As Raízes de Zahira

por Hölle Carogne



A bailarina gaúcha Fernanda Zahira Razi concedeu uma entrevista à coluna Venenum Saltationes onde, além de contar um pouco da sua história, explica de que maneira sua ligação com a magia/ocultismo se relaciona com a arte da dança.






Venenum Saltationes: Fale um pouco sobre você. Sobre a pessoa, a bailarina e a mística Zahira Razi.

Zahira: Sou a Fernanda, conhecida também por Zahira Razi. Sou bailarina profissional, professora de Dança do Ventre e Dança Tribal, musicista e praticante da velha arte. Também, junto a dança, desenvolvo um trabalho em conjunto com dois parceiros, DJ Souq e o percussionista e baterista Guilherme Gul. Somos o Massari Project e desenvolvemos um trabalho onde a dança e música criam um ambiente único, fusionando diversos timbres do mundo com a música eletrônica e percussão árabe.






Danço desde os 17 anos. Comecei na dança através da Dança de Rua e por muitas andanças fui me identificando com as danças orientais e danças que obtinham em suas expressões a ancestralidade, ainda que muito pouco mencionada e vista. Desde cedo me identifiquei com Arte, pois tinha dificuldades de me expressar verbalmente, dificuldades na escola; sempre fui muito distraída e um tanto tímida, rsrsrsrs... Mas com a dança, música e até mesmo em criações manuais era diferente. Para mim a Arte era um veículo muito pessoal de me colocar para o mundo, algo muito maior que eu simplesmente fazia, mas nem procurava entender, pois eu acreditava fielmente que era assim o jeito certo. Só me fazia bem.  Dessa forma criativa e nem sempre adocicada, a dança foi me ganhando. Digo isso, porque hoje percebo nela não só um veículo, mas sim parte de algo muito maior, capaz de transformar a vida de alguém, pois foi o que ela fez com a minha. Como disse anteriormente, eu era muito desconectada com o mundo ao meu redor, nada era tão atrativo quanto a minha imaginação constante; era uma criança sensível e uma adolescente com muitos questionamentos sobre o mundo e fora do mundo. Tentei traçar objetivos, da mesma forma que a maioria das pessoas acreditam ser o melhor caminho, como estudar, ter um trabalho fixo de oito horas, se relacionar e planejar a vida, mas isso sempre foi um questionamento para mim.  Embora neste período eu ensaiasse nos finais de semana, pois já fazia parte de uma Cia de Dança de Rua, nunca foi martírio ocupar assim os finais de semana por anos, pois era minha redenção já que a semana era mecânica demais para me entusiasmar. E assim fui entrando num caos interno de questionamentos e decepções comigo: me sentia perdida e sozinha, minha família sempre me apoiou, mas não entendia minhas necessidades. Minha vida mudou completamente, deixei para trás tudo e voltei ao zero, a única coisa que me acompanhou foi a dança, foi meu salvo conduto para não entrar na loucura. Neste período já estava na Dança do Ventre há alguns anos e logo em seguida comecei a dar aulas. Posso dizer com propriedade que a dança me salvou e ainda me salva até hoje, porque para quem sente o mundo intensamente, encontra dificuldades para se colocar nele. Com isso tudo, a espiritualidade e misticismo andaram comigo de diversas formas. Sempre fui muito sensível e sensitiva, minha família é assim; cresci em meio a isso e desde muito cedo fui entendendo o mundo que não se vê com os olhos, que não se toca. Logo em seguida a estas mudanças, o Tribal ganhou espaço através de Karina Iman, foi ela quem me apresentou o Tribal. Pude interagir com ele, pois o trabalho dela era muito voltado ao autoconhecimento e entendi que deveria seguir por ali minha jornada.

Atualmente trabalho com a Dança do Ventre, me especializo e me dedico à leitura egípcia de dançar. O Tribal é a forma que encontrei o mundo dentro da dança, pois nele posso elucidar minhas inspirações com o todo. São dois caminhos bem distintos e independentes para mim, cada um com o seu papel. Sou a bailarina de dança oriental que dança com o coração e alma, desenhando em leitura a música cheia de expressão em cada nota e sou a bailarina tribal que dança com suas raízes pelo mundo, que se conecta com verdades internas e algo muito maior do que se pode entender.




Venenum Saltationes: Qual sua ligação pessoal com a magia ou a espiritualidade? Conte-nos como ingressou neste processo ideológico e como ele influencia sua vida atual.


Zahira: Bom, como comentei anteriormente nasci em uma família que os avós curavam com ervas e benziam quando um mal espírito assombrava. Assim eram também meus bisavós e acredito que anteriormente a eles não era muito diferente. Tenho origem indígena também, o que contribuiu a esta espiritualidade viva e ancestral, mas também tenho na família outras etnias vindas do leste europeu, castelhana e um dedinho do oriente médio, com eles vieram às crenças antigas, a ancestralidade de sua gente, que hoje sinto correr intensamente em minhas veias. Sempre ouvi este chamado: o chamado dos meus avós, meus ancestrais para um compromisso muito árduo, mas pleno desde muito cedo. Eu poderia não saber nada do que fazer e como, ou como me colocar no mundo, mas de uma coisa eu tinha certeza, era meu destino e compromisso dar segmento ao que um dia eles começaram. Talvez a forma mais sábia que o universo me conectou com a magia, foi através da dança, através dela que fui encontrando os elos certos para ir ao encontro do que me esperava. Tentei de muitas formas, muitas práticas, mas nenhuma me chamou de maneira tão forte, já estava impressa dentro de mim, era só aceitar. Sempre fui muito ligada à natureza e seus ciclos. Sempre!! Minha família me ensinou o respeito por ela desde cedo. Depois de muito procurar fora o que fazer, para onde ir, percebi que era só aceitar minha natureza, alguém que tinha a magia dos ancestrais no sangue, o culto a lua e aos ciclos. Parece fácil aceitar, pois é algo que muitos querem ser; algo que é natural ao ser humano, desde seu nascimento quando se tornam filhos da natureza. Mas carregar isso pra vida é algo muito além do que se conhece, do que se quer. Hoje sigo o caminho da antiga religião, toda a forma ancestral de conexão com a natureza, e sigo também o caminho nativo. Tenho uma conexão de aprendizado com as medicinas da floresta. Sou um grão de areia diante a imensidão que são as florestas e seus mistérios.




Venenum Saltationes: De que forma o ocultismo interfere na sua dança e em suas criações artísticas?


Zahira: Acredito que o ocultismo está inerente em minhas composições artísticas, pois minhas inspirações nascem da minha interação com a magia, a forma como eu lido com esses mundos internos e externos, minhas percepções de vida e a forma como eu vejo a arte, pois para mim a arte é uma das formas que a natureza encontrou para tocar os homens distantes dela. Traz ao alheio sua beleza e contemplação e aos que a reconhecem como algo maior e se faz um canal para a criação, onde a magia ganha corpo e alma. Os movimentos são seu corpo, as canções sua voz, as pinturas sua beleza de infinidades de traços e cores, e a interpretação, de todas as formas, é a sua alma. Só por este ponto de vista, já me movimenta a criar, a elucidar minhas compreensões e percepções sobre mim e o mundo a minha volta. Minhas vivências, dentro do mundo oculto me trazem perspectivas distintas e acredito que é meu compromisso levar até as pessoas esta consciência sobre aquilo que elas não compreendem. Mostrar uma conexão maior e que ela existe. A arte de hoje é simplesmente um reflexo das necessidades dos antigos. A prática da velha arte nos concedeu a criatividade que, mesmo distante destas raízes, conseguimos, consciente ou inconscientemente, conectar-nos com algo além da nossa compreensão.




Venenum Saltationes: Você se considera uma bruxa? 


Zahira: Sim, sou bruxa. Por todas as razões que estou neste mundo. Sou iniciada familiar, pois minha família já tem um caminho traçado na magia. Mas também, sou bruxa por escolha. Passei de adormecida para cumprir com minhas responsabilidades. Sou iniciada de primeiro grau dentro da antiga religião; faço parte de um coven de treze mulheres, onde honramos o sagrado feminino e o masculino em equilíbrio, cultuamos a Lua, honramos nossos ancestrais e todos aqueles que vieram antes de nós para propagar a velha arte. Neste grupo, pude me conectar com a minha essência. É onde aprendo a evolução humana a cada instante, onde a magia é consciente. Um caminho de muita entrega, estudo e dedicação.





Venenum Saltationes: O título desta coluna revela a dança como sendo um entorpecente, um psicotrópico. Para você, essa arte pode ser vista assim? Uma medicina ou uma prática que te faz transcender?  Explique sua opinião a respeito.




Zahira: Do meu ponto de vista, as variadas formas de arte são maneiras de expandir a consciência, pois para chegarmos à criação precisamos expandir nossa mente para transformar emoções e sensações em criações artísticas. Deste modo, vejo e sinto a dança como um psicotrópico natural e com uma complexidade infinita, pois psicotrópico traz consciência ao buscador quando este é o propósito. Neste caso, a dança é uma medicina onde a cura acontece em cada movimento e a entrega é profunda e coesa. Acredito que muitas curas são obtidas na dança, não só na dança, mas em toda forma de Arte, desde sua simples prática até processos criativos, muitos são resultados de curas internas e entendimentos externos. Mas como toda a medicina que tem a capacidade de curar, também existe o poder de destruição. Neste ponto vejo a destruição quando a arte deixa de ser uma necessidade interna e passa a ser uma simples exibição superficial, as vejo como vícios entorpecentes, uma ilusão de status e pouco autoconhecimento do que se faz e de si mesmo.

Várias culturas antigas utilizavam, e utilizam até hoje, a dança como um canal para uma conexão com algo maior; dervixes giram para se conectar com o universo; africanos e indígenas chamam os espíritos com canções rezadas e danças transe. Nos tempos idos sacerdotisas nórdicas e egípcias expressavam na arte suas conexões e assim muitas outras culturas. Acredito que a chave de transcender através da dança é se conectar com algo, dentro ou fora. Uma verdade interna ou algo divino...  Não importa se há crença em algo maior ou a fé em si mesmo. A Arte e a dança são resultados de muitas possibilidades onde se precisa mergulhar profundamente nos mares internos e desbravar outros mares a fora. É uma equação exata em proporção e o resultado é único, sem restos e devedores.






Massari Project

Grupo Zahira Razi

Página de Zahira Razi no Facebook:
https://www.facebook.com/zahirarazigrupo?fref=ts





Fernanda, foi um prazer imenso conhecer um pouco mais sobre a origem da tua arte e ler histórias tão cheias de magia. Em nome da Coluna e do Blog, agradeço a tua disposição em desvelar-se de forma tão encantadora!

http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/03/venenum-saltationes-por-holle-carogne.html





Venenum Saltationes
_______________________________________
Porto Alegre, RS

Dança Cigana na India – Kalbélia (Sapera)


por Adriana Chayéra


                        

No texto passado, fiz uma síntese explicando um pouco sobre a diversidade existente na Dança Cigana que foi consequência do seu nomadismo por diversas regiões do mundo. O texto de hoje, vai trazer um pouco de informação sobre o que acredita-se historicamente ser um dos primeiros estilos de Dança Cigana ( já que não se tem certeza, se os primeiros grupos de ciganos saíram da India ou do Egito ). Apresento-lhes o estilo de Dança Cigana, Kalbélia ou Sapera, para mim um dos estilos mais bonitos de Dança Cigana e mais complexos de ser executado, apesar de os movimentos parecerem um pouco “ brutos “.


A Kalbélia ( dominadoras de preto)  ou Sapera ( serpente) é uma das modalidades de dança praticada pelos ciganos do Rajastão. Elas utilizam vestes negras que é a cor de roupa que as mulheres utilizam para dominar as pessoas através da dança,  mas com muitos detalhes em cores. Aliás, vou abrir um parêntese para falar da vestimenta, já que foi a roupa mais difícil de ser confeccionada por minha costureira, coitada! A saia se assemelha a uma mandala, riquíssima em detalhes e cores. E esse requinte de detalhes não pára na saia, continua na quantidade de acessórios usados por elas, muitas pulseiras, braceletes, brincos e os sinos de tornozelo, que são tornozeleiras com sininhos que se assemelham ao barulho reproduzido pelas serpentes. 


Os Kalbelia-Sapera tiveram no passado a maior ocupação de capturar cobras para comercializar o seu veneno naquela época, por esse motivo, adquiriram habilidades excepcionais como encantadores de serpente. A influência das serpentes é predominante na movimentação dessa dança, desde a vestimenta que se assemelha a coloração e desenhos dos corpos das serpentes, os movimentos de “cabeça de cobra”, o barulhinho que ecoam de suas tornozeleiras com sininhos através das fortes marcações de pés e o uso dos mudras, que são um conjunto de movimentos feitos com as mãos. Originalmente a dança era realizada para comemorações na comunidade, posteriormente foi ganhando um cunho mais artístico e sendo apresentado também para grandes públicos.


Vou falar um pouco sobre a dança em si. Como disse no inicio do texto, acredito que a Kalbelia seja uma das danças mais difíceis de ser executada e compreendida, claro que cada pessoa é singular e isso pode variar, mas na minha opinião, falando de um modo geral, essa dificuldade pode ser concebida por que os tais movimentos “ brutos” destoam um pouco dos movimentos sinuosos que nós ocidentais estamos acostumados a executar. São movimentos firmes e cheios de impacto, que se fundem com movimentos acrobáticos ( elas possuem uma flexibilidade muito grande), como por exemplo, a famosa ponte onde elas pegam com a boca, algum objeto colocado estrategicamente no chão, elas também possuem batidas de quadris muito marcadas e ritmadas e além do mais, um jogo de movimentações de braços misturados aos mudras. Bem, entender toda essa movimentação e contextualiza-la para que fique o mais natural e harmônico possível não é mesmo muito fácil, mas vale à pena o empenho, já que é uma dança realmente linda! Bem, vou ficando por aqui, espero que tenham gostado do texto! Comentem, para que possamos trocar figurinhas e ideias. Até a próxima!! 






Sintonia



por Nomadic Tribal

O ATS® é um estilo de dança que, como todas as outras, exige empenho e dedicação no aprendizado e treinamento da técnica.Técnica postural, de fluidez e de execução correta dos movimentos.Exige também noção espacial já que constantemente há troca posição no palco em virtude da formação e mudança de liderança.Há também a questão do repertório de passos e combos para serem realizados na liderança. Há muita técnica, treino, ensaio e dedicação no ATS® para ser uma boa bailarina.

Mas o mais importante, talvez fique além da técnica. Não se trata de um solo de dança. Dividimos o palco, com outras bailarinas. Dividimos a atenção do público. Porém não se trata também de uma coreografia em grupo, onde sabemos como será o andamento da dança, quem estará a ao seu lado, a sua frente, ou atrás de você. O ATS® é uma dança dinâmica em que praticamente tudo é decidido em cima do palco. Sim, existe a base dos movimentos desenvolvidos pelo FCBD® e, mais recentemente, por outros grupos de ATS® do mundo. Mas a magia vem exatamente do desconhecido, do mistério, da surpresa. Dançar ATS® é se surpreender consigo mesma e com as parceiras de dança a cada apresentação. E tudo isso acontece, por conta da sintonia que há entre as bailarinas em cena. Esse é o segredo do estilo.

Mas como se aprende? Como se treina essa sintonia?

Não há workshop ou técnica que ensine esse segredo, pois isso não é aprendido, mas sentido.Liderar sem prepotência, sem arrogância, ser liderado com humildade, mas sem submissão. Saber a hora de assumir o comando da dança e saber a hora de dar a vez a outra parceira.Saber deixar o ego, no máximo nas coxias. Olhar nos olhos, sentir quando e se há possibilidade de trazer à dança passos mais rápidos, mais complexos ou se o momento pede passos mais básicos. Tentar perceber como estão os ânimos, os humores e saber lidar com isso.Criar conexão. Se a conexão é realizada, ela transcende as barreiras do palco e esse movimento de respeito e sintonia mútua se perpetua.


Arrisco então a dizer, que o ATS® não é apenas um estilo de dança, mas uma filosofia de vida, onde predomina a irmandade, a amizade e o sentimento de tribo e de união.



Mas como criar isso? Dançar sempre com as mesmas pessoas ajuda. E muito. Criar um vinculo fora da dança passa então a ser inevitável. Mas deixar o ego de lado, talvez seja a lição mais importante. 

No link abaixo vemos um exemplo incrível de sintonia. Apesar dos erros, as integrantes do FCBD® mudam de direção várias vezes, não há nenhum combo coreografado e ainda acompanham o ritmo da música com mudança do toque dos snujs.








ATS in Drops
_______________________________________
São Paulo, SP


 
http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/03/ats-in-drops-por-nomadic-tribal.html 




Carla Bazarian iniciou seus estudos de dança aos 4 anos e não parou mais. Transitou por diversos estilos como contemporâneo,

Identidade Indígena do Nordeste no Tribal Brasil



por Kilma Farias
Spirit of the Tribes
 Muito se fala sobre o extermínio indígena, violência física e cultural, além de desapropriação de terras. O senso comum dos livros de história nos passa a ideia de um índio passivo, indolente, aculturado. Essa face de uma construção histórica dificultou por muito tempo o pensamento de uma estruturação da etnia indígena através do caboclo – resultado das diversas misturas entre índios e povos das cidades circunvizinhas.
            O Brasil precisa conhecer, discutir e compreender como o caboclo afirma a identidade indígena. Essa identidade é reconstruída com base nas afinidades e afetividades a partir dos processos de territorialização, gerando uma reorganização sociocultural. Desse modo, pensar esse caboclo do Nordeste é conhecer os processos históricos e os fluxos culturais expressos nas relações com cada ator social. A cultura deixa de ser vista sob a ótica da perda para ser entendida sob a ótica das relações sócio-históricas.

Ao longo do tempo, o caboclo desenvolveu diversas estratégias de resistência, questionando as explicações tradicionais do extermínio indígena, colocando-se como sujeitos que (re)escrevem a história.
Muito das danças e rituais utilizam símbolos católicos relidos; traduções de uma cultura imaterial que soube se integrar para sobreviver.
Uma das ricas expressões indígenas é o Toré, dança de caboclos, tradição dos antepassados que afirma a identidade indígena e o direito à terra. No Tribal Brasil, traços dessa imaterialidade são memorados através da construção de personagens que se utilizam de chocalhos, maracas, passos desconstruídos dessa dança ritual, além do figurino composto por cocás, pinturas que se hibridizam com a estética tuareg, plumas, palha, colares de contas e sementes, madeira que se unem ao metal, às moedas; e uma musicalidade que nos conecta com a natureza e com os cânticos Tabajaras, Potiguaras, Pankararus ou Fulni-Ôs, por exemplo.

Toré

Em minhas (des)construções interpretei a Cabocla Jurema, com base nas danças urbanas e afro-indígenas, utilizando música do NSISTA, remix de ponto de Umbanda, Cabocla: 
 

Outra (re)leitura aconteceu através de improviso no Show de Gala com Sharon Kihara em João Pessoa: 



Nesse último caso, personifiquei a flor da planta Jurema branca. Da casca, raíz ou caule dessa planta sagrada se extrai a bebida ritual indígena utilizada no Toré e no Ouricuri, longe dos olhos dos não-índios com fins de possibilitar comunicação com o mundo espiritual, ou dos “encantados”.
O Ouricuri é um ritual de clausura individual ou coletiva. O local desse retiro leva o mesmo nome do ritual. Ouricuri também é o nome da palmeira que se extrai folhas para o rico artesanato indígena. Esse ritual é realizado de setembro a novembro e jamais revelado a não-índios.
Outras manifestações com identidade indígena são o caboclinho e as tribos de índios carnavalescas. Os Caboclinhos são especificamente de Pernambuco ao passo que as Tribos de Índios Carnavalescas são tipicamente paraibanas. A sonoridade é bem semelhante, mas diferem quanto à estrutura cênica da manifestação popular, roteiro da brincadeira, personagens.

Caboclinho
Tribos de Índios Carnavalescas

São algumas características essenciais do Caboclinho: a dança guerreira, o cunho religioso ligado à boa colheita ou caça, assim como a recitação de versos heróico-nativista.

Na Paraíba encontramos as Tribos de Índios Carnavalescas que possuem muita semelhança, mas têm suas particularidades.
O registro oficial do Caboclinho data de 1584, no livro “Tratado e Terra da Gente do Brasil” do padre Fernão Cardim. Com o passar do tempo, essa manifestação cultural, por ser de origem indígena e ter suas letras passadas através da tradição oral, perdeu muito da originalidade e foi se modificando naturalmente até os dias de hoje. Durante o extermínio promovido pela coroa portuguesa, várias tribos foram extintas e com seu povo morreu também parte do folclore Caboclinho. A resistência dessa manifestação cultural é encenada até os dias de hoje no carnaval. 
Andrea Monteiro
 Segundo Marcos Ayala, doutor em Sociologia da Cultura, em documentário postado no youtube, “As tribos de índios do carnaval de João Pessoa existem pelo menos desde 1918 como mostra o estandarte da mais antiga delas ainda atuante, a Tribo Indígena Africanos. Apesar de algumas semelhanças, distinguem-se dos Caboclinhos de Pernambuco. De singular, as tribos paraibanas têm a matança – encenação dramática em que os espiões matam toda a tribo. Quase todas as tribos têm um feiticeiro, referência a uma das religiões afro-brasileiras, a Jurema, que se distingue pelos cachimbos e maracás. Outros elementos que dão singularidade às tribos de índios são os capacetes – cocares enormes de mais de 3 metros de diâmetro que vão à frente, abrindo o desfile de cada grupo, pesam mais de 40kg e são enfeitados com muitas penas de pavão. A gaita, como é chamada a flauta de taboca ou metal, e os outros instrumentos, caixas, bombos, ganzá, fazem o ritmo característico da brincadeira. Não há canto. São muitas as evoluções e as encenações de luta e força dramaticamente construídas. No final, ao ser declamada a loa, isto é, o conjunto de versos que dá entidade ao grupo, todos se levantam dizendo em coro o nome da tribo e saem alegremente dançando de cócaras a dança do sapo.”[1]
Genuinamente brasileira, a música do Caboclinho e das Tribos Indígenas Carnavalescas se assemelham com a musicalidade oriental, lembrando as canções hindus, árabes e chinesas. Uma característica marcante do ritmo é a forte marcação dos Trupés, pisadas firmes no chão que tem como finalidade marcar o pulso para os instrumentos.
Os figurinos dos brincantes são cuidadosamente trabalhados, luxuosos. Cocares e saias de penas de avestruz, ema e pavão, trazem a semelhança com os figurinos do Tribal Fusion. Colares de sementes no pescoço, pulseiras e tornozeleiras bastante coloridas também me despertaram para essa possibilidade de introduzir o Caboclinho e as danças das Tribos de Índios Carnavalescas ao Tribal Brasil.
A partir dessas observações, em 2010, convidei José Reinaldo de Souza, pesquisador das Tribos Indígenas Carnavalescas da Paraíba e Veronica Alves, brincante, para ministrarem oficina sobre o tema na primeira Caravana Tribal Nordeste, realizada no Teatro Lima Penante em João Pessoa.


Em 5:50 minutos no vídeo acima mostra um pouco das tribos indígenas

José Reinaldo levantou a discussão. “As Tribos Indígenas não são Caboclinhos. Que são então?” E tomamos conhecimento que alguns estudiosos da cultura popular vão utilizar o termo Caboclinho Paraibano devido ao estudo A Missão de Mário de Andrade 1928-1929, pois o mesmo nunca utilizou o termo “tribo de índio”.[2]
A formação/disposição dos brincantes na avenida muda de tribo para tribo. Segundo Seu Perrê da Tupi-Guarani, em pesquisa realizada por Katarina Real-PE no período de 1961-1965[3], o grupo de João Pessoa que se instalou em Recife era distribuído trazendo à frente o Espião e os Guias. Em seguida vinham a Porta-bandeira, o Feiticeiro, o Rei e a Rainha. Os cordões de índios, ou Porta-lanças, e das índias, Machadinhas, seguiam em paralelo. Ao final a orquestra composta de duas gaitas, dois ganzás e três zabumbas.
Quem lê a emocionante descrição de Mário de Andrade sobre estes grupos poderá sentir e até visualizar a “formidável coreografia bruta” dos dançarinos. Danças com passos complicadíssimos, danças que atingem um “frenesi dionisíaco espantoso”. Descrevê-las é inteiramente impossível. Danças como o Pisa-uvas, Passo cruzado, Tombo, Macumba, entre outras.
Já segundo Seu Francisco, mestre da Tribo Papo-Amarelo, em 1954, ainda segundo pesquisa realizada por Katarina Real, o grupo era assim distribuído: à frente Espião e Baliza, em seguida o Tuxáu (Mestre), o guarda-de-honra. Do outro lado o contra-mestre e mais um guarda-de-honra. Ao centro o porta-bandeira e o cordão com cerca de 20 brincantes. Ao final a orquestra com uma gaita, quatro bombos, um gonguê, um triângulo e um caracaxá. As danças são conhecidas como Tombo de Lado, a Morte, a Macumba, Dança do Sapo, entre outras.
Ou seja, cada tribo tem sua particularidade, sua riqueza, sua linha. Sociologicamente, a vida das tribos é parecida com a dos caboclinhos, talvez um pouco mais ligada às atividades religiosas.
Na Caravana Tribal Nordeste estudamos a adaptação do Tombo e da Dança do Sapo para o Tribal Brasil, incorporando elementos dessas movimentações à dança Tribal, conferindo um novo código repleto de tradição. Essa é uma constante no Tribal Brasil, trazer o novo, a modernidade, mas a partir das bases da tradição, transformando em outra linguagem.

Carla Brasil, Kilma Farias e Renata Camargo.

Trabalhar a identidade indígena no Tribal é reafirmar nossa brasilidade, reinventando-a a cada dança. Pensando nossa cultura como um processo constante de reinvenção, o índio que se inseriu com a colonização europeia também se insere na pós-modernidade, sendo ao mesmo tempo inserido nos processos de arte e produção cultural material pelos artistas de todo o mundo. Pensar essa tradução cultural indígena é reconhecer a importância de uma cultura imaterial, valorizando a pluralidade e a riqueza dessas expressões.


[1] Texto extraído do vídeo realizado em fevereiro de 2007, durante apresentação das tribos indígenas do carnaval tradição de João Pessoa. Acervo do Coletivo Meio do Mundo. Link: http://www.youtube.com/watch?v=hlRqckZdkFY

[2] Danças dramáticas do Brasil, v.2, São Paulo, 1959, p.179-199.

[3] Real, Katarina. O folclore no carnaval do Recife. Rio de Janeiro, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro,  1967, p.113-121.


http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/03/tribal-brasil-identidade-no-corpo-por.html





Tribal Brasil - Identidade no Corpo
_______________________________________
João Pessoa, Paraíba

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...