por Carla Mimi Coelho
Despedida de 2021 e tudo o que não faz mais sentido
Um
ano que chega ao fim e tudo o que desejamos é deixar para trás todas as
conturbações, sofrimentos, desafios e dificuldades vividos por todos nós. Agora
é só despedir do gosto amargo de um tempo confuso que nos despertou tantos
questionamentos, tanta indignação e seguir, adentrando um novo ciclo que chega.
Entretanto,
como seres muito adaptáveis que somos, tantos desafios deste ano do qual nos
despedimos também nos incitaram a desenvolver estratégias e ferramentas
criativas, possibilitando nossa sobrevivência em meio ao que parecia um caos
sem solução. Sim, sofremos diversas perdas mas também aprendemos novas formas
de fazer nossa arte (expressão, prática e ensino). Formas estas que nos
permitiram alcançar pessoas fisicamente do outro lado do mundo e que nos trouxe
novas pressões, exigências e objetivos. Possibilidades surpreendentes que
significam também mais trabalho diante de outras requisições.
Números
agora importam de maneira substancial e corremos em busca de sua mutliplicação.
Analisamos os elementos, pensamos em estratégia e lutamos pelo engajamento,
ações em redes sociais através da tela. Quem de nós nunca ficou confuso diante
de um comportamento inexplicável daquele tal e tão famoso algoritmo?
O
nosso ofício agora incorpora múltiplos conhecimentos e especialidades. Se antes
nos considerávamos profissionais da Dança, agora agregamos conhecimentos de
diversas outras áreas como marketing, design gráfico, videografia, fotografia,
gestão e tantas outras. Mudamos pela necessidade atual de expor a arte em
completude e em todos seus detalhes.
O trabalho, então, parece interminável e a
mesma ferramenta que nos traz conhecimento e inspiração representa também um
mar de responsabilidades, comparações e competições de mercado. Aquilo que nos
possibilita tanto é acompanhado do que eu costumo chamar de teste de auto
confiança em si e no seu próprio trabalho, uma vez que o ‘se comparar’ parece inevitável quando tudo é
acessível a uma distância de apenas um toque na tela.
Estamos
na geração dos criadores de conteúdo e a dança ganhou um espaço interessante e
novo aos olhos de seus profissionais. A geração TikTok e Instagram está aqui e
com ela, milhares de vídeos com sequências rápidas de dança executada por
profissionais e amadores espremidos pelos limites cada vez mais reduzidos de
uma tela. Tantas versões, tantos estilos, tantas variedades. E com todo esse
movimento surgem os questionamentos, as preocupações, as comparações...
E
como se não bastassem estas pressões no modo em que apresentamos e entregamos o
trabalho que fazemos, o nosso estilo de dança, o Fusion Bellydance/ Tribal Fusion
enfrenta novamente uma onda de questionamentos sobre ética, apropriação
cultural e responsabilidades. Vimos muitas profissionais da base desse estilo
se silenciarem pelo medo de errar e da inadequação de suas criações. A nossa
linguagem na dança se estremeceu e está enfrentando dúvidas sobre sua
existência.
Diante
disso nos perguntamos: Prosseguimos? Como criar e se expressar em um mundo de
pressões? Como confiar em nossa ações em movimento e expressões? O que dançamos
e como dançamos?
Quem
me conhece já sabe que até aqui já falamos de argumentos suficientes para me
deixar louca em desespero com minhas vozes interiores, insegurança e sobrecarga
de autocobranças. E agora? Como uma pessoa de uma geração criada pelas posturas
de mindset fixo, tudo isso aí já representa motivos suficientes para me manter
em estado eterno de procrastinação.
Diante
disso, fui buscar vozes que me guiassem pelo mindset de crescimento e me dessem
esperança e material para um planejamento de como prosseguir sendo eu, artista
da dança, profissional do movimento.
Em
meio a esta busca, deparei-me com a sabedoria e estudos de Mariana Quadros
em seu workshop “Fusion Bellydance –
Histórias, Inspirações e Referências”, o qual me resgatou para um lado da Dança
que tinha hibernado em mim em meio ao caos dos questionamentos do nosso estilo.
A dança nasce de um estado maior, que nos transcende e nos eleva. Mais que
somente um estilo, a sua voz e seu eu dançante se encontram entranhados no seu
ser e cabe a nós abrir essa escuta para acessar a expressão que nos é profunda.
Inspiremo-nos naquelas que nos antecederam e estão nas bases da dança moderna e
que também se expressaram pela força do movimento de seus corpos, evidenciando
o poder feminino e seus mistérios, mergulhando na vida e na própria arte como alimentos
principais de sua expressão. O contato profundo com a natureza e o se sentir em
conexão com o ambiente, como Isadora Duncan. O meditar em si, na sua respiração
que reflete em movimento como Martha Graham. O ser tocado por uma obra de arte,
permitindo um diálogo entre movimento, letras, sons, tintas, elementos. A
imensidão de possibilidades no ambiente e nas artes que nos pode impulsionar
para uma expressão que reflita nossa experiência única, enquanto indivíduos,
com aquilo que dialoga realmente com nosso interior.
Busquei
uma frase em que Doris Humphrey descreve Ruth St. Denis ainda na expectativa de
ampliar os horizontes sobre a dança e seu alcance: “Aqui está uma mulher que
viu a dança como um todo, em sua completude. Ela não era interessada em somente
um pequeno segmento mas no todo completo, na Dança por inteira...”
Estamos
tão condicionados ao momento do agora com uma visão reduzida ao micro, ao
detalhe, a uma única forma que esquecemos de quão vasta, rica e múltipla é
nossa herança na Dança. Se abrirmos os horizontes para uma visão macro do que
fazemos parte, a nossa dança ganhará em completude e terá a expressão que
queremos enquanto Arte.
Sim, precisamos das ferramentas técnicas para nos expressar livremente, mas não nos esqueçamos da substância, daquilo que nos destaca como profissionais da Arte de Dança.
Então,
impulsionada por estas inspirações fui em busca de meios de se estruturar um
plano de ação para solucionar o que Honoré de Balzac considera o nosso maior problema,
enquanto artistas, o como se fazer notado pelo público. Lembrei então de um
livro que li para o programa 8 Elements da Rachel Brice, “Mostre Seu Trabalho”
de Austin Kleon, o qual apresenta dez formas de se compartilhar sua
criatividade e ser descoberto pelo público.
Austin
pontua em seu livro que o artista na verdade não encontra um público para seu
trabalho, as pessoas é que o encontram. De tal forma que não é suficiente ser
bom na sua profissão, você tem que se fazer encontrável para que as pessoas te
encontrem.
Criar
é um processo longo e incerto, um artista deve mostrar seu trabalho. E ao
contrário do que pensamos muitas vezes, você não precisa ser um gênio. Basta
encontrar uma cena (ambiente virtual no caso, plataformas) que lhe agrade e com
a qual se identifica e, então, mostre o que tem para mostrar, ofereça aquilo
que pode fazer e para algumas pessoas isso será muito melhor do que você possa
imaginar.
Ainda,
o autor incentiva o abandono da ideia de que somente alguns indivíduos criativos
reconhecidos como talentos possam colaborar com o universo criativo, abrindo
espaço para que outros participem da trajetória criativa. O bom trabalho não é
criado no vácuo e a criatividade é sempre, de alguma forma, uma colaboração
resultante de uma mente conectada a outras mentes. Lembremos de que Online
todos – artistas e curadores, mestres e aprendizes, profissionais e amadores –
têm a habilidade de contribuir com algo.
Desmistificar
a ecologia de talentos é reconhecer que todos os grandes gênios e talentos
muitas vezes percebidos como despontados e à parte de um todo na verdade
pertencem à uma cena completa onde as pessoas apoiam umas às outras, observam o
trabalho, copiam, roubam ideias e contribuem ideias de uma das outras.
Um
último ponto a se ressaltar e não me delongar muito mais é todos nós deveríamos
agir como um amador. Charles Chaplin já dizia “É o que todos nós somos:
amadores. Não vivemos o bastante para ser qualquer outra coisa”.
Amadores
são entusiasmados, eternos apaixonados e agem sem pensar tanto no resultado
perfeito. Eles não temem erros e falhas, e em suas ações não profissionais
fazem inúmeras descobertas. Na mente de um iniciante as possibilidades são infinitas.
Ampliando
esta reflexão, o ato criativo mais medíocre ainda é um ato criativo em si. Há
espaço para evolução e com a prática vem o crescimento, não importando quão
rápido se dê o progresso. Agora, se pensarmos bem há sim uma diferença
considerável entre ‘o não fazer nada’ e o ‘fazer algo’. Finalizando, amadores
aprendem durante uma vida toda e o fazem publicamente, para que outros possam
aprender com suas falhas e sucessos.
Se
você aí é como eu, que foram criados sob um mindset fixo e receia mostrar suas
falhas, seus processos, sua trajetória nada perfeita, adentremos juntos este
2022 nos libertando dessas amarras, despedindo deste pensamento podador e não
criativo. A melhor forma de começar este novo caminho de mostrar o seu trabalho
é refletir sobre o que quer aprender, tornar isso um compromisso pessoal de
aprender na frente de outros. Não importa o quão ruim seus esforços vão parecer
no início. Não se preocupe com o resultado de imediato. Vista o seu amadorismo
- seu coração, seu amor- , produza, e aproveite o processo. Compartilhe o que
ama e as pessoas que amam as mesmas coisas te encontrarão pelo caminho.
Eu sei que tudo isso pode soar como um devaneio sem sentido para muitos, no entanto, será impossível encontrar sua voz se você não a usar. Ela está conectada às sua natureza, está em você. Então, dance sua voz, dance o que ama e sua verdadeira expressão surgirá. Tchau 2021 e que seja bem-vindo um novo ciclo! Feliz 2022!
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