por Hölle Carogne
A postagem deste mês trata-se de
um resumo do capítulo VI do livro "As Cartas do Caminho Sagrado", de Jamie Sams.
Jamie Sams é nativa americana (descendente dos povos Cherokee e
Seneca) e membro da Wolf Clan Teaching
Lodge. Através de seus livros, ela vem
revelando alguns costumes e ensinamentos dos povos nativos, e disseminando, assim, as suas crenças. Aqui ela nos conta um pouco sobre
este estranho e belo rito indígena que une sacrifício, dor e amor.
“Do centro do caramanchão sagrado,
Os guerreiros dançam o sol,
Atados à Árvore da Vida,
Até que a dança termine.
Eles sentem a dor da mulher,
Para que o povo possa viver,
Buscando Visões de Cura,
Na dor que eles ofertam.”
“A tradicional Dança do Sol é a
cerimônia sagrada ou o ritual que permite aos guerreiros o direito de ofertar
sua dor, seu sangue, suas preces, e a si mesmos, sacrificando-se pelo bem de
todo o povo. A Dança do Sol é realizada normalmente uma vez por ano em cada
tribo. Esta cerimônia dura quatro dias e honra as quatro direções e a sagrada Árvore
da Vida.
A Dança do Sol é assim chamada
porque nela o Avô Sol é reconhecido e honrado como fonte do calor e amor da Mãe
Terra. O aspecto masculino do Avô Sol é um exemplo de como os guerreiros podem
constituir uma força protetora e amorosa, permitindo a todos os membros da tribo,
crescerem e florescerem sob sua proteção. O Avô Sol dá luz a tudo aquilo que é
verde e a todas as coisas que crescem sobre a Mãe Terra, e também nos protege
da escuridão do pensamento, do coração, ou da noite total. Da mesma forma os
Guerreiros do Povo devem proteger as suas nações dos inimigos, da perda da
coragem, e da noite escura da alma, que se manifesta sempre que o medo começa a
imperar.
A preparação do local usado para
a Dança do Sol segue todo um ritual. Cabe às mulheres da tribo preparar um
terreno circular, contendo uma clareira ao redor do centro, onde a Árvore da
Dança do Sol será colocada. A Pessoa-em-Pé (árvore) escolhida deve ser
carregada sem tocar o solo, a partir do local onde foi cortada até o centro do
círculo, para ser replantada na terra. Esta Árvore da Dança do Sol representa a
Árvore da Vida.
Depois de fixar a árvore em seu
lugar, uma Sacola da Dança do Sol* é colocada no alto do mastro. De acordo com
o ritual, esta passa a ser a nova identidade mágica da Pessoa-em-Pé. Dentro das
tradições Sioux, Kiowa e Crow a honra de subir na árvore e colocar a sacola era
concedida a um Ma-ho, pessoa de quem se dizia que possuía duas almas em um só
corpo.
*A Sacola da Dança do Sol é uma bolsa de couro que contém a Magia Sagrada dos
Totens. Estes pedaços de pêlos, dentes, penas, ossos e garras representam a
magia e a capacidade de cura destas criaturas.
Tradicionalmente, cada Dançarino
do Sol deveria ser apadrinhado por outro dançarino que já tivesse participado
da dança antes dele. O padrinho se tornava responsável pela coragem do
dançarino e pela sua força de caráter. Os guerreiros que escolhem este caminho
devem preparar-se durante três dias antes da dança, através de jejuns,
cerimônias de purificação, busca da visão e preces pessoais, seguindo
instruções dos anciãos.
No terceiro dia os dançarinos são
trespassados através do tecido conjuntivo dos músculos peitorais, primeiro com
um furador e depois com um bastão afiado de cerejeira. Depois, prendem-se tiras
de couro às pequenas estacas que lhes atravessavam o peito, atando-os à Árvore
da Vida e criando um efeito especial de guarda-chuva ou de carrossel.
O objetivo da Dança do Sol é
permitir que jovens guerreiros partilhem o sangue de seus corpos com a Mãe Terra,
assim como as mulheres o fazem em sua Lua (ciclo menstrual).
Apesar de, tradicionalmente, as
mulheres não participarem deste ritual, durante os últimos dois dias, quando
ocorre a cerimônia do trespasse e da dança final, muitas mulheres fazem
pequenos cortes nos antebraços ou perfuram os bíceps ou os pulsos, deixando o
sangue escorrer e tocar o corpo da Mãe Terra em sinal de respeito pelos
dançarinos.
Acredita-se
que qualquer líquido de nossos corpos (sangue, urina, lágrimas, saliva) são
elementos femininos, os quais quando são devolvidos para a Mãe Terra podem ser
reciclados, servindo para a fertilização e o crescimento de futuros seres. A Dança
do Sol reconhece o aspecto feminino, e os dançarinos honram ambos os lados de
sua natureza através desse rito sagrado.
A coragem necessária para ficar
dançando sem ingerir comida ou água durante quatro dias torna-se um verdadeiro
teste de estrutura e de caráter. Uma queda durante a dança trás desonra ao
padrinho do guerreiro que caiu e pode ser o presságio de um período de
infortúnio para a tribo ou nação.
Em muitas tribos das planícies os
homens não eram considerados prontos para o casamento enquanto não tivessem
participado da Dança do Sol. Apenas após a dança o guerreiro aprendia a ter
maior respeito pela mulher que seria mãe de seus filhos.
Durante a Dança do Sol os
guerreiros poderiam receber visões, o que era considerado um sinal de magia
positiva. Caso recebesse uma visão de um guia ou ajudante de cura, poderia
estar certo de que a sua vida dali por diante seria longa e frutífera. Porém, quando
o dançarino não recebia visão nenhuma, se sentia frustrado, como se de alguma
maneira não tivesse completado o ritual sagrado. Alguns guerreiros não conseguiam
abrir-se às mensagens dos guias por medo de cair, e trazer desgraça ao seu
próprio clã. Quando isso acontecia, ele continuava a dançar, ano após ano, para
uma vez mais tentar obter uma visão.
Cada dançarino usa na cabeça uma
coroa de sálvia e recebe um apito de osso de águia, que é soprado a intervalos
regulares para acompanhar o ritmo do tambor e criar e conservar a energia da
cerimônia.
As estacas de cerejeira devem ser
arrancadas da pele quando cada guerreiro se apóia na Árvore da Vida a que está
preso. Ao fazê-lo cada homem está oferecendo sua própria dor para que o povo
possa continuar a florescer.
Estes bravos guerreiros conheceram
uma pequena fração da dor que as mulheres sentem no parto e passaram a
respeitar o papel desempenhado pelas mulheres no plano do grande mistério.
A Dança do Sol já foi vista como
uma tortura auto-infligida por que não se conhecia o propósito da cerimônia. Em
1941 ela foi proibida pelo departamento do interior. Quando os direitos
sagrados de criatividade de qualquer povo começam a ser desrespeitados, o
espírito da vida pode desaparecer. Somente nos últimos anos a dança voltou a
ser realizada, restaurando o espírito do nosso povo. A Dança do Sol não pode
ser dançada por qualquer pessoa, mas as lições que ela transmite constituem uma
bela maneira de se compreender o equilíbrio entre homens e mulheres, coragem e
dor, fantasia e obstinação, lealdade e amor. Este antigo ritual pode ser
considerado um profundo ato de amor. Ele nos ensina a caminhar em equilíbrio e
a deixar de lado certas facetas que só estão girando em torno do nosso pequeno
eu pessoal.”