por Natália Espinosa
Este artigo foi
escrito em sua totalidade por Natália Espinosa e de forma alguma reflete as
opiniões de Aerith Asgard e Aline Muhana.
Maria Fomina, da Ucrânia, utilizando traje de ATS® com
diversos elementos étnicos.
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Um assunto que tem estado muito em voga ultimamente (ainda
bem) é a questão da apropriação cultural. O que seria apropriação cultural?
Basicamente, trata-se de uma cultura privilegiada utilizar elementos de
culturas de povos oprimidos sem imprimir a eles o devido significado e sem
sofrer as represálias e preconceitos sofridos por quem é oprimido. Alguns
exemplos bem conhecidos do tribal seriam o uso de dreads e turbantes
tranquilamente por pessoas brancas como acessórios de moda, sendo que quando os
mesmos são utilizados por pessoas negras levam a uma interpretação pejorativa.
Quando consideramos o dress code do ATS® e até mesmo do
tribal fusion e da dança do ventre praticada no Bal Anat, é inevitável nos
depararmos com essa questão. Turbante, choli, jóias étnicas, bindis, harquus
(aquelas tatuagens faciais que fazemos com delineador ou lápis de olho, muitas
vezes sem nem conhecer o significado daqueles símbolos) e até mesmo os dreads
são parte de nosso dia-a-dia e a grande maioria das bailarinas, tanto aqui
quanto no exterior, são brancas ou lidas como brancas na sociedade em que estão
inseridas, ou seja, são pessoas que não sofrem preconceitos devido à percepção
do que seria sua “raça”. Nos EUA, onde essas fronteiras são bem delimitadas,
essa questão tem sido bastante abordada pelas dançarinas de Tribal Fusion. Kami
Liddle puxou essa discussão em seu facebook no ano passado, e muita gente
(inclusive eu) participou do debate. Algumas bailarinas escolheram não utilizar
mais alguns elementos étnicos em seu vestuário e houve até quem escolhesse não
dizer mais que faz dança tribal por crer que essa nomenclatura seria
desrespeitosa aos nativos norte-americanos, coisa com a qual eu, Natália
Espinosa, discordo completamente. Mas vamos voltar ao ATS®.
O nome American Tribal Style, Estilo Tribal Americano, já
está registrado e até agora não há nenhum tipo de esforço no sentido de alterar
o nome. As praticantes do estilo nos EUA, brancas ou não, não parecem se
engajar muito nessa discussão – pelo menos não na internet. Talvez seja por
causa se alguns fatores que eu gostaria de enumerar aqui:
- O dress
code do ATS® não representa nenhum povo específico – como mistura elementos
de diversas culturas, não constitui uma fantasia, um estereótipo de nada. A
imagem que associam ao nosso dress code é apenas, talvez, a de uma dançarina de
ATS® 😊
- Embora Jamila Salimpour, Masha Archer e Carolena
Nericcio-Bohlman sejam brancas, o ATS
não é uma dança das maiorias privilegiadas. É uma dança inclusiva,
realizada por mulheres e, mais recentemente, também por homens de diversas
etnias e na qual a tolerância e aceitação são estimuladas. A própria história
do ATS® está ligada à necessidade de uma dança do ventre que abraçasse as
mulheres fora do padrão.
- Nenhum dos elementos do dress code é utilizado levianamente. A ideia de Masha Archer, ao definir o figurino que viria se tornar o dress code do ATS®, era devolver a dança às mulheres, destacar o ventre sem erotizar a bailarina e proporcionar um ar régio e confiante. Masha buscou re-significar elementos étnicos, sem esvaziá-los de importância ou apagar sua relevância em sua cultura original.
A própria dança do ventre poderia ser
considerada apropriação cultural, se vista por esse prisma. O que é realizado
no ocidente com esse nome é, na verdade, uma amálgama de diversas danças com
propósitos e significados diversos, muitas vezes desconhecidos das dançarinas
ocidentais. Deveríamos então parar de dançar dança do ventre ou tribal?
Minha opinião é a de que não
podemos limitar a arte e sua evolução. Com o acesso à internet e a
globalização, isso se tornou, arrisco dizer, impossível. Em relação ao ATS® e
tribal fusion, temos que ter em mente que são danças ocidentais com influências
étnicas, e não são originalmente de nenhuma cultura de minoridades. Utilizamos
seus elementos, mas a maior parte de nós o faz com respeito e busca estudar de
onde vem, sua história, seu significado. Por isso o
estudo teórico se faz tão importante, para que não haja um esvaziamento de
culturas tão ricas e para que nosso contato com esses povos através de tais
elementos aumente o respeito e colabore para, de alguma forma, diminuir a
opressão e o preconceito que sofrem.
Outras leituras relacionadas:
Ultimamente estive me questionando muito sobre minha atuação e a relação com apropriação cultural.
ResponderExcluirTemos que ter uma percepção também para o que seria uma "interação cultural", que como a própria Natalia escreve, em meio a internet e o mundo globalizado, os processos de hibridação se tornaram quase impossíveis de não ocorrer.
Quando utilizamos referencias de uma cultura que não originalmente a nossa, mas que de certa maneira nos atrae, é preciso ter discernimento quanto a sua utilização tanto nas criações artísticas e mercadológicas. Apropriação, em algumas discussões que tenho tido, diz-se respeito ao consumo daquilo que culturalmente é menosprezado na sociedade, mas que, ao ser colocado em um outro indivíduo tido como privilegiado, se torna aceitável (sempre trago o exemplo da Capa Vogue, das mulheres brancas com turbantes africanos sem ter nenhuma negra entre elas).
Dentro da constituição das danças ATS e Tribal Fusion (ou, como tem sido nomenclaturado tbm como dança étnica contemporânea), os processos de fusão que ocorrem, não se fazem relação direta com a nossa cultura, mas que os praticantes e principalmente os profissionais que difundem essa ideia, necessitam de embasamentos teóricos e compartilhá-los, afim de não só "saber", mas de respeitar uma cultura e uma tradição que existiu e/ou existe e que elas têm outras maneiras de lidar socialmente.
Os processos de hibridação, ao meu ver, constituem novos pensamentos sobre essa nova sociedade tida contemporânea que tem sido construída a partir de referências anteriores, como uma junção de identidades ao qual cada indivíduo se vê próximo. Se perguntarmos para cada um, as coisas que lhe agradam e desagradam (digo em questões culturais e sociais), teremos aproximações e divergências, tornando cada indivíduo único, com suas particulares de gostos e desgostos. As identidades são múltiplas, não se encaixando somente em um único padrazinho (e que pode haver sim e não digo que é ruim), porém, percebo que as multifacetas tem se tornado mais fortes e serão os engajamentos para as novas sociedades.
Tenhamos respeito com as culturas! As nossas (que muitos nem conhecem) e as externas. Vivenciá-las quando possível, é importante. E aproveitemos o que tem perto da gente. O Brasil é rico culturalmente. Só ainda vive de forma provincial.
Obrigado Natalia e o blog pelo texto!
A Kilma Farias,por exemplo, trabalha lindamente o Tribal Brasil.
ExcluirMas, até então, não vi nada com a cultura do sul do país, ou do Norte... São processos que parecem distantes,mas que em corpo dançante se torna possível. :)