por Raphael Lopes
|
Alunas da Samra Hanan (com elementos de fusão indiana) |
"Meu corpo é o Templo de minha arte. Eu exponho-o como altar para a adoração da beleza."
(Isadora Duncan)
A dança é uma arte apaixonante e isso é incontestável. Seja para quem assiste, mas principalmente para quem a escolhe como sua ferramenta e linguagem, a dança é, sem sombra de dúvidas, uma das mais antigas e belas linguagens da Alma.
E para a Alma não existem fronteiras. Não existe Ocidente e Oriente. Desse modo Universal, a dança pode aninhar em seu colo qualquer anseio e desejo a ser expresso no palco.
O Ocidente tem uma história artística rica em influências: seja na literatura, moda, arquitetura, gastronomia, música e dança. O movimento de Fusão que parece ser novo e contemporâneo, na verdade, acompanha a história de nossa sociedade já há muito tempo.
E recuando ainda mais no tempo, chegaremos inclusive nas dominações colonizadoras do passado, onde a cultura dominante não apenas se sobrepunha sobre a cultura dominada, mas inclusive permitia-se fundir com certos elementos nativos justamente pela osmose, ou necessidade de preservar algo da estética original daquela cultura dominada e assim instilar-se pouco a pouco nas gerações dominadas.
E por que falar de história ou complicar tanto o raciocínio?
Simples: unicamente para ilustrar historicamente que a inovação por influência é natural na nossa história, de tal modo que a Fusão como conhecemos atualmente precisa ser entendida não apenas dentro dos moldes da dança, mas sim do comportamento social.
|
Teosofista Helena Blavatsky |
A influência do orientalismo sobre as danças ocidentais ganhou espaço a partir do começo do século passado, com o movimento conhecido como "Orientalismo", causado pelos escritos da escritora Helena Blavatsky (então líder espiritual da Teosofia), que traziam ao leitor do ocidente conceitos próprios do budismo e hinduísmo lidos pelo viés da Magia e Tradição do Saber Ocidental. E foi justamente o Teosofista George Arundale, juntamente com sua esposa, a bailarina Rukimini Devi Arundale, que fundou a famosa escola de Bharata Natyam, conhecida internacionalmente já em sua fundação em 1936, na cidade de Chennai - a Kalakshetra Foundation.
Esses escritos abriram as comportas para o movimento de contra cultural, que convergiram com os Hippies, Woodstock, e todo o reavivamento da busca pelo misticismo que explodiram nos anos 70 e 80. As culturas orientais ganharam mais espaço entre os meios "alternativos", e um intercâmbio cultural iniciou-se, desde então, de uma forma como nunca havíamos visto antes. Já era o prenúncio do mundo globalizado, onde as distância e diferenças, pouco a pouco, eram reduzidas entre culturas até então tão distantes ou até mesmo antagônicas.
Quando falamos de dança indiana, devemos nos reportar à um período ainda anterior a esse. Nas primeiras décadas do século passado o Bharata Natyam influenciou fortemente muitos bailarinos que arriscavam os primeiros movimentos dentro do que conhecemos como "dança contemporânea", vide a própria jornada dos expoentes da Kalakshetra. A técnica do Ballet (longilínea, alongada) encontrou por meio desses bailarinos uma nova oportunidade técnica, que em muito se assemelhava também com as técnicas marciais do ocidente: o uso da desconstrução do movimento, isolando movimentos e coordenando-os sob variados ritmos, e o uso do centro gravitacional a favor da performance. Fora a exuberância dos figurinos e da musicalidade.
|
A bailarina Rukimini Arundale |
Durante décadas, os bailarinos que se aproximavam dessas técnicas pareciam ter um nível de erudição fantástica em suas próprias técnicas e em dança num geral, de modo que a articulação que faziam sobre suas pesquisas eram sempre inovadoras, e nunca uma cópia ou leitura superficial de ambas as técnicas.
O Orientalismo era muito mais um baú de novidades do que um rótulo, coisa que infelizmente foi se perdendo com os últimos anos. Talvez até por conta de uma redução da erudição geral do homem atual (há 50 anos atrás, o nível cultural e social de um homem comum era sem sombra de dúvidas mais amplo do que do alienado homem atual).
Com a explosão da Belly Dance (que possui sua própria cronografia histórica e êxodo para o ocidente) e consequente surgimento das releituras conhecidas como danças tribais, o Fusion encontrou uma porta de diálogo com danças ancestrais e nativas, mas quase sempre unicamente pela perspectiva estética.
Como se a apropriação de elementos visuais ou sonoros bastassem para justificar a fusão, sendo que o que vimos historicamente sempre foi um entendimento basilar da técnica, enriquecendo a Fusão por "dentro" e não unicamente maquiando sua BellyDance com um visual evocativo do Oriente.
|
Yoli Mendez e a Gabriela Miranda, que arriscam certos elementos fusionados, sempre com muito estudo e respeito |
Não estou entrando aqui no mérito do classicismo ou ainda dos aspectos restritos às danças de caráter templário, estou sendo mais abrangente. Mas ainda assim existem aqueles que reduziram a Fusão à uma tentativa unica de recriar o exotismo dessas danças, e ai entramos nos abusos éticos e na deploração das danças, já discutidos nas postagens antigas.
A apropriação do movimento surge do estudo, da técnica, e de uma leitura pessoal oriunda da busca pessoal por novas formas de se expressar. A carga oriental é realmente um diferencial que um bailarino pode possuir, e quando ele for capaz de dar vida ao movimento, e não apenas repeti-lo de forma vazia, essa carga se tornará parte do repertório do bailarino.
Possamos todos nos abrir ao estudo, mas acima de tudo, que tenhamos em mente a busca pelo entendimento do movimento primeiramente pela óptica do próprio estilo de onde surge: quais regras para construí-lo no corpo e usá-lo em cena. De forma natural, o movimento precisa atingir sua beleza ao ser executado e essa deve ser a meta do bailarino comprometido com seu treinamento e estudo. Que as experimentações sejam, acima de tudo, dentro da sala de ensaios, pois tudo o que você dedicar e empenhar em treino se destacará em cena. Sendo autêntico, e sendo sua forma de se expressar.
Que nesse tempo frenético de Fusões e busca pela originalidade e diferencial, todos possam empenhar-se ao estudo, a reciclagem, e assim nos trazer o fascínio nos palcos.
Até a próxima,
Namaskar