Quantas vezes nos pegamos assistindo uma apresentação de Tribal e pensando “Uau! Isso que ela está fazendo é tão diferente de tudo o que já vi!!" ou então “Nossa, a dançarina tal tem umas coisas que só ela faz, é algo DELA”? E quantas vezes nos vimos assistindo uma apresentação em que nos sentimos conectadas com cada passo da dançarina que quase dançamos junto na nossa cabeça? Qual a diferença entre esses dois tipos de obras coreográficas? Uma é melhor do que a outra? Essas são algumas das perguntas que vamos tentar responder neste artigo.
Nos estudos teóricos do campo da Dança, existem dois conceitos muito imbricados mas que nos levam a caminhos bem diferentes na criação de uma obra coreográfica. Eles são a composição coreográfica e a pesquisa de movimento.
Podemos entender como composição coreográfica o processo de organização dos códigos já inseridos no corpo de quem o cria. Assim, quando criamos uma obra partindo do ponto da composição coreográfica, pegamos os passos que já conhecemos e dominamos, geralmente de uma modalidade (ex: shimmy, batida lateral, ondulação de coluna e etc), e os organizamos de uma maneira específica. Seja numa camada da música, na contagem do pulso ou qualquer outro caminho que a dançarina escolher. Eu estou compondo, pegando os elementos e criando algo que será apresentado.
Pesquisa de movimento é um processo mais longo, anterior à composição coreográfica e que exige um maior investimento de tempo para a criação da coreografia pois nele partimos para uma investigação de movimento, construindo e reconstruindo códigos corporais. Diferente do que possa parecer, nós não partimos “do zero” numa pesquisa de movimento, uma vez que os códigos que conhecemos e dominamos fazem parte de nossa corporeidade e da nossa forma de mover. O que fazemos aqui é uma busca por percorrer diferentes caminhos nessas inscrições corporais. O passo torna-se insumo, torna-se base para “uma coisa outra” que irá surgir. A composição vem em um segundo momento, quando eu organizo os resultados da pesquisa de movimento em uma obra.
E qual é o melhor caminho a ser seguido? A resposta aqui é bem simples. Aquele que for mais interessante para você! O estudo teórico da Dança não tem como objetivo delimitar “passos a serem seguidos” ou criar regras gerais para o fazer artístico em dança. O que ele nos propõe são ferramentas que visam potencializar a criação. Com essa reflexão buscamos mostrar que existem caminhos diferentes que você pode escolher o que melhor se adequa a sua coreografia.
Buscando Referências
Um caminho que pode ajudar a identificar o que você está buscando é apreciar coreografias de outras dançarinas, destacando o que mais te chama nessas obras. Esse é um bom termômetro para o seu estudo. Note que não se trata de copiar outra dançarina, mas sim compreender o que você admira no trabalho dela e que pode servir como um parâmetro investigativo na sua criação. Para fins de exemplificação, vamos analisar duas obras de dançarinas muito conhecidas, identificando se a obra trata-se de uma composição coreográfica ou pesquisa de movimento. Por favor, assista o vídeo antes de ler a análise, se necessário volte ao mesmo para tentar identificar os pontos destacados.
"Glide" por Rachel Brice | Intérpretes: Rachel Brice, Danielle Elizabeth, e Tabra Bay.
Em “Glide” (“deslizar” ou “planar”) podemos observar que trata-se de um trabalho que parte da composição coreográfica para sua criação. Apreciando a coreografia é possível identificar que todos os movimentos fazem parte do repertório do Datura Style (criado pela coreógrafa). Esse tipo de criação exige uma limpeza e alto nível técnico em sua execução. Observe que a dramaturgia está presente na obra, e o aprofundamento investigativo é tão necessário quanto numa pesquisa de movimento, uma vez que não se trata apenas de juntar passos. Nesse tipo de construção, pontos de execução como espaço, forma, dinâmica e ritmo serão cruciais para as alterações nas qualidades do movimento. Vale ressaltar que é mais difícil imprimir sua identidade nesse tipo de processo de criação, uma vez que se apropriar de uma técnica a ponto dela “ser você” e vice- versa demanda muito tempo de treino e dedicação. Esse é o caminho de criação que mais identificamos na cena brasileira, e como referência na composição coreográfica do Tribal Fusion podemos citar a dançarina Mariana Quadros.
"March" por Tiana Frolkina | Intérpretes: Dragonfly Tribe
A obra "March" (“Março”) da dançarina e coreógrafa Tiana Frolkina é um exemplo de trabalho desenvolvido a partir de pesquisa de movimento. Ao apreciar a obra com bastante atenção, podemos identificar que além de uma dramaturgia bem definida, a obra apresenta uma identidade coreográfica muito peculiar. Mais do que uma junção de movimentos, conseguimos identificar padrões da estética Tribal associados a movimentos bem incomuns e a gestos do cotidiano como o ninar o bebê, a oração, o tecer e o tocar um instrumento de corda. A obra te leva para muitas cenas, uma das “marcas registradas” do trabalho de Tina Frolkina.
Em 2018, tivemos a oportunidade de estudar com a mesma esta coreografia (quando Luisana trouxe-a à Argentina). Ao compartilhar seu processo de criação, Tiana nos contou que ele envolveu a observação dos movimentos das mulheres camponesas durante as 4 estações do ano. O frio e o calor, o semear e o colher, o parir e o envelhecer, o cozinhar e o cuidar foram algumas das qualidades que ela se inspirou para produzir a obra. Sem sair da estética Tribal, a coreógrafa imprimiu todas essas informações na sua pesquisa de movimento. Na cena Tribal brasileira, temos como referência na pesquisa de movimento a dançarina Paula Braz.
E a Fusão com outros estilos?
Esse é um caminho mais complicado de analisar que o anterior, pois a dançarina precisa dominar as duas técnicas que se propõe a fusionar para desenvolver um trabalho de excelência. O grande problema desta questão é o tempo e dedicação que são necessários para que os códigos sejam devidamente dominados pelas intérpretes. Os “recorte e cola” ficam bastante evidentes quando utilizados em uma obra. Geralmente é por meio da composição coreográfica que caímos nesta falha, pois partimos da premissa de junção de passos para a criação. Acreditamos que este é um dos pontos-chave para compreender os problemas da apropriação cultural que estão tão evidentes nos dias de hoje (mas isto é assunto para um outro artigo). Apresentaremos em seguida um trabalho de fusão que nos evidencia essa diferença entre ter propriedade das modalidades ou não.
Na obra colaborativa “Tanta Flores”, podemos identificar duas dançarinas de Tribal que se especializaram em uma segunda modalidade de dança e resolveram colocar as suas fusões para dialogar. Observem a propriedade da Salamanca com o Gypsy Flamenco e da Chappell com o Odissi. Quando uma se propõe a fazer uma movimentação da estética da outra, salta aos nossos olhos a diferença técnica, evidenciando quando a dançarina está fazendo a sua fusão e quando ela apenas imita a outra, sem a mesma propriedade. Isto não é um problema para a obra em questão, pois a proposta das intérpretes-criadoras foi o diálogo entre as técnicas e não o fusionamento em si. Mas se você está desenvolvendo um trabalho de fusão, é importante refletir sobre esse lugar de apropriação técnica antes de qualquer coisa. Como referência na pesquisa de fusão brasileira podemos citar a dançarina Kilma Farias com o Tribal Brasil.
Conclusão
Buscamos apontar as diferenças entre uma obra coreográfica que trilha o caminho da composição coreográfica em seu processo criativo da que segue pela pesquisa de movimento. Apresentamos de forma sucinta a diferença entre esses dois caminhos criativos, trazendo exemplos de obras de coreógrafas renomadas na cena Tribal internacional. Também buscamos refletir sobre a questão da fusão, destacando a importância do aprimoramento técnico nas duas modalidades para uma fusão de excelência,
Esperamos com esse artigo, que dançarinas amadoras e profissionais sintam-se instigadas a refletir como estão criando suas obras coreográficas e que desperte a curiosidade de experimentar esses diferentes caminhos. Gostaríamos de inspirar dançarinas a fazer algo totalmente diferente do que estão acostumadas, ao mesmo tempo em que se aprofundam com mais propriedade no que já fazem hoje. Acreditamos que nossa cena tem muito espaço para diferentes produções artísticas e o estudo das teorias do campo da Dança podem nos auxiliar a alcançar novos direcionamentos e amadurecimento da cena enquanto uma manifestação artística.
Thaisa Martins (Rio de Janeiro-RJ) é graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ, junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>
“A ignorância não tem um
começo, mas tem um fim. O conhecimento tem um começo, mas não tem fim.” É com
essa frase de B.K.S. Iyengar que iniciamos nossa proposta de hoje.
No Yoga, muito ouvimos sobre o autoconhecimento adquirido
devido a prática. Porém, autoconhecimento pode parecer algo distante e
inatingível. Aplicaremos, então, um vocabulário um tanto menos amedrontador. A
auto-observação ou autoestudo. Segundo a tradição do Yoga podemos encontrar a
denominação svadhyaya, um dos niyamas (Observâncias internas) que nos
permite traçar nossas características para facilitar a convivência com o seu
ambiente interno e externo.
Estudando nosso corpo e como ele responde a estímulos,
ações e situações faz com que tenhamos mais cuidado com ele, ou saibamos o
quanto é possível ir. Por exemplo, nas ações físicas pré-determinadas como,
posições de yoga ou movimentos na dança, temos as famosas válvulas de escape.
Estes são mecanismos compensatórios que ocorrem quando não conseguimos
estabilizar alguma parte do corpo, podendo ser devido ao excesso de mobilidade
ou restrições musculares, padrões de movimentos em repetição que causam vício
ao indivíduo ou até mesmo a própria falta de atenção. Ao utilizar da
auto-observação, minimizamos os efeitos das válvulas de escape, localizando-as
e ativando as ações necessárias.
Os estudos também nos levam a entender melhor o que nos
diferencia do outro, ao mesmo tempo em que é possível entender o ambiente que
nos influencia de alguma forma. Entender o porquê de outras culturas, seres e
até mesmo o clima tem um papel importante na individualidade de cada um.
Compreender sobre o que nos constitui facilita
a forma de aprendizado na dança, entre outras áreas. Percebe-se que o que
funciona para você, pode ser diferente do que funciona para outra pessoa. O que
traz mais tolerância no nosso meio. Observar mais faz com que tomemos decisões
mais acertadas e faz com que o caminho para nossos objetivos seja mais linear.
É
importante ressaltar que toda observação deve se resultar em uma ação, para que
possamos seguir em frente. Aprendendo com erros e acertos, com a dor e a
alegria, com a raiva e o amor.
Natane Circe (São José do Rio Preto-SP)é bailarina e professora de Tribal Fusion, atuando também como instrutora de Hatha Vinyasa Yoga, na qual é formada desde 2013 no curso reconhecido pela Aliança do Yoga. Também é praticante de Ashtanga Vinyasa Yoga e estudante da filosofia védica, entre outras vertentes do yoga. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>
Nossa entrevistada do mês de Novembro é a poderosa Monni Ferreira, artista que fusiona diferentes linguagens em sua dança, como contemporâneo, danças urbanas e afro-brasileiras. Monni compartilha com a gente sua história, conquistas, lutas e muito mais! Bora conhecer mais sobre essa deusa do agito? Boa leitura!
BLOG: Conte-nos sobre sua trajetória
na dança do ventre/tribal. Como tudo começou para você?
Bem,
eu sou nascida e criada em Salvador (BA) e lá foi onde eu me apaixonei pela
dança. Minha primeira aula foi aos 10 anos de idade, eu estudava numa das
poucas escolas públicas que tinham atividades artísticas extracurriculares e
tive a sorte de encontrar no meu caminho uma professora incrível que me ensinou
a importância da arte na nossa formação enquanto indivíduo. Professora Isabel,
como carinhosamente a chamo até hoje, sempre se dedicou ao ensino da dança, mas
as suas aulas ensinavam muito mais que alongamentos e coreografias, a gente
aprendia também sobre ética e cidadania; foi com ela que descobri não só a
dança, mas também o teatro musical. Baiana que sou, foi com a mistura do Brasil
com o Egito que eu tive o meu primeiro contato com algo próximo ao que seria a
dança do ventre.
Anos
depois, já estudando na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb/SecultBA),
eu fiz uma aula experimental com o professor Rafael Jones e me encantei com
essa dança. Por conta de outras atividades eu acabei parando com as aulas de
Rafael, mas voltei para a dança do ventre em 2008 com a professora Lory Rabie
onde permaneci até minha mudança para São Paulo. Foi com Lory que tive o meu
primeiro contato com o Tribal através de algumas movimentações que ela trouxe
para as aulas.
Naquela
época a gente não tinha acesso à internet como temos hoje, então eu só vim
conhecer professoras do estilo em Salvador quando eu já estava morando em outro
estado. Em 2011, já em São Paulo, eu comecei a estudar oficialmente o estilo
tribal com a professora Rebeca Piñeiro que algum tempo depois lançaria a escola
e festival Campo das Tribos.
BLOG: Quais foram as professoras que
mais marcaram no seu aprendizado e por quê?
Que
difícil essa pergunta (rs). Eu sempre gostei muito de estudar então durante a
minha trajetória eu tive a oportunidade de aprender com muitos profissionais da
dança. Certamente eu vou esquecer algum nome (e eu já peço desculpas por
isso!), mas vou tentar lembrar de uma forma cronológica para facilitar.
Já
falei da Professora Isabel, a minha primeira professora de dança, que foi a
grande responsável por essa minha paixão que é dançar. Marília Galvão foi a
segunda professora que marcou a minha trajetória, pois foi ela que me
apresentou a dança contemporânea e foi com ela que eu amadureci como bailarina.
Meu saudoso Mestre King, minha referência em dança afro. Isis Carla minha fonte
de inspiração nas danças brasileiras. Rafa e Lory que me conectaram com a dança
do ventre. Rebeca que foi minha primeira professora de Tribal e ATS®. Najwa
Zaidan que me reconectou com a dança do ventre. Todas as mestras que me
ensinaram tanto durante o curso técnico em dança. E Marlon Vila Nova que incrivelmente me fez
apaixonar pelo ballet depois dos 30.
Monni com Marília Galvão, Mestre King, Isis Carla, Najwa Zaidan e Rafael Jones
BLOG: Além da dança tribal você já
fez ou faz mais algum tipo de dança? Há quanto tempo?
Minha
primeira formação foi em dança contemporânea, mas eu já fiz outros diferentes
estilos. Em Salvador tive a oportunidade de estudar dança afro na escola de
dança da Funceb, uma das maiores referências em dança no Brasil, e onde eu
também comecei a estudar dança do ventre e brasileiras. Além destas eu
também me aventurei no teatro musical. Quando comecei o curso técnico em dança
eu já estudava o Estilo Tribal, então tomei como linha de pesquisa as bases
deste e fui me aprofundar nas danças indianas e flamenca, além das danças
árabes que eu já fazia. O ballet apareceu neste período como uma obrigação por
fazer parte da minha grade curricular, mas acabou que eu me apaixonei e percebi
uma melhora significativa na minha dança, então não parei mais. Neste meio
tempo eu conheci um pouco mais das danças urbanas e deste então sigo estudando
as diferentes vertentes deste estilo.
BLOG: Quais foram suas primeiras
inspirações? Quais suas atuais inspirações?
Eu
sou completamente apaixonada pelo legado de Isadora Duncan, Martha Graham, Pina
Bausch e Angel Vianna. No Tribal minha primeira inspiração foi Ebony Qualls. Eu
lembro do primeiro vídeo que assisti dela e da mistura de sentimentos que eu
senti naquele momento. Era a primeira bailarina negra que eu assistia dançando
Tribal Fusion e para mim foi como se eu recebesse um recado dizendo "ei
garota, você também pode dançar isso sendo você mesma". Depois desse vídeo
eu comecei a pesquisar por mais mulheres pretas dentro do tribal e foi então
que eu conheci o trabalho da Donna Mejia. Que mulher incrível! Hoje sigo
apaixonada por elas duas e ainda tenho como inspiração no estilo os trabalhos
de Piny e de todo o grupo Orchidaceae, Jill Parker, Julieta Maffia, April Rose,
Luisana e das brazucas Paula Braz, Jessie Ra'idah, o grupo Resistência
Bellyblack e tantas outras mulheres maravilhosas como as minhas queridas
parceiras de Mahapsara e de tantos outros projetos: Raquel Coelho, Dany Anjos e
Mari Garavelo.😍
Monni com Jill Parker, Ebony Qualls e Julieta Maffia
BLOG: O que a dança acrescentou em
sua vida?
Nossa,
eu acho que de tudo um pouco. Com a dança eu aprendi sobre ética, humanidade,
responsabilidade, acolhimento, disciplina...
Além
disso, foi a dança que me apresentou pessoas e histórias incríveis. Sou
extremamente grata a esta arte por me proporcionar tais encontros nesta vida.
BLOG: O que você mais aprecia nesta
arte?
Acho
que a experimentação, o fato de me permitir ser e criar. No Fusion trabalhamos
muita a consciência corporal e nos permitimos ir muito além do que é orgânico.
Nos desafiamos a cada movimentação e descobrimos a nossa força interior através
da dança.
BLOG: O que prejudica a dança do
ventre e como melhorar essa situação? Você acha que o tribal está livre disso?
Acho
que as chamadas "panelinhas" e, principalmente, a falta de
oportunidades. Como bailarina negra e nordestina eu vejo que o mercado da dança
do ventre ainda vende um padrão eurocêntrico que não condiz com a realidade dos
corpos brasileiros. Bailarinas do Norte e Nordeste ainda são desconhecidas pelo
grande público e muitas vezes precisam deixar as suas regiões de origem para
conquistar um lugar ao sol. Além disso o corpo negro dentro deste estilo ainda
é visto como fora do padrão. Isso é desanimador demais, cansa!
De
forma alguma o cenário tribal está livre disso. Na verdade, o que observamos é
exatamente uma cena espelhada a da dança do ventre, só que um pouco mais
restrita e, até mesmo, camuflada numa falsa filosofia de tribo. Vou deixar aqui
para reflexão sobre este ponto:
Quantas
bailarinas nordestinas você viu estampando um evento da região Sul ou Sudeste
nos últimos anos?
E quantas bailarinas pretas você viu nesses mesmos
cartazes?
BLOG: Você já sofreu preconceitos na
dança do ventre ou no tribal? Como foi isso?
Sim,
inúmeras vezes. Quando me julgam pela minha aparência, quando esperam de mim um
mesmo tipo de performance caricata, quando não possibilitam o meu acesso a
aulas e eventos. Aqui acho importante ressaltar que o preconceito, bem como o
racismo, nem sempre vai se manifestar através de uma ação direta e
violenta.
BLOG: Houve alguma indignação ou
frustração durante seu percurso na dança?
Sim,
infelizmente. Eu comecei a dançar ainda muito pequena e quando criança a gente
sonha e cria muitas expectativas pra vida, comigo não seria diferente. Por
exemplo, quando pequena eu sonhei em ser uma bailarina profissional de ballet,
mas este estilo não se apresentou de forma amigável para mim num primeiro
momento. Durante muito tempo eu fui a fora do padrão, a que sempre ficava no
fundo, a que nunca poderia errar pra não chamar mais atenção. Nesse processo a
gente vai crescendo tentando se encaixar em um padrão e essa caminhada é tão
dolorosa e solitária que muitas de nós desistem no caminho. Eu desisti algumas
(muitas!) vezes, mas tive a sorte de encontrar forças dentro de mim mesma para
voltar e continuar.
Acho
que hoje a minha maior frustração ainda é chegar num evento de dança e me vê
ali como a única bailarina preta. Isso sempre me faz pensar em quantas irmãs
ficaram pelo meio do caminho.
BLOG: E conquistas? Fale um pouco
sobre elas.
Monni com o grupo do Intensivo Coreográfico e Piny Orchidaceae
Uma
grande conquista para mim foi a realização do curso técnico em dança. Este era
um sonho antigo meu e quando eu já nem imagina mais fazer a oportunidade surgiu
e eu finalmente consegui me formar em dança. Também destaco um 3º lugar (com
sabor de 1º!) no concurso solo tribal feminino no Festival Shimmie Rio de
Janeiro em 2016. Algumas apresentações também foram grandes conquistas para
mim, como as que realizei em Curitiba, no Underworld Fusion Fest, e em Buenos
Aires, na Muestra Show de Polina Shandarina, e ainda a oportunidade de estudar
com grandes mestras como Jill Parker, Ebony Qualls e Piny Orchidaceae. Nesta
última ainda destaco o fato de ter dançado uma coreografia de sua autoria no
Festival Tribal Spin, em Salvador.
Porém
eu acredito que minha maior conquista ainda é sobreviver às adversidades e
continuar dançando.
BLOG: Como é o cenário da dança
tribal em São Paulo?Pontos
positivos, negativos, apoio das cidades, repercussão por parte do público bem como
pela comunidade de dança do ventre/tribal?
São
Paulo é uma cidade gigantesca e que te apresenta inúmeras possibilidades, mas
quando você vive em São Paulo o difícil é você consumir tudo aquilo que a
cidade te oferece. Na dança isso não é diferente. Quando eu cheguei em São
Paulo o cenário tribal estava em ascensão e eu tive a oportunidade de estudar
com profissionais incríveis. Naquela época muita gente estava começando a
conhecer o estilo e eu lembro que a escola Campo das Tribos logo virou
referência, pois conseguiu reunir a maioria dos profissionais da região num só
lugar. Atualmente existem mais profissionais e mais escolas que abriram a sua
grade se aulas para o Fusion, isso foi uma conquista imensa para o estilo. Uma
dificuldade que eu enxergo hoje tem relação com uma questão de acessibilidade,
pois, no caso da capital, existe uma concentração de aulas na zona oeste,
enquanto que na zona leste e norte são pouquíssimas as escolas.
Acredito
que a variedade seja um ponto positivo de São Paulo, pois existem profissionais
de diferentes vertentes do estilo e o público pode escolher o que mais agradar
ao seu próprio estilo. Como ponto negativo eu poderia destacar o alto custo dos
eventos e aulas, mas isso acontece muito porque São Paulo é uma cidade cara.
Por exemplo, o custo de uma pauta num teatro bem localizado, com uma boa
estrutura de iluminação e acústica, um palco razoavelmente grande e uma plateia
bem distribuída é altíssimo e, na maioria das vezes, esses eventos não são
patrocinados.
Quanto
ao público, eu acho que hoje existe um pouco mais de conhecimento e acolhimento
do estilo, principalmente dentro da dança do ventre. A inclusão também é maior
do que há dez anos atrás. Alguns eventos grandes de dança do ventre hoje
possuem categorias dedicadas ao Tribal, coisa que antigamente não existia. O
que não mudou muito é que a maior parte deste público ainda é formada por
pessoas da própria dança e não ocorre muita renovação.
BLOG: Conte-nos um pouco sobre suas principais
performances. O que a inspirou para a formulação da parte conceitual e técnica
das mesmas, assim como seus processos de elaboração dos figurinos e maquiagens.
Como essas coreografias repercutiram na cena tribal?
O processo
criativo das minhas performances geralmente segue um mesmo caminho. Quando a
música não me escolhe eu costumo partir de uma ideia, um conceito ou personagem
que desejo expressar com a minha dança. Definido isso, eu começo a pensar nas
características deste personagem ou na narrativa que eu pretendo seguir. Neste
momento o trabalho coreográfico é iniciado utilizando também elementos
cinestésicos que vão me ajudar na construção de uma memória corporal. Durante todo
esse processo eu procuro pensar no figurino, maquiagem, cabelo e tudo mais que
possa me ajudar a expressar este personagem e/ou este conceito.
Posso destacar
as performances Oiá Igbalé, Guardião e Sabá Odoyá como
exemplos deste meu processo de criação coreografia. Todas estas tinham como
inspiração a fusão com a dança afro e os arquétipos dos orixás. Enquanto que em
Oiá Igbalé e Guardião eu trabalhei com a construção de
personagens, em Sabá Odoyá o meu objetivo foi trabalhar com um conceito
de Iemanjá não só como rainha do mar, mas também como a Grande Mãe, aquela que
acolhe, mas também destrói. Eu recebi feedbacks maravilhosos nestas três
performances, acho que foram importantíssimos para me manter em linha com esse
meu processo criativo.
Sabá Odoyá
BLOG: Como é fazer parte de um grupo
de ATS®/ FCBD® Style? Qual a importância que você vê no ATS®/ FCBD® Style?
Melíade Tribal ITS
Uma
delícia! Eu sou apaixonada pelo ATS®, agora FCBD® Style, e lembro o quão
difícil foi me adaptar a esse sistema de improviso coordenado, mas hoje eu
sinto muita falta de dançar com 'azamigas'. Durante a minha trajetória
no Tribal eu tive a oportunidade de participar de alguns grupos do gênero e
essa possibilidade de criar em conjunto é maravilhoso. O grupo Melíade
Tribal ITS, do qual fiz parte de 2012 até 2017, tinha como base a estrutura e
movimentações do ATS®, mas enquanto grupo de ITS (Improv Tribal Style) a gente
tinha liberdade para criar e experimentar.
Eu acho esse um estilo incrível e super
recomendo pra qualquer pessoa. Você vai trabalhar não só o físico, mas também
vai desenvolver consciência corporal e percepção espacial.
BLOG: Conte-nos sobre a sua participação em outros grupo de Tribal,seus integrantes, qual estilo marcante de cada grupo e se ele sofreu alguma mudança estrutural ou de estilo desde quando foi criado.
Como eu comentei numa outra pergunta, eu fiz parte do grupo Melíade Tribal ITS durante alguns anos e a gente utilizava como base a estrutura do ATS®. O grupo inicialmente era formado por Juliana Araújo, Zambak Parikhan, Ludmila Fornes e eu, depois se uniram ao grupo Ana Meredith e Raven Kirsh. Nós costumávamos trabalhar nas apresentações alguma temática visando construir uma narrativa. Foi assim com a performance "Tríade" onde trabalhamos a Deusa Tríplice em suas três figuras femininas: a Donzela, a Mãe e a Anciã. Acredito que o Melíade se destacava na cena justamente por ter como característica a criatividade e a inovação. Certamente foi uma fase muito feliz e de grande aprendizagem na minha trajetória.
Em 2017 recebi um convite muito especial da querida Mari Garavelo para participar de um projeto que tinha como proposta trazer um olhar devocional à dança. O Mahapsara Dance Group surgiu no ano seguinte e foi uma delícia embarcar nesta aventura com Mari, Raquel Coelho, Dany Anjos e Nina Araújo. Indo muito além de um grupo que dança Tribal Fusion, o Mahapsara é uma reunião de mulheres que usa a linguagem da dança para falar das diferentes deidades femininas. Das nossas apresentações mais marcantes eu posso destacar a que realizamos no show da banda Corvus Corax na FolkFair 2018 e a do Jantar Medieval do Taberna Folk que ainda contou com o show da banda Faun. Mari é muito criativa e talentosa, como coreógrafa acho que ela ainda vai preparar coisas bem interessantes para o Mahaps.
BLOG: Um dos seus trabalhos dentro do Tribal é a fusão com hip hop. Conte-nos um pouco como surgiu essa preferência e como você busca fusionar essa linguagem na sua dança. Na sua opinião, qual a principal característica para uma performance ser considerada Urban Fusion?
Eu sempre curti muito as danças urbanas, assistia em vídeos e achava a coisa mais incrível do mundo. Não sei como funciona hoje, mas em Salvador aconteciam muitas intervenções e batalhas, mas eu só ficava assistindo e não arriscava nenhum passinho, demorei pra tomar coragem e me jogar. Daí quando eu comecei a estudar o Fusion e vi que era possível trabalhar também com as danças urbanas nas minhas movimentações eu senti que tinha que me permitir isso. Depois foi fácil juntar os dois.
Primeiro eu fui estudar o hip hop, o locking e o popping que eram as movimentações que eu mais identificava nas performances de Fusion. Depois me encantei pelo house, mas foi no dancehall que eu pirei e me encontrei. As aulas são incríveis, os steps são divertidos e a energia é surreal. Particularmente gosto de estudar e experimentar um estilo de dança até deixar o meu corpo o mais confortável possível com a nova leitura corporal, mas quando eu conheci o dancehall eu fui um pouco além, eu senti que precisava estudar também a base musical. Lógico que ninguém precisa fazer um curso de música pra dançar, mas naquele momento eu senti que precisava aprender muito mais e isso abriu minha mente para inúmeras possibilidades.
Eu considero uma performance como Urban Fusion quando eu vejo repertório de danças urbanas, independente do estilo, em harmonia com o vocabulário do Fusion, mas além do repertório o que eu procuro encontrar é a chamada "atitude hip hop" que minhas alunas super conhecem. Infelizmente ainda existe muito preconceito com esse estilo e cultura que tem tanto pra nos ensinar.
BLOG: Conte-nos sobre suas fusões do
estilo Tribal Fusion com danças populares brasileiras e africanas. Como surgiu
a afinidade por tais fusões?
Foi
muito natural. Eu já falava em dançar ATS® ao som de Margareth Menezes durante
as aulas, por exemplo. Sempre que possível eu trazia para a minha dança alguma
referência da minha história. Acho que quando eu fui adquirindo mais confiança
e segurança na técnica do Fusion eu comecei a experimentar movimentações com as
danças que eu já tinha afinidade e tinha trabalhado em outros momentos da minha
trajetória. Então tudo foi acontecendo muito naturalmente, pois a afinidade e o
conhecimento já existiam.
No
caso das danças africanas, eu acho que houve também um resgate a ancestralidade.
Eu fui buscar referências em danças de matriz africana para então voltar e
olhar para as minhas bases na dança afro lá da época em que eu estudava na
escola de dança da Funceb, em Salvador.
BLOG: O tema sobre “apropriação
cultural” tem sido debatido na comunidade Tribal em âmbito mundial. Qual sua
opinião sobre o assunto dentro do universo da Dança Tribal?
Ahhh
muita gente me escreve pra saber/entender sobre esse assunto tão polêmico. Eu
até fico surpresa por ainda ter que contextualizar o que de verdade seria essa
tal apropriação cultural, mas de fato essa ainda é uma pauta existente dentro
da cena Tribal. Então eu convido você que está lendo esta entrevista a
acompanhar no próximo mês a minha coluna "Sankofa" aqui no Blog, pois
>>ALERTA DE SPOILER<<
vamos falar desse tema lá 😆🤫
BLOG: Como é ser colunista do Coletivo Tribal? Qual a importância desse espaço para a cena Tribal Brasileira? Fale um pouco sobre a proposta da sua coluna , a Sankofa. Como você seleciona os temas a serem abordados nessa plataforma e como os desenvolve?
Olha este certamente foi um grande presente de recebe neste ano tão caótico. Quando a Aerith me fez o convite eu nem pensei duas vezes. Pra mim esse blog sempre foi uma grande referência na cena tribal pela relevância dos conteúdos abordados. Eu estou adorando ser colunista do Coletivo Tribal, pois sinto que posso contribuir bastante com o crescimento da cena. A proposta da minha coluna “Sankofa” passa inclusive pelo significado da própria palavra que tem como essência voltar ao passado para ressignificar o presente. A minha ideia é apresentar o quanto que as culturas africanas influenciaram e continuam influenciando o Estilo Tribal, é destacar a importância da diversidade na dança e, quem sabe, fazer desta uma arte mais inclusiva. Sei que o processo é lento, mas precisamos dar um primeiro passo. Sobre os temas eu penso que eles precisam conversar com esta proposta da coluna, precisa existir essa identificação com a temática afro, pois é algo praticamente esquecido no nosso meio. A minha ideia é que a coluna seja colaborativa, por isso já convidei algumas bailarinas pretas para contribuir com essa temática. Eu posso te garantir que tem muita coisa boa vindo por aí, muito conteúdo bacana pra contribuir com o crescimento do estilo, fiquem ligades!!! E se você tem interesse em contribuir com a coluna pode me procurar pra gente bater um papo e desenrolar essa colab.
BLOG: Atualmente, muitas bailarinas
do tribal fusion estão saindo um pouco do rótulo e fazendo várias
experimentações. Como você encara as fusões experimentais?Quais fusões você tem mais interesse em desenvolver em sua dança?Qual principal cuidado que o estudante de
tribal deve ter ao querer apresentar esse tipo de performance?
Eu
super apoio as experimentações. Acredito que a gente enquanto artista precisa
manter a mente aberta e livre para experimentar. Por outro lado, é importante
também ter atenção com alguns pontos importantes quando estamos trabalhando uma
fusão como a técnica do estilo e a sua identidade. Não basta apenas usar uma
música de tango e dizer que está fazendo uma fusão, é preciso trabalhar a
essência desse estilo dentro da sua proposta de performance, por exemplo.
Eu
já trabalhei com a fusão de alguns estilos, o primeiro deles foi através da
leitura musical dentro do estilo DUB que é caracterizado pelas marcações de
baixo e bateria e estudo da cultura Dancehall, ambos originais da Jamaica.
Desde 2017, venho desenvolvendo um trabalho com as danças afro-brasileira dentro
do Tribal Fusion através dos arquitetos dos Orixás.
Todas
as vezes que eu pensei em fazer uma fusão eu fui estudar para conhecer mais do
estilo e me aprofundar nas movimentações. Acho importante esse mergulho de
cabeça quando existe o interesse em trabalhar a fusão com algum estilo.
Obviamente que você não precisa se aprofundar, mas um mínimo de pesquisa e
cuidado com a essência é necessário.
BLOG: Atualmente, o ativismo em prol à causa negra na dança do ventre e estilo Tribal tem se fortalecido com várias ações como lives, shows onlines e presenciais, fóruns, grupos, entre outras manifestações culturais. Qual importância desses movimentos? Como eles tem se desenvolvido e repercutido na nossa cena de dança? Qual a maior dificuldade participantes e colaboradores desses projetos tem sofrido? Quais são as principais causas e pautas que a comunidade bellyblack busca no contexto do artista preto brasileiro na cena Tribal?
Olha, nem sei por onde começar a responder todas essas perguntas (risos). Bem, primeiro eu acho que preciso pontuar aqui que esse ativismo já existe há algum tempo, mas agora ganhou uma proporção maior e eu me atrevo a dizer que a grande responsável por todo esse movimento seja Angela Cheirosa, uma das maiores bailarinas que eu já conheci. Cheirosa é muito mais que uma inspiração, ela é um exemplo a ser seguido. Admiro o trabalho dela e a força que essa mulher tem para quebrar tantos paradigmas. Eu sempre me senti muito sozinha na dança, mesmo quando estava numa sala cheia ou num evento lotado, pois a vida de uma bailarina negra é solitária, olhar para os lados e perceber que você é a única preta no local é triste demais. A verdade é que o racismo está presente na dança assim como ele está presente nas nossas vidas, no nosso dia-a-dia, e o que sempre ocorreu na arte foi manter esse racismo velado, era um assunto que ninguém poderia falar, pois na dança não existia algo assim. Então eu acredito que esse movimento é legítimo e surge como forma de reivindicação de espaço, reconhecimento e oportunidade não só para o povo negro, pois ele possibilita a quebra do padrão hoje existente e busca uma maior diversidade de corpos na nossa dança.
Quanto à repercussão eu acredito que ainda é pouca, na verdade eu acho que faltam ações efetivas no mercado da dança do ventre e tribal. O trabalho de conscientização é diário e pesado e a gente ainda precisa desconstruir muito coisa nesse meio, então a falta de ações convergentes com a causa desanima demais. Dá aquela sensação de estar rodando em circulo sabe?! Esta precisa ser uma pauta presente em escolas e eventos, a gente precisa questionar a falta de diversidade, não dá mais para aceitar que o cabelo black de uma bailarina preta seja avaliado como fora do padrão, a gente precisa questionar que padrão é esse, não dá mais para fingir que a gente não tá vendo a professora colocando a única aluna preta no fundo da coreografia, não dá pra achar normal ver o cartaz de um evento só com profissionais não negros, não dá mais para ver tantos sonhos desfeitos por conta deste sistema. Entendam, a nossa luta, que também precisa ser sua, é por oportunidade e reconhecimento.
BLOG: Apesar de estar cada vez mais
se consolidando e ganhando força, a dança tribal ainda é recente no universo da
Dança.Como a dança tribal está ganhando espaço na
cena acadêmica?E o que você
considera importante ainda ser trabalhado no âmbito acadêmico para a dança ser
mais valoriza e reconhecida?
Acredito
que o estilo vem ganhando espaço a passos bem curtos na academia. Além do
desconhecimento, existe também um preconceito com esta dança principalmente
entre os mais clássicos. Por este ser um estilo ainda recente e em constante
transformação acho que dificulta ainda mais a sua valorização. Para mim, ainda é
necessário que haja mais pesquisas e trabalhos científicos que abordem o estilo
tribal, as danças árabes e também as danças de fusão. Um repertório definido
bem como uma metodologia de ensino universal também ajudaria no reconhecimento deste
estilo. Sinceramente, enquanto estivermos olhando para o Fusion buscando o
pioneirismo individual será cada vez mais difícil o acesso desta dança no
cenário acadêmico.
BLOG: Qual importância da prática do
Yoga para a dança?
Eu
acredito que a prática seja muito útil para qualquer pessoa, independente se é
da dança ou não. Igualmente a terapia, que eu acho que todo mundo deveria fazer
sabe?! (risos)
A
primeira vez que eu escutei sobre a importância do Yoga e experenciei na dança
foi durante os workshops de Sharon Kihara. Eu lembro que logo depois das aulas
dela eu já estava pesquisando onde estudar e praticar. Eu fiquei tão encantada
com a forma como ela falava do Yoga e dos benefícios, não só na dança como na
vida, que eu comecei com as aulas regulares pouco tempo depois.
BLOG: Em sua opinião, o que é tribal
fusion?
Uma
grande salada muito saborosa!!!
Eu
amo salada, logo dá pra entender o porquê desta minha comparação (ou não! já
diria Caetano 😅). Pra mim o Estilo Tribal significa
liberdade no sentido de possibilitar a experimentação, mas além disso, e aí
pensando mais na parte teoria e histórica, eu enxergo essa dança com uma base
muito sólida nas danças árabes para guiar as diferentes estilizações
existentes. E o tempero dessa salada é a referência pessoal, a personalidade de
cada corpo.
BLOG: O que você mais gosta no
tribal fusion?
As
inúmeras possibilidades. Eu sempre comentei com as minhas alunas como isso me
fascina no estilo, como desperta a minha criatividade e o quão desafiador ele
é. Eu percebo que no Fusion é possível enxergar mais facilmente a identidade de
cada bailarina.
BLOG: Você considera a dança tribal
uma dança étnica contemporânea? Por quê?
Sinceramente,
pelo meu entendimento do que seja uma dança étnica, eu não acho que o que
conhecemos como dança tribal seja uma dança étnica. Para mim o Estilo Tribal é
uma grande mistura de outros estilos de dança que em suas origens podem ser
classificadas como étnicas, mas essa fusão que trabalhamos hoje não poderia ser
definida como tal. Acho que ainda estamos caminhando para uma definição de
nomenclatura do estilo que é muito novo e ainda deve sofrer muitas modificações
pela frente.
BLOG: Como você descreveria seu
estilo?
Eu
não faço a menor ideia 😅 🙈
Olha
eu nunca parei pra pensar sobre isso e sinceramente acho muito difícil rotular
a dança. Eu entendo meu estilo como Tribal Fusion (ou seja lá qual o nome que o
estilo recebe atualmente RS) e no momento eu trabalho a fusão com as danças de
matriz africana sem esquecer de toda bagagem adquirida em outros diferentes
estilos que estudei ao longo da minha trajetória. Acho que estou vivendo este
momento agora e está muito bom.
BLOG: Como você se expressa na
dança?
Isso
depende muito de cada performance e da sua proposta em cena, mas basicamente eu
procuro levar verdade na minha dança. Eu me entrego e mergulho de cabeça, então
tem muita intensidade em tudo que eu faço. Penso em cores, formas, cheiros,
texturas e tudo o que pode compor a minha construção coreográfica e me ajudar a
expressar aquilo que eu estou levando com a minha dança.
BLOG: Sobre sua carreira, qual/quais seu momento
tribal favorito ou inesquecível?
Eu
sinto que ainda estou em processo de construção da minha bailarina dentro deste
estilo, mas acredito que os momentos mais inesquecíveis desta minha trajetória
foram nas minhas apresentações com o solo “Oiá Igbalé”.
Já na estreia, no Underworld Fusion Fest em Curitiba (2018), eu senti que
aquela não seria uma performance qualquer, pois além de feedbacks incríveis eu
pude perceber a emoção do público, mas a ficha só caiu pra mim na segunda
apresentação no Sarau Shamando as Tribos Dark Side, em Piracicaba (SP). O clima
mais intimista me deixou mais próxima da plateia e a energia reverberou de uma
maneira indescritível. Eu fiquei tão assustada com a repercussão destas duas
apresentações que a minha primeira reação foi de simplesmente tentar negar e
não seguir com esta performance, evitando até divulgar vídeos destas
apresentações temendo a reação das pessoas ao assistir, mas foi exatamente com
a divulgação de um desses vídeos que eu percebi que esta não era uma
performance só minha e que eu não tinha o direito de guardá-la só para mim,
pois a arte não pode ser contida e a mensagem que esta performance transmite
tem assinatura de Oiá. Minha última apresentação com esta performance foi na Argentina,
na Muestra Show de Polina Shandarina (2019) e
foi igualmente intensa e visceral. Eu já tinha decidido não me apresentar mais
com esta dança, mas uma vez mais Ela me mostrou que esta decisão não depende
apenas de mim.
Oiá Igbalé
BLOG: Quais seus projetos para 2021?
E mais futuramente?
Eu
confesso que não estou fazendo muitos planos para o próximo ano. Como eu tive
que adiar alguns projetos para 2020 por conta da pandemia, eu devo retomar as
minhas pesquisas nas danças de origem africana e suas singularidades. Mais
futuramente eu não sei, talvez eu volte a dar aulas regulares, pois tive que
parar para me dedicar as minhas pesquisas.
BLOG: Improvisar ou coreografar? E
por quê?
Depende. Acredito que os dois são igualmente importantes. Não conseguiria escolher um
só. Pra mim coreografar é uma delícia! Existe todo um processo de criação que
me fascina, onde eu posso explorar a minha criatividade e experimentar
diferentes movimentações.
Quanto
a improvisar, acho incrível a oportunidade de deixar o meu corpo ser levado
pela energia daquele momento presente, mas eu confesso que demorei pra me jogar
no improviso, foi um processo longo até me sentir confortável. Para improvisar
você precisa ter na bagagem um bom repertório, uma técnica afinada, uma boa
noção de leitura musical, velocidade no raciocínio e tantas outras coisas que
eu imaginava ser impossível dançar de improviso. Com o tempo eu fui ganhando
segurança e hoje eu sempre coloco um trecho de improvisação nas minhas
coreografias, assim sempre será uma apresentação única.
BLOG: Você trabalha somente
com dança?
Infelizmente
não. Eu tenho uma outra carreira que tento conciliar com a dança, mas é muito
difícil e super cansativo. Além da dança eu também tenho formação em
Comunicação Social e atualmente trabalho com gestão de projetos de mídia. A
minha rotina diária para manter as duas carreiras é insana e exige muita gestão
de tempo, então por isso eu acabei levando para minha carreira como bailarina e
professora de dança muito do que eu aplico nos projetos em que trabalho. Quem
me conhece sabe que eu sou "aloka" do cronograma e do check
list.
BLOG: Deixe um recado para os
leitores do blog.
Acredite
em você! Na nossa trajetória a
gente nem sempre vai encontrar palavras de incentivo para seguir, mas acredite
em você e nos seus sonhos. E pretas: vocês não estão sozinhas!
Aerith (Curitiba-PR)( pronuncia-se 'Aéris' e não Aeriti ❤) é carioca, blogueira desde 2010, idealizadora e produtora do Underworld Fusion Fest e dos Encontros Folks PR, e diretora do Asgard Tribal Co. Adora o universo da dança tribal, principalmente as fusões mais undergrounds. Atualmente, reside em Curitiba-PR, em que está desenvolvendo novos projetos e parcerias envolvendo o estilo 'Tribal'. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>