[Folclore em Foco] Músicas populares para tribal e fusões

 por Nadja El Balady

Este artigo foi pensado para convidar você a refletir a respeito das músicas que você escolhe para as suas performances, sejam de ATS® / FCBD® Style ou qualquer tipo de fusão.

Não que exista algum órgão regulador do que se pode ou não usar para dançar, mas desde os debates acerca de apropriação cultural e orientalismo podemos lançar um novo olhar para todos os aspectos que compõe uma performance, incluindo a música que escolhemos. É preciso agora que você preste muita atenção ao fato de que apresento aqui minha visão pessoal, não se trata de nenhuma regra rígida que precise ser seguida à risca sob o risco de cancelamento virtual. Compartilho minhas reflexões, aquilo que significa para mim montar uma performance de fusão, seja ela qual for, a forma como penso e escolho as minhas músicas. Reconheço inclusive que muita gente não se importa, não parece ser muito relevante para o mercado, nacional ou internacional, pensar a respeito das músicas que usamos para dançar, tendo isso quase nenhum impacto no sucesso que determinadas artistas alcançam.


Por que, então, é relevante levantar esta questão?

Porque a partir do momento em que conheço algo, não posso mais fingir que não conheço. Porque sabendo que muitas músicas que usamos para compor performances de dança do ventre, tribal ou não, são de propriedade de pessoas que vivem em condições difíceis de vida por conta de uma história de colonialismo e exploração de sua força de trabalho e que podem ter suas origens apagadas pela discriminação social, eu como artista, tenho a obrigação de conhecer e valorizar a arte destas pessoas. No mínimo. Existem outros motivos, como saber que faço um trabalho com profundidade, mas este é o mais importante: Ética. 

Meu primeiro conselho é um velho amigo já repetido por tantas professoras: “Conheça a sua música”. Quando você escolher uma música para preparar a sua performance conheça tudo sobre ela. Sim, você precisa conhecer a estrutura da música (instrumentos, frases musicais, melodia, andamento, ritmo), mas você precisa saber também como ela se chama, quem compôs, quem gravou, de que país ela é e também qual a tradução da letra. Só assim você vai conhecer a sua música.

“Nossa, Nadja, mas conhecer até a tradução dá muito trabalho. Quero só dançar ATS®. ”

Pois é, fazer as coisas com profundidade dá trabalho. Mesmo que você não tenha intenção de ser profissional, se quiser colocar na prática o que a gente debate na teoria este é um caminho inevitável: A busca pelo conhecimento, que é infindável. Apaixone-se por isso, pois conhecer uma música, é conhecer um pedaço de uma cultura, cultura esta que é base matriz da dança que você faz. É importante conhecer a tradução das músicas também porque pode ser que a letra fale de religião ou que tenha algum trocadilho de mal gosto, que seja de cunho machista, ou ainda que conte uma história trágica. Tem a ver com a mensagem que você gostaria de transmitir com a performance. 


Em relação ao aspecto cultural, na busca pelos detalhes você encontra muitas informações como: A qual gênero musical esta música pertence, em que ano foi gravada, a qual tipo de dança popular ela está relacionada. Se for possível, tente adicionar algo na sua performance que se relacione com a cultura: Um movimento característico, detalhes no figurino, acessórios, permita que esta música influencie nas suas escolhas estéticas. Você pode começar pensando a respeito do país e gênero musical, por exemplo: Se a música é um Said egípcio, um karsilama turco, um bhangra indiano, uma rumba gitana ou um dabke libanês. Diferentes combinações estéticas para cada uma destas hipóteses.

Algumas destas danças populares são bem conhecidas no universo das danças orientais e você consegue encontrar vídeos e workshops a respeito do assunto. Quando a gente usa uma música que é reconhecidamente de determinada cultura ou região e que você sabe como ela é dançada em sua cultura de origem, pode parecer meio estranho dançar ela de outra maneira. Eu sinto isso muito forte em relação ao uso de músicas populares egípcias para tribal e fusões, como “Luxor Baladna” por exemplo, que é um said egípcio. É uma música ótima para ATS®, com um excelente andamento para tocar snujs, mas eu preciso trabalhar bastante os elementos ghawazee para sentir que a música “casa” com a estética da performance. 

Lembra que representatividade importa? Quando as músicas são muito tradicionais, elas têm um grau de importância na identidade cultural de um povo. Será que alguém daquele povo, que por ventura assista à sua performance, vai entender que mesmo sendo uma fusão, você pelo menos procurou saber a respeito da cultura a qual a música pertence? 

O segundo conselho vem para clarear melhor as coisas: Para fazer fusão, dê preferência a músicas estilizadas, que já sejam trabalhadas com outros elementos musicais, batidas eletrônicas e arranjos modernos. Ainda é importante saber a origem das melodias e ritmos, o país e povo de origem, mas encontramos abertura artística para sair da representação cultural. 




Como não existem regras precisas, é sempre bom contar com o bom senso, com a sua própria lógica e intuição no momento de escolher a música. No meu caso, meu parâmetro é sempre o meu conhecimento da cultura brasileira. Eu penso que se eu quiser dançar samba no maracatu é até possível fisicamente, musicalmente alguns maracatus têm uma levada de caixa até parecida com samba, mas o resultado é muito esquisito, pelo menos para mim que conheço maracatu. Principalmente se for uma toada de maracatu muito tradicional. Os pernambucanos provavelmente iriam achar engraçado, no mínimo. Mas se a música for um mangue beat, uma MPB, uma música eletrônica, que tenha um baque de maracatu, eu posso usar nessa música o vocabulário de movimentos que eu quiser: Contemporâneo, jazz, samba, afro, ijexá, dança do ventre. Vai ficar lindo, interessante, moderno, rebuscado. Percebe a diferença?

Outro exemplo, você deve conhecer a música “Baianá” do grupo Barbatuques, que tanta gente (incluindo eu) já fez performance de fusão com esta música, que já foi usada inclusive como tema de filme da Disney. Esta música é uma superfusão de folguedos, você sabia que ela mistura o baianá tradicional alagoano com coco de arco verde pernambucano? Tudo arranjado com percussão corporal e canto coral, o que faz a música genial e perfeita para compor uma coreografia de fusão. Já não vai ficar tão adequado se você fizer uma fusão sobre a música “Boa Tarde Povo” de Maria do Carmo Barbosa e Melo, das Baianas Mensageiras de Santa Luzia, que é a música original que o Barbatuques usou e chamou de Baianá. Você pode conferir estas duas versões nos links do youtube relacionados ao final do artigo. 


Existe ainda a música que parece folclórica, mas na verdade não é: Foi composta por um músico estadunidense que pesquisa música médio oriental, ou um europeu que ama música brasileira. Se a melodia e os arranjos foram compostos por ele, mesmo que use instrumentos folclóricos, não será. Será folclórica se este músico estiver regravando uma música tradicional, mas logo aí a gente tem espaço para a inserção de mil elementos de fusão. O quão fiel à tradição é esta regravação?

 

Helm (EUA) – Releituras de músicas folclóricas e músicas autorais com elementos folclóricos

Agora você vai me perguntar: “Como eu vou saber diferenciar uma música tradicional de uma música fusionada? “ A resposta é aquela que você não quer ouvir: Pesquisando. Dedicando tempo a isso, ouvindo e conhecendo muitas músicas, do mundo inteiro. Lendo, se interessando, buscando. 

O último conselho assina em baixo dos outros dois: Nunca mais se conforme com uma música que tenha como nome “Faixa 1”. Não dance uma música que você não sabe nem como se chama, por favor. Temos internet e apps moderníssimos para usar como ferramenta hoje em dia, o que facilita em muito a nossa missão. 

A música é nossa ferramenta de criação. Nós dançarinas dedicamos tanto tempo aprimorando nossa técnica, por que não nos dedicar também a conhecer as músicas e também os povos e culturas que usamos como referência estética?

Confesso que muitas vezes já dancei músicas que não conhecia muito bem, que até hoje não sei de onde vieram nem para onde foram. Já cometi gafes imperdoáveis como dançar como Khaliji uma música síria (em minha defesa, todas as dançarinas brasileiras dos anos 2000 fizeram isso ahahaha...), igualmente já presenciei inúmeras gafes com músicas folclóricas em concursos de folclore árabe e apresentações de tribal. Gafes musicais são muito comuns em nosso meio, com maior ou menor gravidade. Considero grave se alguém lança um trabalho como fruto de uma pesquisa folclórica, ministra workshops a respeito, mas usa músicas de outros povos, ou até compostas por estrangeiros, como material de coreografia. Mas uma vez o dono de um restaurante libanês em que eu dançava puxou uma roda de dabke com um said egípcio, ninguém ligou, todo mundo se divertiu. Tudo depende sempre de onde eu danço e para quem eu danço. O que eu danço e como eu danço, será consequência.

Eu dançando Baianá do Barbatuques


Vídeos de Referência:

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Folclore em Foco

Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Diálogos] Exercício da sua movência

 por Caíque Melo

Olá!

Sou o Caíque Melo e estamos retomando com a Coluna “Diálogos” no Blog Coletivo Tribal neste novo ano. Sejam todas bem-vindas!

Este ano em finalização do mestrado em Dança (UFBA/PPGDança) aproximarei a pesquisa com o intuito de dialogar com as discussões que ocorrerão no blog.

Caíque Melo. | Fonte: arquivo pessoal Foto: Ian Morais/House of Tremme


Ao longo da pesquisa do mestrado fui identificando a minha “movência” – aproximação das expressões “movimento” e “experiência”. Tenho entendido cada vez mais que apesar das danças estruturarem determinadas técnicas e estéticas diante dos seus ambientes culturais, a “Fusion Bellydance” passa por inúmeras transformações. Isso acontece diante do fenômeno cultural que nossa sociedade global está passando que é o da “hiperculturalidade” (HAN, 2019). Não adentrarei profundamente na teoria, mas de modo simplório, a expressão condiz com o intenso contato com diversas culturas, modos de ser, de existir e de viver no mundo globalizado (ainda mais com o avanço das tecnologias de comunicação).

Agora peço que você pense um pouco: quantas danças você já não viu nas redes sociais e se interessou em fazer ou mesmo aprendeu uma sequência (os famosos challenges/desafios)?

O nosso ofício agora incorpora múltiplos conhecimentos e especialidades. Se antes nos considerávamos profissionais da Dança, agora agregamos conhecimentos de diversas outras áreas como marketing, design gráfico, videografia, fotografia, gestão e tantas outras. Mudamos pela necessidade atual de expor a arte em completude e em todos seus detalhes. (Coletivo Tribal: [Danças & Andanças] Reflexões e Divagações de uma Dançarina)

Apesar dos aspectos estéticos tão hipnotizantes chamarem nossa atenção para a Fusion Bellydance, a relação como ela foi/está sendo criada e difundida diz muito sobre nossa sociedade contemporânea (ou pós-contemporânea para alguns) e em como atuamos nela. Ou seja, a Dança Tribal é um reflexo da nossa sociedade globalizada.

O que a Mimi Coelho indica na citação sobre a nossa atuação profissional que não é mais apenas ser dançarina, mas envolve um conglomerado de outras atividades profissionais que por vezes não temos formação ou capacitação para tal, tangencia a precarização do trabalho artístico. Apesar disso, ainda assim produzimos e difundimos uma constituinte de dança que está integralmente associada com a contemporaneidade.

Pause a leitura, escute e mova seu corpo com essa música:

Stream MonxXxTRÁXxX - Malayka SN e Felipe Mimoso de Malayka SN 

A fim de perceber as movências que constituem o nosso corpo, agora, deixo um pequeno exercício que pode ser feito ao longo dos próximos meses e adoraria que compartilhasse conosco posteriormente, seja em uma publicação ou story no seu instagram (mencione @coletivotribal e @caiquemelofusion). Se preferir mandar por mensagem privada, fique a vontade.

Exercício 1:

1. Desenhe linhas (retas ou curvas) que podem se cruzar ou não, mas, que identifique quais as danças que você já experimentou.

Exercício 2:

2. Em tópicos, indique quais danças que você já viu mas que você não estuda, ou que você gosta de assistir, ou que tenha interesse em fazer.


Com esses dois exercícios, demos início para perceber sua movência!

Essa movência que é única e que certamente corrobora pra que sua dança de fusões seja autêntica.

Abaixo deixo imagens ilustrativas do meu exercício:


Exercício “minha movência”. Fonte: arquivo pessoal


Compartilhe e pratique! Dance e Mova seu Mundo!

Até a próxima!


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Diálogos


Caíque Melo (Salvador-BA) atua profissionalmente como professor, dançarino, pesquisador, coreógrafo e produtor na área da Dança desde 2009. Professor de dança "Tribal Fusion" desde 2012. Professor de Dança Vogue (desde 2017) e um dos pais da House of Tremme (2020). Mestrando (2019-2020), bacharelando (2018-2021) e licenciado (2014-2018) em Dança pela Escola de Dança da UFBA. Técnico em Dança pela Escola de Dança da FUNCEB (2018).Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Danças & Andanças] Reflexões e Divagações de uma Dançarina

por Carla Mimi Coelho


Despedida de 2021 e tudo o que não faz mais sentido

Um ano que chega ao fim e tudo o que desejamos é deixar para trás todas as conturbações, sofrimentos, desafios e dificuldades vividos por todos nós. Agora é só despedir do gosto amargo de um tempo confuso que nos despertou tantos questionamentos, tanta indignação e seguir, adentrando um novo ciclo que chega.

Entretanto, como seres muito adaptáveis que somos, tantos desafios deste ano do qual nos despedimos também nos incitaram a desenvolver estratégias e ferramentas criativas, possibilitando nossa sobrevivência em meio ao que parecia um caos sem solução. Sim, sofremos diversas perdas mas também aprendemos novas formas de fazer nossa arte (expressão, prática e ensino). Formas estas que nos permitiram alcançar pessoas fisicamente do outro lado do mundo e que nos trouxe novas pressões, exigências e objetivos. Possibilidades surpreendentes que significam também mais trabalho diante de outras requisições.

Números agora importam de maneira substancial e corremos em busca de sua mutliplicação. Analisamos os elementos, pensamos em estratégia e lutamos pelo engajamento, ações em redes sociais através da tela. Quem de nós nunca ficou confuso diante de um comportamento inexplicável daquele tal e tão famoso algoritmo?

O nosso ofício agora incorpora múltiplos conhecimentos e especialidades. Se antes nos considerávamos profissionais da Dança, agora agregamos conhecimentos de diversas outras áreas como marketing, design gráfico, videografia, fotografia, gestão e tantas outras. Mudamos pela necessidade atual de expor a arte em completude e em todos seus detalhes.

 O trabalho, então, parece interminável e a mesma ferramenta que nos traz conhecimento e inspiração representa também um mar de responsabilidades, comparações e competições de mercado. Aquilo que nos possibilita tanto é acompanhado do que eu costumo chamar de teste de auto confiança em si e no seu próprio trabalho, uma vez que  o ‘se comparar’ parece inevitável quando tudo é acessível a uma distância de apenas um toque na tela.

Estamos na geração dos criadores de conteúdo e a dança ganhou um espaço interessante e novo aos olhos de seus profissionais. A geração TikTok e Instagram está aqui e com ela, milhares de vídeos com sequências rápidas de dança executada por profissionais e amadores espremidos pelos limites cada vez mais reduzidos de uma tela. Tantas versões, tantos estilos, tantas variedades. E com todo esse movimento surgem os questionamentos, as preocupações, as comparações...

E como se não bastassem estas pressões no modo em que apresentamos e entregamos o trabalho que fazemos, o nosso estilo de dança, o Fusion Bellydance/ Tribal Fusion enfrenta novamente uma onda de questionamentos sobre ética, apropriação cultural e responsabilidades. Vimos muitas profissionais da base desse estilo se silenciarem pelo medo de errar e da inadequação de suas criações. A nossa linguagem na dança se estremeceu e está enfrentando dúvidas sobre sua existência.

Diante disso nos perguntamos: Prosseguimos? Como criar e se expressar em um mundo de pressões? Como confiar em nossa ações em movimento e expressões? O que dançamos e como dançamos?

Quem me conhece já sabe que até aqui já falamos de argumentos suficientes para me deixar louca em desespero com minhas vozes interiores, insegurança e sobrecarga de autocobranças. E agora? Como uma pessoa de uma geração criada pelas posturas de mindset fixo, tudo isso aí já representa motivos suficientes para me manter em estado eterno de procrastinação.

Diante disso, fui buscar vozes que me guiassem pelo mindset de crescimento e me dessem esperança e material para um planejamento de como prosseguir sendo eu, artista da dança, profissional do movimento.

Em meio a esta busca, deparei-me com a sabedoria e estudos de Mariana Quadros em  seu workshop “Fusion Bellydance – Histórias, Inspirações e Referências”, o qual me resgatou para um lado da Dança que tinha hibernado em mim em meio ao caos dos questionamentos do nosso estilo. A dança nasce de um estado maior, que nos transcende e nos eleva. Mais que somente um estilo, a sua voz e seu eu dançante se encontram entranhados no seu ser e cabe a nós abrir essa escuta para acessar a expressão que nos é profunda. Inspiremo-nos naquelas que nos antecederam e estão nas bases da dança moderna e que também se expressaram pela força do movimento de seus corpos, evidenciando o poder feminino e seus mistérios, mergulhando na vida e na própria arte como alimentos principais de sua expressão. O contato profundo com a natureza e o se sentir em conexão com o ambiente, como Isadora Duncan. O meditar em si, na sua respiração que reflete em movimento como Martha Graham. O ser tocado por uma obra de arte, permitindo um diálogo entre movimento, letras, sons, tintas, elementos. A imensidão de possibilidades no ambiente e nas artes que nos pode impulsionar para uma expressão que reflita nossa experiência única, enquanto indivíduos, com aquilo que dialoga realmente com nosso interior.

Busquei uma frase em que Doris Humphrey descreve Ruth St. Denis ainda na expectativa de ampliar os horizontes sobre a dança e seu alcance: “Aqui está uma mulher que viu a dança como um todo, em sua completude. Ela não era interessada em somente um pequeno segmento mas no todo completo, na Dança por inteira...”

Estamos tão condicionados ao momento do agora com uma visão reduzida ao micro, ao detalhe, a uma única forma que esquecemos de quão vasta, rica e múltipla é nossa herança na Dança. Se abrirmos os horizontes para uma visão macro do que fazemos parte, a nossa dança ganhará em completude e terá a expressão que queremos enquanto Arte.

Sim, precisamos das ferramentas técnicas para nos expressar livremente, mas não nos esqueçamos da substância, daquilo que nos destaca como profissionais da Arte de Dança.

Então, impulsionada por estas inspirações fui em busca de meios de se estruturar um plano de ação para solucionar o que Honoré de Balzac considera o nosso maior problema, enquanto artistas, o como se fazer notado pelo público. Lembrei então de um livro que li para o programa 8 Elements da Rachel Brice, “Mostre Seu Trabalho” de Austin Kleon, o qual apresenta dez formas de se compartilhar sua criatividade e ser descoberto pelo público.

Austin pontua em seu livro que o artista na verdade não encontra um público para seu trabalho, as pessoas é que o encontram. De tal forma que não é suficiente ser bom na sua profissão, você tem que se fazer encontrável para que as pessoas te encontrem.

Criar é um processo longo e incerto, um artista deve mostrar seu trabalho. E ao contrário do que pensamos muitas vezes, você não precisa ser um gênio. Basta encontrar uma cena (ambiente virtual no caso, plataformas) que lhe agrade e com a qual se identifica e, então, mostre o que tem para mostrar, ofereça aquilo que pode fazer e para algumas pessoas isso será muito melhor do que você possa imaginar.

Ainda, o autor incentiva o abandono da ideia de que somente alguns indivíduos criativos reconhecidos como talentos possam colaborar com o universo criativo, abrindo espaço para que outros participem da trajetória criativa. O bom trabalho não é criado no vácuo e a criatividade é sempre, de alguma forma, uma colaboração resultante de uma mente conectada a outras mentes. Lembremos de que Online todos – artistas e curadores, mestres e aprendizes, profissionais e amadores – têm a habilidade de contribuir com algo.

Desmistificar a ecologia de talentos é reconhecer que todos os grandes gênios e talentos muitas vezes percebidos como despontados e à parte de um todo na verdade pertencem à uma cena completa onde as pessoas apoiam umas às outras, observam o trabalho, copiam, roubam ideias e contribuem ideias de uma das outras.

Um último ponto a se ressaltar e não me delongar muito mais é todos nós deveríamos agir como um amador. Charles Chaplin já dizia “É o que todos nós somos: amadores. Não vivemos o bastante para ser qualquer outra coisa”.

Amadores são entusiasmados, eternos apaixonados e agem sem pensar tanto no resultado perfeito. Eles não temem erros e falhas, e em suas ações não profissionais fazem inúmeras descobertas. Na mente de um iniciante as possibilidades são infinitas.

Ampliando esta reflexão, o ato criativo mais medíocre ainda é um ato criativo em si. Há espaço para evolução e com a prática vem o crescimento, não importando quão rápido se dê o progresso. Agora, se pensarmos bem há sim uma diferença considerável entre ‘o não fazer nada’ e o ‘fazer algo’. Finalizando, amadores aprendem durante uma vida toda e o fazem publicamente, para que outros possam aprender com suas falhas e sucessos.

Se você aí é como eu, que foram criados sob um mindset fixo e receia mostrar suas falhas, seus processos, sua trajetória nada perfeita, adentremos juntos este 2022 nos libertando dessas amarras, despedindo deste pensamento podador e não criativo. A melhor forma de começar este novo caminho de mostrar o seu trabalho é refletir sobre o que quer aprender, tornar isso um compromisso pessoal de aprender na frente de outros. Não importa o quão ruim seus esforços vão parecer no início. Não se preocupe com o resultado de imediato. Vista o seu amadorismo - seu coração, seu amor- , produza, e aproveite o processo. Compartilhe o que ama e as pessoas que amam as mesmas coisas te encontrarão pelo caminho.

Eu sei que tudo isso pode soar como um devaneio sem sentido para muitos, no entanto, será impossível encontrar sua voz se você não a usar. Ela está conectada às sua natureza, está em você. Então, dance sua voz, dance o que ama e sua verdadeira expressão surgirá. Tchau 2021 e que seja bem-vindo um novo ciclo! Feliz 2022!



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Danças & Andanças

Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Formação no Tribal] Carla Mimi Coelho e Samra Hanan falam sobre Paulo Freire

por  Ana Clara Oliveira

Convidadas especiais: Carla Mimi Coelho e Samra Hanan


Carla Mimi Coelho e Samra Hanan

(Fonte: @mm_mimicoelho @samra.hanan)

 

Durante o ano 2021 apreciamos na coluna “Formação” algumas contribuições do educador brasileiro Paulo Freire para o campo da Fusão “Tribal” e suas variadas vertentes. No referido ano, refletimos a partir de um documentário educacional, igualmente, tratamos os conteúdos relevantes e o currículo Crítico-Libertador. Em conformidade com o desenvolvimento desenhado, a presente matéria apresenta os pensamentos das professoras brasileiras, Carla Mimi Coelho e Samra Hanan, sobre o legado da pedagogia freireana na dança por meio da seguinte pergunta: de que modo você entende e/ou aplica os conhecimentos de Paulo Freire no campo do “Tribal”?

De modo didático, apresento as ponderações de Carla Mimi Coelho, em seguida, as reflexões de Samra Hanan. Agradeço, imensamente, a participação dessas convidadas que atuam com dedicação e responsabilidade no exercício artístico-educativo. Através das suas considerações, daremos início em 2022 a uma série de conversas com muitas professoras sobre suas metodologias. 

Carla Mimi Coelho:

O legado de Paulo Freire vai além das fronteiras, possui um profundo impacto no pensamento e na prática educacional pelo mundo todo. Ao meu entender, ele questiona as práticas do educar não expansivas, mais rígidas e reconhecidamente tradicionais de um passado não tão distante. Arrisco-me a afirmar que ele vai em oposição àquele mindset fixo, à ideia de que a capacidade de se absorver conhecimento ou aprendizado é fixa e não pode ser expandida além de um certo limite inato.

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” – Paulo Freire

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Nós enquanto criadores de uma LINGUAGEM, a dança, estamos em constante evolução e, ao ensinar nos transformamos e evoluímos enquanto professores/educadores, pois ensinar também é aprender. Quando estamos professores/educadores cabe a nós criar um espaço aberto, passível de diálogo, criando possibilidades e nutrindo a criatividade para que então o conhecimento seja construído. A imagem de um professor para mim atualmente é daquele guia que conduz o estudante de si e da linguagem por sua caminhada de crescimento e evolução.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)

Veja bem, nem sempre essa ideia de educação e aprendizado era clara para mim, pois vim de um sistema rígido de aprendizado da dança, onde talento era inato, algo que você tinha desde o nascimento ou não. Dentro da sala de aula que cresci frases do tipo “você pode querer a dança, mas ela não te quer”, “você nasceu para dançar”, “é talento”, eram constantes. E por isso nesta época podíamos ver histórias tão promissoras de dançarinos acabarem de forma frustrante, além de inúmeros casos de distúrbios psicológicos e traumas gerados dentro da sala de dança. Se você pensou aí nos clássicos filmes de dançarinas que sofrem trauma e adoecem, como em “Cisne Negro”, sim é essa dinâmica a que estou me referindo. E que bom que o discurso do diálogo, do aprendizado que permite a construção do conhecimento crítico, criativo e a aceitação de que há diferentes formas de se aprender e construir conhecimento adentraram também as salas de aulas de dança.

Assim, atualmente, vejo cada estudante como único, capaz de todas as criações e construções que se propor desta LINGUAGEM. Cada corpo que entra na sala de dança fala por si só, tem sua história, seu contexto, sua expressão. E quando apresentamos as técnicas de dança, claro seguindo uma agenda didática, há a abertura para o diálogo, para a aceitação e transformação do mover mediante às possibilidades que cada corpo oferece. Além disso, há diversas formas de absorção do conhecimento e desenvolvimento das possibilidades e por isso o respeito à cada um é um fundamento praticado entre aqueles que compartilham dança neste espaço.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Sei que a princípio, para muitos, isso pode parecer um tanto abstrato. Explanando de uma outra forma, quando em sala de aula, busco transmitir as técnicas de dança de várias formas tentando incorporar ferramentas que auxiliem o aprendizado pela escuta, tato, visão e movimento. Incentivo o nutrir de um autocuidado e a reflexão de si pontuando que uma mesma movimentação vai parecer diferente em cada corpo e que isso nos abre uma infinidade de possibilidades para se criar um mover próprio e único a cada um. A grande beleza da dança é que ela vai falar através de cada corpo de forma singular e cabe a nós nutrirmos a criatividade para expandir da técnica à expressão que cada um pode desenvolver.

Dentro deste nosso estilo, o Fusion Bellydance ou Tribal Fusion, a organicidade deste mover único é algo que se busca, fundamentado por uma base técnica que liberta cada um para a expressão própria. Cabe a cada um de nós professores/educadores e coreógrafos nutrirmos este espaço para a curiosidade, criatividade e exploração de novos caminhos para o mesmo movimento ou tantos outros novos. A beleza está não na reprodução de cópias mas na criação de uma LINGUAGEM que permite que cada um expresse o melhor de SI. E com isso crescemos e evoluímos todos juntos, descobrindo novos caminhos e novas movimentações, conduzidos sim pela técnica que permite, que liberta.

Samra Hanan:

Quando pensamos no nome de Paulo Freire logo nos remetemos à sua importante contribuição no Brasil e no mundo para a Educação Formal, em especial, a alfabetização e letramento de adultos. Porém, ao mergulhar na obra e fundamentos desenvolvidos por este grande educador brasileiro, podemos perceber que seu legado ultrapassa os muros da Escola e chega em qualquer ambiente onde se proponha uma construção de conhecimento, e por que não em nossas salas de aula de dança?


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Vou aqui compartilhar pontos em que vejo que os conhecimentos elaborados por Paulo Freire permeiam minhas práticas enquanto professora de Tribal Fusion, por vezes de forma sutil e filosófica, outras de ordem prática e metodológica. Mas antes peço que considere duas premissas: 1- A compreensão da DANÇA enquanto forma de LINGUAGEM; 2- A EDUCAÇÃO INFORMAL e NÃO FORMAL é aquele conhecimento produzido fora da "escola" sistematizada e institucional, assim englobando também nossas aulas de dança em academias e estúdios.


Agora sim, vamos adiante com nossa conversa. 


Um dos pontos que para mim são primordiais é reconhecer que cada aluno, aluna ou alune que entra em minha sala de aula tem uma história percorrida até chegar à minha frente, uma história que passa-se no corpo, uma história que tem ritmo e que precisa ser contada e ouvida para que a dança seja construída. Assim, a subjetividade de cada um deve ser não apenas respeitada, mas servir de ponto de partida e alicerce para a construção de uma Dança significativa, transformadora e por vezes libertadora. Com um olhar mais prático posso citar a importância de um levantamento histórico corporal autobiográfico. Já pensou como nossas lesões, brincadeiras escolares, práticas esportivas, vivência em outras danças e até em outras artes, nossa profissão e vida cotidiana influenciam na construção da sua dança?

Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Outro elemento visceral na minha vida de professora é a compreensão que o conhecimento [a dança] é uma construção coletiva, que se dá por meio do diálogo. Os alunos, alunas e alunes devem ter o espaço de fala garantido, assim como atuarem de forma ativa nas escolhas e no desenvolvimento da sua dança. Compartilhando com vocês uma prática que tenho no Simbiose: Todo início de ciclo fazemos um momento de conversa para a troca de expectativas [das alunas e minhas], autoavaliação do grupo e levantamento de sugestões de temas de aprendizado, e a partir desta conversa nós escolhemos o tema que irá nortear nosso próximo ciclo de estudos.


Poderíamos continuar por um longo tempo esta conversa, mas agradeço o espaço e finalizo por aqui minha contribuição com esta linda e forte citação, não esquecendo que deixo a porta aberta para quem quiser bater um papo sobre ensino e construção da dança, em especial Dança do Ventre e o Tribal Fusion. Até mais.


"A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa." Paulo Freire 


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


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Formação no Tribal


Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) .


Samra Hanan (São Paulo-SP)  é dançarina/professora/produtora em Dança do Ventre, Tribal Fusion, FCBD Style e Fusões com Danças Brasileiras. Formada em Educação Física pela USP-SP e pós graduada em Dança pela UFBA-BA, dedica-se ao universo das Danças Orientais desde 1998. 


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Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ...  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Resenhando-RS] Little Bits III

 por Anath Nagendra

Olá, galera!

Estamos prestes a terminar o segundo ano de pandemia, com a aparente estabilidade, já começamos a ver eventos presenciais voltando a acontecer em alguns lugares. Mas a pandemia ainda não acabou e 2022 promete ser um ano intenso.

Aqui no RS seguimos em ritmo lento, aos poucos vamos nos aventurando na volta aos palcos, mas os shows seguem, em sua maioria, em suas versões online.

Hoje lhes trago a Mostra Online de Tribal Fusion do Espaço Karine Neves: "Dançando (Re)Existimos", apresentando trabalhos desenvolvidos à distância durante tempos de quarentena. Segue um trecho da descrição:

"Não é só sobre ATIVIDADE FÍSICA, mas sobre autocuidado.

Não é só sobre AULAS, mas sobre trocas e fortalecimento mútuo.

Não é só sobre TELAS, mas sobre janelas abertas para a autodescoberta.

Não é só sobre DANÇA, mas sobre a arte de resistir, especialmente em tempos difíceis.

Dançando (re)existimos!" 



Além disso, rolou duo de Tribal Fusion na 24ª Feira do Livro de Cruz Alta, postado pela Letícia Barasuol em seu Instagram:

E para finalizar os Little Bits III, uma pequena vídeo-aula da Bruna Gomes, sobre leitura musical! Há outros vídeos curtos com dicas técnicas no canal da escola Al-Málgama. ;)

Desejo a todos, todas e todes um ótimo final de ano! E sigam com os cuidados sanitários na hora de se reunir com os entes queridos. ;)

Ano que vem voltamos e, com sorte, com muitos eventos presenciais!

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Resenhando-RS


Anath Nagendra (Esteio-RS) é bailarina, professora, coreógrafa e pesquisadora de Danças Árabes, Raja Yoga e, em especial, Tribal Fusion e suas vertentes. Hibridiza sua arte e percepção com grandes doses de psicologia, espiritualidade e ocultismo. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

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