[Formação no Tribal] Carla Mimi Coelho e Samra Hanan falam sobre Paulo Freire

por  Ana Clara Oliveira

Convidadas especiais: Carla Mimi Coelho e Samra Hanan


Carla Mimi Coelho e Samra Hanan

(Fonte: @mm_mimicoelho @samra.hanan)

 

Durante o ano 2021 apreciamos na coluna “Formação” algumas contribuições do educador brasileiro Paulo Freire para o campo da Fusão “Tribal” e suas variadas vertentes. No referido ano, refletimos a partir de um documentário educacional, igualmente, tratamos os conteúdos relevantes e o currículo Crítico-Libertador. Em conformidade com o desenvolvimento desenhado, a presente matéria apresenta os pensamentos das professoras brasileiras, Carla Mimi Coelho e Samra Hanan, sobre o legado da pedagogia freireana na dança por meio da seguinte pergunta: de que modo você entende e/ou aplica os conhecimentos de Paulo Freire no campo do “Tribal”?

De modo didático, apresento as ponderações de Carla Mimi Coelho, em seguida, as reflexões de Samra Hanan. Agradeço, imensamente, a participação dessas convidadas que atuam com dedicação e responsabilidade no exercício artístico-educativo. Através das suas considerações, daremos início em 2022 a uma série de conversas com muitas professoras sobre suas metodologias. 

Carla Mimi Coelho:

O legado de Paulo Freire vai além das fronteiras, possui um profundo impacto no pensamento e na prática educacional pelo mundo todo. Ao meu entender, ele questiona as práticas do educar não expansivas, mais rígidas e reconhecidamente tradicionais de um passado não tão distante. Arrisco-me a afirmar que ele vai em oposição àquele mindset fixo, à ideia de que a capacidade de se absorver conhecimento ou aprendizado é fixa e não pode ser expandida além de um certo limite inato.

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” – Paulo Freire

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Nós enquanto criadores de uma LINGUAGEM, a dança, estamos em constante evolução e, ao ensinar nos transformamos e evoluímos enquanto professores/educadores, pois ensinar também é aprender. Quando estamos professores/educadores cabe a nós criar um espaço aberto, passível de diálogo, criando possibilidades e nutrindo a criatividade para que então o conhecimento seja construído. A imagem de um professor para mim atualmente é daquele guia que conduz o estudante de si e da linguagem por sua caminhada de crescimento e evolução.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)

Veja bem, nem sempre essa ideia de educação e aprendizado era clara para mim, pois vim de um sistema rígido de aprendizado da dança, onde talento era inato, algo que você tinha desde o nascimento ou não. Dentro da sala de aula que cresci frases do tipo “você pode querer a dança, mas ela não te quer”, “você nasceu para dançar”, “é talento”, eram constantes. E por isso nesta época podíamos ver histórias tão promissoras de dançarinos acabarem de forma frustrante, além de inúmeros casos de distúrbios psicológicos e traumas gerados dentro da sala de dança. Se você pensou aí nos clássicos filmes de dançarinas que sofrem trauma e adoecem, como em “Cisne Negro”, sim é essa dinâmica a que estou me referindo. E que bom que o discurso do diálogo, do aprendizado que permite a construção do conhecimento crítico, criativo e a aceitação de que há diferentes formas de se aprender e construir conhecimento adentraram também as salas de aulas de dança.

Assim, atualmente, vejo cada estudante como único, capaz de todas as criações e construções que se propor desta LINGUAGEM. Cada corpo que entra na sala de dança fala por si só, tem sua história, seu contexto, sua expressão. E quando apresentamos as técnicas de dança, claro seguindo uma agenda didática, há a abertura para o diálogo, para a aceitação e transformação do mover mediante às possibilidades que cada corpo oferece. Além disso, há diversas formas de absorção do conhecimento e desenvolvimento das possibilidades e por isso o respeito à cada um é um fundamento praticado entre aqueles que compartilham dança neste espaço.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Sei que a princípio, para muitos, isso pode parecer um tanto abstrato. Explanando de uma outra forma, quando em sala de aula, busco transmitir as técnicas de dança de várias formas tentando incorporar ferramentas que auxiliem o aprendizado pela escuta, tato, visão e movimento. Incentivo o nutrir de um autocuidado e a reflexão de si pontuando que uma mesma movimentação vai parecer diferente em cada corpo e que isso nos abre uma infinidade de possibilidades para se criar um mover próprio e único a cada um. A grande beleza da dança é que ela vai falar através de cada corpo de forma singular e cabe a nós nutrirmos a criatividade para expandir da técnica à expressão que cada um pode desenvolver.

Dentro deste nosso estilo, o Fusion Bellydance ou Tribal Fusion, a organicidade deste mover único é algo que se busca, fundamentado por uma base técnica que liberta cada um para a expressão própria. Cabe a cada um de nós professores/educadores e coreógrafos nutrirmos este espaço para a curiosidade, criatividade e exploração de novos caminhos para o mesmo movimento ou tantos outros novos. A beleza está não na reprodução de cópias mas na criação de uma LINGUAGEM que permite que cada um expresse o melhor de SI. E com isso crescemos e evoluímos todos juntos, descobrindo novos caminhos e novas movimentações, conduzidos sim pela técnica que permite, que liberta.

Samra Hanan:

Quando pensamos no nome de Paulo Freire logo nos remetemos à sua importante contribuição no Brasil e no mundo para a Educação Formal, em especial, a alfabetização e letramento de adultos. Porém, ao mergulhar na obra e fundamentos desenvolvidos por este grande educador brasileiro, podemos perceber que seu legado ultrapassa os muros da Escola e chega em qualquer ambiente onde se proponha uma construção de conhecimento, e por que não em nossas salas de aula de dança?


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Vou aqui compartilhar pontos em que vejo que os conhecimentos elaborados por Paulo Freire permeiam minhas práticas enquanto professora de Tribal Fusion, por vezes de forma sutil e filosófica, outras de ordem prática e metodológica. Mas antes peço que considere duas premissas: 1- A compreensão da DANÇA enquanto forma de LINGUAGEM; 2- A EDUCAÇÃO INFORMAL e NÃO FORMAL é aquele conhecimento produzido fora da "escola" sistematizada e institucional, assim englobando também nossas aulas de dança em academias e estúdios.


Agora sim, vamos adiante com nossa conversa. 


Um dos pontos que para mim são primordiais é reconhecer que cada aluno, aluna ou alune que entra em minha sala de aula tem uma história percorrida até chegar à minha frente, uma história que passa-se no corpo, uma história que tem ritmo e que precisa ser contada e ouvida para que a dança seja construída. Assim, a subjetividade de cada um deve ser não apenas respeitada, mas servir de ponto de partida e alicerce para a construção de uma Dança significativa, transformadora e por vezes libertadora. Com um olhar mais prático posso citar a importância de um levantamento histórico corporal autobiográfico. Já pensou como nossas lesões, brincadeiras escolares, práticas esportivas, vivência em outras danças e até em outras artes, nossa profissão e vida cotidiana influenciam na construção da sua dança?

Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Outro elemento visceral na minha vida de professora é a compreensão que o conhecimento [a dança] é uma construção coletiva, que se dá por meio do diálogo. Os alunos, alunas e alunes devem ter o espaço de fala garantido, assim como atuarem de forma ativa nas escolhas e no desenvolvimento da sua dança. Compartilhando com vocês uma prática que tenho no Simbiose: Todo início de ciclo fazemos um momento de conversa para a troca de expectativas [das alunas e minhas], autoavaliação do grupo e levantamento de sugestões de temas de aprendizado, e a partir desta conversa nós escolhemos o tema que irá nortear nosso próximo ciclo de estudos.


Poderíamos continuar por um longo tempo esta conversa, mas agradeço o espaço e finalizo por aqui minha contribuição com esta linda e forte citação, não esquecendo que deixo a porta aberta para quem quiser bater um papo sobre ensino e construção da dança, em especial Dança do Ventre e o Tribal Fusion. Até mais.


"A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa." Paulo Freire 


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


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Formação no Tribal


Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) .


Samra Hanan (São Paulo-SP)  é dançarina/professora/produtora em Dança do Ventre, Tribal Fusion, FCBD Style e Fusões com Danças Brasileiras. Formada em Educação Física pela USP-SP e pós graduada em Dança pela UFBA-BA, dedica-se ao universo das Danças Orientais desde 1998. 


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Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ...  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Resenhando-RS] Little Bits III

 por Anath Nagendra

Olá, galera!

Estamos prestes a terminar o segundo ano de pandemia, com a aparente estabilidade, já começamos a ver eventos presenciais voltando a acontecer em alguns lugares. Mas a pandemia ainda não acabou e 2022 promete ser um ano intenso.

Aqui no RS seguimos em ritmo lento, aos poucos vamos nos aventurando na volta aos palcos, mas os shows seguem, em sua maioria, em suas versões online.

Hoje lhes trago a Mostra Online de Tribal Fusion do Espaço Karine Neves: "Dançando (Re)Existimos", apresentando trabalhos desenvolvidos à distância durante tempos de quarentena. Segue um trecho da descrição:

"Não é só sobre ATIVIDADE FÍSICA, mas sobre autocuidado.

Não é só sobre AULAS, mas sobre trocas e fortalecimento mútuo.

Não é só sobre TELAS, mas sobre janelas abertas para a autodescoberta.

Não é só sobre DANÇA, mas sobre a arte de resistir, especialmente em tempos difíceis.

Dançando (re)existimos!" 



Além disso, rolou duo de Tribal Fusion na 24ª Feira do Livro de Cruz Alta, postado pela Letícia Barasuol em seu Instagram:

E para finalizar os Little Bits III, uma pequena vídeo-aula da Bruna Gomes, sobre leitura musical! Há outros vídeos curtos com dicas técnicas no canal da escola Al-Málgama. ;)

Desejo a todos, todas e todes um ótimo final de ano! E sigam com os cuidados sanitários na hora de se reunir com os entes queridos. ;)

Ano que vem voltamos e, com sorte, com muitos eventos presenciais!

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Resenhando-RS


Anath Nagendra (Esteio-RS) é bailarina, professora, coreógrafa e pesquisadora de Danças Árabes, Raja Yoga e, em especial, Tribal Fusion e suas vertentes. Hibridiza sua arte e percepção com grandes doses de psicologia, espiritualidade e ocultismo. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Fusion Brasil] Dança Afro como Dança Moderna Brasileira

por Kilma Farias


Nossas danças populares brasileiras me são percebidas como herança do processo de colonização. E, em se tratando das danças afro-brasileiras, as poéticas e estéticas trazem influências das referências dos bailarinos que trouxeram a Dança para as artes do espetáculo, palcos e teatros de revista.


Dessa forma, compreendo nossa dança afro-brasileira como uma dança Moderna Brasileira. Vamos lá!


Temos a compreensão de que um corpo que dança pode assumir diversas funções. Dançar em caráter social, dançar como ritual, dançar como entretenimento para uma plateia, dançar no palco enquanto obra de arte, dançar para protestar, dançar para celebrar, etc. Em síntese temos duas funções básicas da dança: danças de caráter social, danças para palco.


As danças populares serviam ao caráter social e, em 1851 a italiana Maria Baderna leva pela primeira vez uma dança popular ao palco do Teatro Santa Isabel em Recife-PE, fazendo o trânsito de caráter social para palco da dança lundu. O lundu chocou a sociedade da época que a considerou uma dança lasciva, dando origem ao termo “baderna” como sinônimo de escândalo.


Bem mais tarde, a russa Maria Olenewa (1927) ajuda a fundar a Escola Municipal de Bailado do Rio de Janeiro, participando ainda da criação da Escola do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Atos de fundamental importância para a dança enquanto área específica de arte e conhecimento.


Observem a influência europeia na construção da nossa dança brasileira. Quando essa influência não acontece de forma direta, acontece de forma indireta como veremos logo mais com outras referências.


O fato é que foi durante o Modernismo que as danças populares e afro-brasileiras ganharam evidência e incentivo para pesquisas.


Eros Volúsia

A primeira bailarina a dançar descalça no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, influenciada pela bailarina da dança Moderna Americana, Isadora Duncan, foi Eros Volúsia (1940). Eros também foi a primeira bailarina a sambar em sapatilha de ponta, sendo, na minha visão, a primeira a fusionar danças brasileiras com o balé em um palco de tamanho porte como o teatro Municipal do RJ.


Carmen Miranda

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Eros Volúsia, mas em Carmen Miranda com certeza já ouviu. Era na Eros que a portuguesa Carmen se inspirava com seus barangandãs e badulaques. 


Eros teve suas pesquisas financiadas pelo Serviço Nacional de Teatro, que fazia parte do movimento modernista, assim, Eros desenvolve uma espécie de balé brasileiro, o Bailado Nacional.

Chinita Ullman

Nessa mesma época, Mário de Andrade desenvolvia a Missão de Pesquisas Folclóricas no Norte e Nordeste brasileiro, registrando o que ele chamava de Danças Dramáticas. Dessa pesquisa, surge o espetáculo de dança Quadros Amazônicos com direção musical de Villa Lobos. Na direção coreográfica, Chinita Ullman.


Mary Wigman

Chinita era natural de Porto Alegre, e, distante do Norte e Nordeste, se via na missão de retratar figuras folclóricas como a Iara, Saci, Curupira, Boitatá, Mula sem Cabeça, etc. Pra completar, Chinita tinha sido aluna de Mary Wigman na Alemanha. Mary Wigman, por sua vez, foi discípula de Rudolf Laban, pioneiro da Dança Expressionista Alemã, Dança Teatro, e sistematizador do Método Laban de estudo do movimento.


Isso me leva a refletir que produzimos uma identidade de cultura popular idealizada, que forja uma dança moderna brasileira com traços da dança expressionista alemã.


E a nossa dança afro-brasileira?


Mercedes Baptista

Uma aluna negra de Eros Volúsia consegue o feito de ser a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ela é Mercedes Baptista (1950) e cria o balé de pé no chão.

Katherine Dunham

As influências de Mercedes vêm do candomblé e da Dança Afro Moderna Americana, pois ela foi aluna de Katherine Dunham quando fez residência nos Estados Unidos.


O termo Danças Afro-brasileiras vem com o aluno de Mercedes, Walter Ribeiro (1956) onde ele organiza movimentos por grupos; saltos, giros, deslocamentos, etc. Na minha compreensão ainda um trabalho de Mercedes Baptista, embora já em desdobramentos.


Hoje quando vemos um balé arfo como o corpo de baile de Daniela Mercury, por exemplo, podemos ter a certeza de que ali tem Mercedes Baptista, mas também Eros Volúsia, Chinita Ullmann, Maria Olenewa, Maria Baderna e tantas outras Marias que ousaram traduzir, fusionar, idealizar, recriar, badernar.


Hoje, no Fusion Brasil, quando fusionamos o Afro, honramos todas essas pessoas com seus saberes, corpos e ideologias, sabendo que nossa brasilidade foi construída através dessas pessoas e que nós somos mais um a colaborar com todo esse amálgama na construção de uma Dança Afro Moderna Brasileira.

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Fusion Brasil - Identidade no Corpo

Kilma Farias (João Pessoa-PB) é bailarina, professora, coreógrafa, produtora e pesquisadora na área da dança. É formada em Licenciatura em Dança e Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Ciências das Religiões pela UFPB, desenvolveu dissertação voltada para a relação entre presença cênica e espiritualidade na Dança Tribal.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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