[Venenum Saltationes] Non Serviam

 por Hölle Carogne


Hoje conheceremos e exaltaremos artistas que lutam por um mundo sem a figura cristã de deus, sem os dogmas da instituição igreja e sem as imposições do cristianismo.

Entre nós, neste 25 de dezembro, artistas que acreditam na potência dos corpos em oposição.


  


NÃO SERVIREMOS!!!

  

~ Começaremos com o relato da bailarina Keila Fernandes, de Curitiba/PR. Ela nos conta um pouco sobre uma de suas coreografias e sobre sua visão anticristã. Infelizmente, não há registro em vídeo desta performance.

Carla Lorentz Fotografia

“Criei a coreografia ‘A Queda de Lúcifer’ para o evento Underworld Fusion Fest de 2018, mas já pensava nela há algum tempo. 

A figura de Satã sempre me fascinou, principalmente por se tratar de uma figura opositora, que se posiciona não apenas contra o Deus cristão, mas contra toda a estrutura de opressão desenvolvida e alimentada pela igreja ao longo dos séculos.  

Carla Lorentz Fotografia

Minha interpretação de Lúcifer, nessa coreografia, teve muitas inspirações diferentes, tais como Satã de John Milton e o do satanismo ateísta. Além da minha perspectiva pessoal.

No espetáculo, Lúcifer apareceu inicialmente como O Portador da Luz, que após se rebelar contra Deus, foi expulso do Paraíso e, como forma de vingança, entregou ao ser humano a Luz do conhecimento, tornando-se Satã, O Adversário.

Carla Lorentz Fotografia

Minha abordagem, traz Lúcifer como inimigo de Deus, mas não da humanidade a quem ele deu a capacidade de questionar, duvidar e escolher. Então quis interpretá-lo mesclando elementos mais obscuros, como os chifres e os olhos, com elementos angelicais, que remetiam à luz, que por sua vez, a meu ver, representa o conhecimento e a liberdade. 

Carla Lorentz Fotografia

 

Release da coreografia

 Recusei-me a aceitar uma existência de obediência e servidão.

Recusei-me a negar o brilho de minha luz, minha real natureza.

Rebelei-me. Caí.

Tornei-me inimigo de um Deus que rejeita a natureza de suas criaturas, transformando seus anseios e desejos em pecados que merecem a punição.

Sou Lúcifer, o anjo. Hoje chamam-me o Dragão Vermelho.

Aquele que deu à humanidade a Luz do conhecimento.

  

~ Na sequência, a bailarina Gilmara Cruz, de SP, compartilha conosco suas vivências centradas na filosofia anticristã:

 

“Minha filosofia de vida é pautada no Anticristianismo desde a minha adolescência. Antes disso, eu frequentava a igreja por imposição da minha família, mas nos primeiros anos da puberdade, comecei a ter reflexões próprias e experiências que me levaram ao total afastamento. Passei a ter muito repúdio pela imposição violenta e invasiva que o Cristianismo, em geral, exerce na vida de todo o Ocidente. Temos como resultado dessa imposição o massacre de várias culturas e o silenciamento de diversos tipos de religiosidades, sem falar nos inúmeros assassinatos feitos em nome de Deus. E eu nem preciso escrever textão para demonstrar isso. Na universidade venho estudando as Práticas de Magia e Feitiçaria perseguidas pela Inquisição e pela igreja aqui no Brasil. Foi tema de minha pesquisa na Graduação, no Mestrado e agora no Doutorado, ambos em História. Sempre problematizando a imposição cristã sobre as práticas de magia. Minha posição na Dança não é diferente. No meu trabalho com essa arte, tenho lidado com temas ritualísticos, pagãos, ocultistas e obscuros e isso ficou mais presente e evidente nos últimos anos.

O primeiro grupo de Dança do Ventre que formei (2006) chamava-se “Amon-Ra”, fazendo reverência ao Deus pagão Egípcio. O segundo grupo que formei foi o “Ventre de Ísis” (2013), numa perspectiva pagã e ritualística. Apresentamos uma coreografia em que fazíamos uma evocação a Deusa Ísis. 

“Ó grande deusa Ísis

Deusa da fertilidade

Venha até nós com teu fogo

Que contém força

Dê-nos a água da vida

Deusa dos 10.000 nomes

Invocamos tua graça

Prestaremos esta homenagem a ti

NEHES NEHES NEHES!!

NEBIT ASSET !!!”

A minha primeira coreografia de Tribal Fusion abordou o Deus do Mar, transitando nas nuances das ondas e evocando sua força e poder, numa perspectiva totalmente pagã. Para mim, o paganismo sempre foi um lugar de oposição ao Cristianismo, uma vez que, tudo que não era cristão, era perseguido e demonizado sob a alcunha de “pagão”. Ser pagã é uma resistência! 

Em 2013 realizei a 1º edição do Solstício das Deusas. O próprio nome do evento já faz referência ao paganismo e os temas de cada edição sempre faziam alusão ao mundo pagão, místico ou obscuro. O evento, atualmente (2020), já está em sua 10º edição e já contou com edições que abordaram temas como: Thelema, Paganismo, Submundo e afins. 

 

 

Em 2014, apresentei um improviso ritualístico em homenagem à Deusa Hecate, a deusa das bruxas. A apresentação partiu de um ponto de vista evocativo através da dança:

 

Grande mãe da noite, Tríplice, bela e divina!

Venha até a mim nessa noite

Com suas tochas traga luz a meu ser

Com sua chave abra novas e belas portas.

Hoje dançarei a ti!

As velas e os incensos serão acesos!

Tu que reside em minha morada

Será sempre lembrada e celebrada!!

Salve ó Εκάτη !!!

  

Particularmente, a Deusa Hecate faz parte do meu mundo pessoal intensamente. Presente em meu submundo, de forma sombria e dolorosa, motivando-me a lidar com meus demônios interiores e minhas sombras. Suas tochas me guiam e suas chaves já me ajudaram a abrir diversas portas. Para ela já fiz diversas apresentações e performances com Dança. 

O mundo obscuro me apetece, equilibra-me e alimenta meu ser, e é outro ponto de oposição, visto que a nossa sociedade ocidental, muito influenciada pelo cristianismo, renega o lado escuro do ser humano. Entrar em contato com os aspectos sombrios nos proporciona poder, força e autoconhecimento. E isso é fundamental na busca pela evolução pessoal, coisa que o cristianismo limita, diga-se de passagem. 

Em 2015, juntamente com minha amiga de dança a Mary Figueirêdo (Trupe Mandhala), lançamos um vídeodança, abordando temas sombrios e místicos, intitulado “Evocações Ancestrais”: 

Em meio a mãe natureza duas almas adentram a caverna da sabedoria e mesmo na escuridão sedutora dos profundos mistérios, a essência ancestral feminina é evocada! Que esta colheita seja farta e prudente! Que os ventos tragam o frescor da liberdade e da vontade e que sobre nosso solo raízes fortes, seguras e nutridas brotem! Mergulhamos no abismo mais profundo da terra e da natureza para encontrar-nos com a nossa verdade e assim nos permitimos dançar com o movimento cósmico!

 


Em 2016 apresentei, pela primeira vez, a coreografia “Lilith, a Lua Negra”, que, através de um ritual obscuro, busquei trazer uma atmosfera sombria e poderosa, exaltando a rebeldia de Lilith em renegar a submissão, o patriarcado e o cristianismo.

 

Em 2017, organizei, juntamente com minhas alunas, o espetáculo “A descida de Inanna ao mundo inferior”, que abordava de uma forma pagã e sombria a ida de Inanna ao inferno encontrar a sua irmã Ereshkigal. Nesse espetáculo eu dancei Ereshkigal, a rainha do inferno e foi uma das coreografias mais marcantes em minha evolução pessoal. No mesmo ano apresentei a coreografia intitulada “A estrela da manhã”, que abordava um ritual a Lúcifer, em busca de entrar em contato com aspectos de luz e sapiência.


 

Muitos trabalhos foram feitos em parceria com outras professoras, e, também, com minhas alunas. A maioria com foco no lado sombrio e místico, como: “As bruxas de Salém”, “As divindades da natureza”, “Mãe terra”, “Deusa Morrighan”, “Evocação”, “Sol Negro”, “Odes a Pan”, “Yuki Onna”, “Summoning the Gods”, entre muitas outras. 

No momento caótico da pandemia, produzi alguns vídeos de dança, dentre eles duas performances valem destaque aqui: Jurupari e Alucarda.

 


Jurupari é um espírito/deus do povo indígena, filho do sol, muito cultuado por nossos ancestrais em terras brasileiras (região norte e nordeste, mais frequente no Alto do Rio Negro). Ele costumava avisar, através da magia onírica, quando estava por vir um mau presságio, e, também, era considerado o criador das flautas. Mas com a chegada dos portugueses, essa entidade passou a ser demonizada e associada ao mal, ao Diabo cristão. Os jesuítas deram a ele a característica de demônio. Nesta performance, busquei ritualizar a essa entidade em pleno Solstício de Inverno, baseado na atuação da natureza, no qual as noites são mais longas que os dias, e, consequentemente, a escuridão é maior durante esse período. Busquei o encontro com essa entidade sombria do submundo indígena, através de um ritual com características "pagãs", baseado na religiosidade indígena/brasileira (como uso de flauta, maracás e tambores), em um processo de descida ao meu mundo inferior. Além do caráter religioso/cultural e espiritual, trouxe também o político na tentativa de decolonização, ou seja, dissolução das estruturas de dominação configuradas pela colonização e desmantelamento dos principais dispositivos, que nesta ideia é o Cristianismo imposto em nossas terras. A apresentação visa defender a liberdade religiosa e tenta desconstruir a demonização atribuída às práticas antigas, escuras e nativas do nosso país. 


Alucarda, a filha das trevas, é um filme mexicano e trata de terror sobrenatural, blasfêmia e profanação. Dirigido por Juan López Moctezuma, conta a história de Alucarda, uma jovem amaldiçoada em seu nascimento, que residia em um convento religioso até que despertou forças demoníacas, agindo de forma profana, libertina e blasfema... Nesta performance, faço uma homenagem ao filme e à personagem Alucarda. 

Minha posição Anticristã na arte da Dança não é uma imposição religiosa e intolerante, pelo contrário, é uma posição em defesa da arte laica, livre e que tenha como princípio o respeito ao diferente.

Algumas dessas apresentações estão postadas em meus canais:

| Gilmara Cruz Stúdio Online

Mais sobre o meu trabalho no meu blog: https://gilmara-cruz.blogspot.com/


PELO FIM DA IMPOSIÇÃO CRISTÃ!!!

 

  

 

~ A bailarina Carol Freitas, de Brasília/DF, interpretou Lúcifer e compartilhou outros dois trabalhos, que ela considera “renegados”:

 

 

 

~ A bailarina Patricia Nardelli, de Porto Alegre/RS, incorporou o próprio Diabo nas performances Ayin (sem vídeo) e XV. Aprecie:

Ayin – Fotografia de Carolina Disegna

 


~ Bianca Brochier (Porto Alegre/RS) profanando as imagens cristãs e ensinando o que é a verdadeira santidade:

  


~ Finalizamos esta celebração com performances diversas, cuja temática envolve as várias faces do adversário.

É importante salientar que não tenho acesso às ideologias destas bailarinas.

Os vídeos foram escolhidos por serem representações do Próprio: o Lúcifer, o Satã, o Mefistófeles, o Capeta, o Coxo, o Nosferato, o Ronca e Tussa, o Sem nome, o Tinhoso, o Dois Chifres, o “Demonho”, Aquele que não se nomina, o Sete Cruzes, o Chifrudo!

 

Divirtam-se!

 

Ego Umbra (EUA):

Elizabeth Zohar (Israel):


Hölle Carogne (Porto Alegre-RS):

Irkutsk (Rússia):

La Catalina (Rússia):


Long Nu (Argentina):

 

Luna Atra (Ucrânia):


Maureen (EUA):


Hölle Carogne e Michelle Loeffler (Porto Alegre-RS)


Raven Ebner (EUA):

Zkauba (Rússia):


Hölle Carogne (Porto Alegre-RS):


Obrigada à todos que dividiram seus trabalhos com a Venenum e também aos que estão dispostos a conhecer outras formas de pensar!

 

Até a próxima profanação!

Hail Saitan!


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Venenum Saltationes

Hölle Carogne (Porto Alegre-RS) é  a alma por detrás do humano, do rígido. É curiosa, entusiasta e selvagem. Uma admiradora da arte, da dança, da literatura e da música.O "esquisito" a seduz. Seus poemas e seus movimentos estão impregnados de ideologias, de crenças. Compassos pouco convencionais, cheios de misticismo, de oposição, de agressividade.Ocultismo, caos e luxúria sendo mesclados às suas criações e retratados de forma crua, orgânica, uterina.


[Resenhando-PR] Paraná Mostra Online 2020 - PARTE 2

 por Esther Haddasa


Aqui estamos novamente, trazendo um breve registro das apresentações e eventos que aconteceram no Paraná.

Dando continuidade a primeira coluna desta série em quarentena, apresento os eventos do Instagram em duas categorias:

  •  Mostras: Lives Completas
  •  Amostras: Coreografias ou trechos de coreografias, estudos, e falas postados no Feed ou IGTV.

Das Amostras que preencheram com grande variedade nossas redes, destaco:

 

Mariáh Voltaire (Curitiba-PR) :


 

ISOLADO, Vídeo de 2011 para seu TCC em Artes Visuais. Postado em 22/10/2020

| Clique aqui para conferir no instagram |

 

MULHER ESQUELETO, Vídeo de 2013 Inspirado no livro Mulheres que correm com lobos. Postado em 02/10/2020

| Clique aqui para conferir no instagram |

 


Beth Damballah(Curitiba-PR) :

Beth Damballah, Curitiba-PR, criou uma série de vídeos curtos e montagens de fotos com o título A-COR-DAR:

·         A-COR-DAR, Vídeo de 12/11/2020, movimentações de fusion em uma linda fotografia. Inspirador.


| Link no Instagram |

 

·         A-COR-DAR, Vídeo/Montagem de fotos de 28/11/ 2020, explorando efeitos de Véu.


| Link no Instagram |

 


Keila Lopes (Cascavel - PR):



 
TÉCNICAS DE RESPIRAÇÃO, Vídeo instrucional de 07/07/2020.

| Link no Instagram |

 

Rossana Mirabal (Curitiba-PR) :

 


Rossana Mirabal, Curitiba-PR, fez do seu feed um palco de versatilidade: 

·         IMPROVISO LIVRE, Vídeo de 16/11/2020.

| Link no Instagram |

 


FRAGMENTO DE PERFORMANCE,
Vídeo de 04/11/2020, com uma linda produção de figurino e aquela leitura musical impecável cheia de energia e interpretação.

| Link no Instagram |

  

Breno Braga (Curitiba-PR) :

Tivemos uma Mostra Live de tribal Fusion sob o título Emotions, no dia das bruxas, com a Cia Pearls Fusion do mineiro Breno Braga que atualmente reside e atua em Curitiba –PR.

Breno foi o mestre de cerimônia, muito bem-humorado, montou figurino mix de Olhos Famintos/ It a coisa/ jogos mortais / Zorro (segundo ele próprio), encarnado neste personagem conduziu a apresentação das convidadas de forma entusiasmada e divertida.

 A estrutura da live foi dividida em breve relato da bailarina sobre sua vida, dança, tribal fusion seguida da apresentação coreográfica e comentários sobre a simbologia do sentimento interpretado.

Neste evento cada bailarina representou uma emoção.

Encerrando a Mostra tivemos a apresentação do anfitrião.

 


Bailarinas:

Cibelle Brathwaite, Danielle Dutra, Evelyn Siqueira, Flávia Lana, Sarah Valadares, Poliana Ribeiro, Wal Kika.

Os Link para assistir essa Mostra são:

| Parte 1 | Parte 2 |


E para finalizar nosso Tour Instagramico de eventos:

O Tribal Fusion ganhou destaque com uma montagem coreográfica do projeto Ouroboros representando as cores do deserto sob a direção da Professora Aerith Asgard e suas Valquírias.

O vídeo traz nuances da aridez, da densidade e também da fluidez desses desertos internos que construímos na quarentena.

Esse lindo trabalho também integrou, no dia 19/12/2020, o Espetáculo Cores, evento On line da Mov n`Art, Curitiba-PR.

O vídeo traz nuances da aridez, da densidade e também da fluidez desses desertos internos que construímos na quarentena.

 


Boas Festas, que 2021 seja criativo e dançante.

 

Inté!


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Resenhando-PR


Esther Haddasa (Londrina-PR) é mineira de Conselheiro Lafaiete, graduada em Moda pela Universidade Estadual de Londrina, membro fundadora da cia Caravana Lua do Oriente, formada em danças árabes pelo método da Escola Rhamza Alli – Londrina ,PR.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>


[Sankofa] Apropriação Cultural

  por Monni Ferreira

Ilustração por: Leandra Gonçalves

Olá meu povo! 

Chegamos com mais uma edição da coluna Sankofa e dessa vez vamos abordar um tema muito polêmico e recorrente na nossa cena. Então para começar a gente precisa saber o que realmente é essa tal “Apropriação Cultural” para então entender as suas consequências. 

Bem, quando falamos desse tema o que primeiro devemos entender é que a apropriação cultural não é sobre indivíduos, não é sobre você, não é sobre mim, é sobre o coletivo, sobre a sociedade como um todo. Dito isso devemos então questionar como esta mesma sociedade enxerga e avalia os mesmos elementos culturais quando aplicados em corpos negros e não negros, por exemplo. Neste texto vamos nos aprofundar nos elementos da cultura negra por questões óbvias para exemplificar como a apropriação cultural age de forma a apagar os significados e a demonizar o uso destes elementos em sua cultura original.

Então podemos definir apropriação cultural como sendo um fenômeno estrutural e sistêmico onde uma cultura adota elementos específicos de outra cultura distante dela, como objetos, vestimentas, costumes, símbolos, religião, entre outros, removendo o seu contexto original e assumindo significados divergentes, reafirmando a exotização dos elementos colonizados e a marginalização destes mesmos elementos quando inseridos na cultura apropriada.

Pensando nisso podemos destacar alguns clássicos da apropriação cultural:

  • Tranças e/ ou Dreads - uma pessoa não negra ao usar tranças e/ou dreads é vista como descolada, empoderada, fashion, porém uma pessoa negra usando as mesmas tranças/ dreads é vista pela sociedade como “suja”, desleixada e largada, pra não citar outros adjetivos pejorativos;

  • Turbantes - uma mulher branca usando turbante é estilosa, enquanto que uma mulher preta usando o mesmo adorno é apontada como macumbeira, no sentido mais negativo da palavra;

  • Estampas étnicas - um homem branco usando uma roupa com estampa étnica é visto como elegante e ousado, já um homem negro usando uma roupa com a mesma estampa étnica é chamado, em São Paulo, de "baiano" e, no Rio de Janeiro, de "paraíba" , exaltando negativamente o uso dessa vestimenta.

 

De maneira didática o artista Diogo Soares explica como funciona a lógica da apropriação cultural através da tirinha de sua série “A vida moderna de Djinn”:

A apropriação cultural existe porque há toda uma estrutura social racista que considera como superior uma cultura em relação as outras. Neste processo estereótipos racistas são alimentados e elementos culturais são comercializados muitas vezes sem o consentimento dos indivíduos que pertencem a esta cultura. Aqui ainda vale um questionamento quanto ao que recebem em troca aqueles que pertencem a cultura que foi apropriada, se existe verdadeiramente um ganho por conta desta interculturalidade.

Devemos pensar nisso, pois em alguns casos a apropriação cultural não está relacionada exclusivamente ao desrespeito com uma cultura, mas também ao quão lucrativo um elemento ou símbolo apropriado é e quanto deste lucro efetivamente chega para os membros desta cultura. Entender como este sistema funciona é de vital importância para evitar que elementos de identidade social e cultural sejam invisibilidade e esvaziados de seu significado perdendo assim a sua essência muitas vezes de resistência e luta.

Campanha Arezzo Verão 2009 com as atrizes Claudia Raia, Mariana Ximenez e Patrícia Pillar

Desfile do estilista Marc Jacobs em 2016 com modelos desfilando com dreads coloridos.


Daniela Mercury usando peruca black power como fantasia no Carnaval de Salvador em 2017

Um ponto também importante a se considerar é que apropriação cultural não é intercâmbio cultural uma vez que não há o elemento de dominação em relações de intercâmbio entre pessoas de diferentes culturas. Também não devemos confundir a apropriação com a assimilação cultural que ocorre da incorporação de elementos de uma cultura dominante por parte de um grupo social marginalizado como forma de sobrevivência, ocasionando até a extinção da cultura que foi dominada. Talvez isso te lembre alguma História… mas este tema fica para um outro texto, ok?! 😉

Mulheres Masai, tribo do Quênia e norte da Tanzânia.


Então uma mulher negra que alisa o cabelo está fazendo apropriação da cultural branca?

Meu povo, isso faz algum sentido na cabeça de vocês? Sinceramente eu espero que não, pois onde está definido que cabelo liso é exclusividade de pessoas brancas? Povos indígenas, asiáticos e indianos apresentam esta característica e não são brancos, correto? Então não podemos pensar que o cabelo liso é um elemento cultural de povos brancos europeus. Inclusive o historiador e antropólogo Cheikh Anta Diop afirma em seu artigo “A origem dos Antigos Egípcios” a existência de pessoas negras de cabelo liso na África, os povos núbios, e na Ásia, os dravidianos. Muitas das argumentações de Diop foram baseadas em análises de documentos escritos, imagens e material arqueológico que comprovam que a civilização do Egito antigo era composta por pessoas negras. 

Criança núbia



Escultura de guerreiros núbios do Egito antigo.



Acredito que aqui ainda vale a reflexão de que muitas vezes a mulher negra precisa alisar o cabelo simplesmente para conseguir um emprego, então nem sempre é sobre uma questão estética ou de gosto pessoal. Falar sobre apropriação racial consiste também em rever privilégios e todo um mecanismo que alimenta uma estrutura racista que há anos desumaniza e silencia a existência de povos que não correspondem ao padrão eurocêntrico e norte americano.

 

Mas afinal, eu posso ou não posso usar trança/ turbante/ dreads/ roupas étnicas e etc.?

A resposta para essa pergunta é muito simples: você pode usar o que quiser! O corpo é seu, correto?! Nem eu, nem nenhuma outra pessoa negra será fiscal do que você ou qualquer pessoa não negra pode usar. A verdade é que a apropriação cultural não é uma questão sobre usar ou não usar tranças/ turbante/ dreads ou qualquer outro elemento característico de uma cultura, a questão geralmente envolve o poder sobre alguma coisa e o medo da censura, por essa razão que pessoas não negras sempre questionam se podem ou não usar algo que talvez nem faça sentido ser usado por elas.

O debate quanto a apropriação cultural deve ser maior do que usar ou não usar um adorno como peça de moda, pois existem culturas que foram e continuam sendo massacradas e condenadas em nome de um padrão estético. Por isso é sempre importante pesquisar os significados por trás dos elementos que pertencem a uma cultura bem como os desafios que enfrentam os povos desta cultura.

Mais uma vez... Apropriação Cultural não é uma questão individual, não é uma crítica sobre o que pode ou não usar uma pessoa não negra, não é sobre escolhas de símbolos e afins, mas é sim sobre respeito ao significado e conexão com valores coletivos.

 

E o ATS® / FCBD®Style/ Tribal Fusion são exemplos de apropriação cultural???

 

Bem, aqui precisamos ser didáticos:


  1. Usa vestimentas específicas que provavelmente carregam significados até complexos para um grupo ou povo específico?

  2. Usa adornos e ornamentos como parte do figurino, mas que originalmente são de uma cultura específica?

  3. Imita características físicas que servem como identidade cultural de um grupo de indivíduos, como por exemplo dreadlocks, tranças afro, etc.?

  4. Transforma rituais, tradições, danças típicas ou qualquer elemento com significado cultural, mesmo que “adaptado” ou “modificado” ou “inspirado”, em algo comercial onde os lucros não chegam aos povos originários?

 

Se você respondeu SIM para as perguntas acima, então eu não preciso dizer mais nada, não é mesmo?!


Mulheres da tribo Rabari na Índia


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Sankofa

 
Monni Ferreira (São Paulo-SP) entrou para o mundo da dança com 10 anos de idade e durante toda a sua trajetória nesta arte teve a oportunidade de vivenciar diferentes estilos de dança, como: árabes, contemporâneo, afro, moderna, street dance, brasileiras, flamenco, indiana, ballet, entre outras.Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

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