, especialista em História do Brasil pela UFF, mestra em História pela UFRRJ. Dançarina de Tribal Fusion com registro profissional pelo SPDRJ (DRT:56/032).



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Monni Ferreira (São Paulo-SP) entrou para o mundo da dança com 10 anos de idade e durante toda a sua trajetória nesta arte teve a oportunidade de vivenciar diferentes estilos de dança, como: árabes, contemporâneo, afro, moderna, street dance, brasileiras, flamenco, indiana, ballet, entre outras.Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Resenhando – RJ] Estilo Tribal Live! – Ciclo de Entrevistas

 por Fran Lelis

O ano de 2020 foi desafiador, a gravidade da pandemia tornou o isolamento social a principal arma para combater a propagação do covid-19. Diante desse cenário, a internet e as redes sociais se tornaram o principal meio de encontros e trocas.

Buscando novas maneiras de aproximar nossa comunidade, Nadja El Balady, uma das pioneiras do estilo tribal no Brasil, aproveitou um espaço online já existente, o grupo do Facebook “Dança Tribal Carioca”, e promoveu um ciclo de entrevistas com profissionais que fazem parte da história do estilo no estado do Rio de Janeiro.


 Nadja El Balady, sobre esse projeto, denominado Estilo Tribal Live! :

“Estilo Tribal Live! O ciclo de entrevistas que produzi entre julho e agosto de 2020 visando movimentar a comunidade de estilo tribal do Rio de Janeiro no momento mais agudo da pandemia de covid-19. As entrevistas foram realizadas no grupo do facebook Dança Tribal Carioca, com exceção da primeira, que acabou acontecendo pelo Instagram do grupo Loko Kamel Tribal Dance, devido a problemas técnicos."


"As entrevistadas deste primeiro ciclo foram: Aline Muhana, Isabel de Lorenzo, Jessie Ra’idah e Dária Lorena. Elas foram escolhidas entre algumas das que, junto a mim, fizeram parte do nascimento do estilo no Rio de Janeiro e também no Brasil. Foram convidadas a contar um pouco de sua trajetória na dança e a escolha pelo estilo tribal como forma de expressão e o que isso significava numa época de pouco acesso a internet e quase nenhum recurso para estudar, nem nenhuma grande professora do estilo disponível no Brasil. Foram também convidadas a falar a respeito de assuntos polêmicos do momento, como apropriação cultural, a nomenclatura tribal que está em questionamento internacional e também pontos de vista pessoais sobre racismo e os desafios de artistas negras e de periferia em exercer esta atividade de maneira profissional."


 

"Cada uma das entrevistadas deu sua contribuição ímpar para debates importantes no nosso meio, de acordo com suas experiências: Aline Muhana,  que comigo fez parte do primeiro grupo de estudos em ATS no Brasil, a Tribo Mozuna; Isabel de Lorenzo foi a primeira professora a ensinar ATS no Rio de Janeiro através dos eventos que produzi naquele período; Jessie Ra’idah e Dária Lorena fazem parte de uma segunda geração de dançarinas de tribal que estudaram com as primeiras professoras do Rio de Janeiro e passaram a colaborar profissionalmente com o crescimento da cena dando aula e produzindo eventos.

Os vídeos das entrevistas se encontram disponíveis no meu canal, Nadja El Balady, no Youtube. Planejo um novo ciclo de entrevistas para 2021 convidando outras personagens da história do estilo tribal no Rio de Janeiro para apresentar suas trajetórias, pensamentos e reflexões acerca da nossa cena artística.”

 

As entrevistas foram muito ricas, promoveram importantes reflexões sobre o atual momento do estilo, como também abordaram alguns caminhos trilhados pelo estilo tribal de dança do ventre no Rio de Janeiro, num diálogo muito potente – e necessário – entre passado e presente, pois dentre todos os debates que estão sendo levantados atualmente, se torna claro a urgência de analisarmos os meandros do passado da nossa dança e de suas influências, para entendermos o que somos e queremos hoje enquanto dançarinas de estilo tribal.

Acredito que esse material é muito relevante para comunidade, podendo contribuir para estudos e pesquisas, um meio de partilhar da memória do estilo tribal, além de ser uma forma de conhecermos um pouco mais a carreira e a vida de quatro profissionais inspiradoras que continuam a contribuir muito para o nosso meio.

 

📌 Pra você assistir as entrevistas:

Entrevista com Aline Muhana:


Entrevista com Isabel De Lorenzo:


Entrevista com Jessie Ra'idah:


Entrevista com Dária Lorena:

 

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Resenhando-RJ


Fran Lelis (Volta Redonda-RJ) é professora SEEDUC RJ, especialista em História do Brasil pela UFF, mestra em História pela UFRRJ. Dançarina de Tribal Fusion com registro profissional pelo SPDRJ (DRT:56/032). Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


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