por Kilma Farias
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Foto de Jamille Queiroz |
“A Terra é a matriz
tanto de nosso tempo como de nosso espaço: qualquer noção construída do tempo
pressupõe a nossa proto-história de seres carnais com presentes num único mundo”.
(MERLEAU-PONTY, 1991, p. 199).
A
ligação da dança Tribal com as danças étnicas traz de herança um forte elo com
a Terra. No Tribal Brasil vamos articular danças étnicas de diversas matrizes a
exemplo da indígena, afro-brasileira, europeia e americana, propondo um diálogo
entre visões de mundo e ethos
diversos.
A
dança étnica, seja qual for sua matriz, traz a ideia de um corpo popular
integrado com a natureza, com o cosmos. “O corpo humano é, nas danças
populares, o vetor de uma inclusão, não o motivo de uma exclusão [...]; ele é o
vinculador do homem e todas as energias visíveis e invisíveis que percorre o
mundo.” (LE BRETON, 2012, p. 50).
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Foto de Ambar Yanina |
Desse
modo, ao articular danças étnicas diversas e desenvolver releituras para o
palco, o estilo Tribal Brasil aciona identidades plenas de tradições, de
espiritualidades e religiosidades. E todos esses atributos estão repletos de
Terra e de conexão com a Natureza, esboçando um possível sagrado feminino
através de uma dança pensada para o palco.
Para entender a relação entre ethos e visão de mundo no Tribal Brasil
parto do pensamento de Geertz ( 2015, p. 93). Geertz nos diz que:
Na
discussão antropológica recente, os aspectos morais (e estéticos) de uma dada
cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo “ethos”, enquanto os aspectos cognitivos,
existenciais foram designados pelo termo “visão de mundo”. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a
qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição é a atitude
subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de
mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na
simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. [...]
(GEERTZ, 2015, p. 93).
No
Tribal Brasil o “estilo moral e estético” que compõe o ethos, suas disposições e motivações vão de encontro à Natureza, à
Terra-mãe; assim como a visão de mundo, o conceito da natureza e de como
estabelece sua ordem cósmica também remetem à Terra e integralidade com a
Natureza.
Para Luciana Carlos
Celestino (2008, p. 3) “De fato, a dança Tribal não é apenas um estilo de
dança, se trata muito mais de uma concepção de mundo.” Pois é a através do
corpo que estamos no mundo e o percebemos, sendo o corpo e a dança um modo
próprio de ser-no-mundo.
“É preciso compreender que estas dançarinas têm uma intenção clara, exaltar o
que elas chamam de valores ligados ao feminino e ao planeta Terra, como matriz
criadora.” (CELESTINO, 2008, p.3).
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Foto de LM Cheste |
A partir desse pensamento, surgem inúmeras possibilidades de abordagem
das danças rituais ligadas ao sagrado feminino serem revisitadas e levadas ao
palco sob uma nova perspectiva, que não apenas do ponto de vista religioso. O
objetivo está em construir arte através da dança, em comunicar belezas diversas,
em vivenciar corporeidades que colaborem com a prática de si mesmo em meio a
uma visão de mundo integrada com a Natureza e no despertar de uma
espiritualidade não religiosa através da convivência com o outro, seja dentro
dos grupos, na sala de aula, nos festivais, encontros Tribais ou no dia-a-dia.
Busque estar próximo da terra, faça seus próprios rituais
em dança, só ou unido ao seu grupo. Viva cada árvore, viva paisagens, mares e
rios, lagos e cachoeiras, no seu cotidiano. Mas viva também o urbano, a cidade,
que também é Natureza. Também está plena de terra e de forças invisíveis.
Aprenda a desenvolver uma percepção da poética da Natureza em todas as coisas.
E é no palco que ela mais transborda para nós Tribalbellydancers.
Viva também a relação com o outro enquanto Natureza.
Observe suas diferentes nuances de modo de ser através das relações. Somos
múltiplos e a relação com o outro é uma grande oportunidade para nos
conhecermos.
Viva você mesmo no mais profundo de você, e no mais
superficial também. Viva tristezas, alegrias, saudades, amores, desejos,
violências, incompreensões, quietudes, intuições, memórias, inspirações – e
viva o sem número de lugares “entre” todas essas nuances perceptivas.
Coloque sua percepção nos espaços gerados “entre” as
relações: consigo mesmo, com o outro e com o mundo. É nessa zona de silêncio
que a poética fala; deixe essa poética alimentar sua dança, alimentar suas
relações e sua vida. E assim, você vai se perceber em processo de harmonia com
a Natureza e com a Terra.
Referências
bibliográficas
CELESTINO, L. Sementes, espelhos, moedas,
fibras...: a bricolagem
da dança tribal e uma nova expressão do sagrado feminino. Pós-Graduação em
Ciências Sociais UFRN – 2008.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:
LTC, 2015.
MERLEAU-PONTY,
M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
_________, M. Signos. São Paulo: Martins Fontes,
1991.