Entrevista #21: Isabel De Lorenzo


Nossa entrevista do mês de novembro é a brasileira Isabel De Lorenzo que hoje vive e trabalha com o estilo Tribal em Roma, Itália. Isabel nos conta sua trajetório com o ATS® na Itália,seu evento de repercussão internacional na Europa, o Roma Tribal Meeting, seus projetos futuros com a dança e muito mais! Confira!

BLOG: Conte-nos sobre sua trajetória na dança do ventre/tribal. Como tudo começou para você?
Desde pequena eu estudei balé, jazz, dança contemporânea. Sempre com muito amor, com ótimos professores e com muitas amigas ao redor, fazendo pequenas viagens de estudo e apresentações na região de Araraquara, minha cidade natal. Isso foi entre 1976 e 1986, quando então me mudei para São Paulo, para fazer a universidade. Não sei bem explicar por que, mas com essa mudança eu acabei deixando um pouquinho de lado a dança. Mas por pouco tempo. Em São Paulo encontrei casualmente a dança do ventre, com a professora Marcia Nogueira. Ela era encantadora, mas a dedicação aos estudos universitários não me permitiu seguir as aulas com continuidade. E de novo me afastei. Mas esse encontro com a dança do ventre de alguma maneira me marcou profundamente, tanto é verdade que,  assim que pude voltar a dançar (aos 19 ou 20 anos), escolhi a dança do ventre e nunca mais parei.


BLOG: Quais foram as professoras que mais marcaram no seu aprendizado e por quê?  
Tango o della casta voluttà (2005)
Photo Pasquale Modica
Minha querida amiga Yasmin Nammu foi minha primeira mestra (e eu, se não me engano, sua primeira aluna). Passei anos freqüentando seu estúdio em São Paulo. Quando me mudei para a Itália,  foi o coreografo egípcio Saad Ismail quem completou minha formação na dança oriental. Desde que comecei a me interessar pelo estilo tribal, em torno ao ano 2000, minha referência foi sempre Carolena Nericcio, que tive oportunidade de encontrar quatro vezes pessoalmente, das quais a mais importante foi a formação intensiva em São Francisco (2010). Estudei com dezenas de outros professores, alguns bons, alguns maravilhosos e alguns simplesmente “ok”. Para mim um professor tem que transmitir muito mais do que uma técnica, mas uma cultura, um modo de ser, um approach ao movimento e à vida. Nesse sentido, quem mais me marcou na dança tribal foi minha também querida amiga Geneva Bybee.
 
BLOG: Além da dança tribal você já fez ou faz mais algum tipo de dança? Há quanto tempo?
Eu sempre tive curiosidade de conhecer outras danças, e quando posso faço alguma aula ou workshop de flamenco, de butoh, de dança contemporânea ou de balé, de tribal fusion e de danças ciganas. É mais para nutrir a alma, para inspirar no corpo novas posturas. Eu também pratico constantemente pilates e ando de bicicleta.

BLOG: Quais foram suas primeiras inspirações? Quais suas atuais inspirações?
Minha inspiração é sempre a Arte: música, poesia, artes visuais, teatro. É dali que vem todas as minhas idéias, inspirações e projetos.

BLOG: O quê a dança acrescentou em sua vida?
Festival BellyFusions (2011)
Photo Severine Jambot
Em um certo período em que estava refletindo muito sobre o papel da dança na minha vida, eu tive um sonho: estava bordando uma roupa no corpo (como às vezes realmente faço!) e junto com o tecido eu costurava a pele. Não era uma imagem de dor. Era uma representação da dança costurada no corpo, naturalmente. Então, para mim é isso: a dança acrescentou um sentido a tudo, ao corpo e à existência no espaço e no tempo.

BLOG: O quê você mais aprecia nesta arte?

Eu amo muito a imediatez da dança, no sentido que não necessita nenhum instrumento além do corpo. A música, claro, é a parceira número um da dança. Mas nem a música é fundamental, no fundo. Só o corpo mesmo.

BLOG: O quê prejudica a dança do ventre e como melhorar essa situação?Você acha que o tribal está livre disso?
A dança oriental nasceu com um aspecto popular, autêntico e espontâneo, porém possui também outro mais refinado, cortesão e culto. Este segundo aspecto quase se perdeu, e todas as variantes da dança do ventre que hoje são praticadas (inclusive o tribal) provém do baladi, do folclore, do cabaret, da festa. Eu quero dizer que a dança espontânea é legal, mas nem sempre é artística. Fazendo uma analogia, seria o mesmo que a arte em relação ao artesanato. É enfim no teatro – na minha opinião - que a dança pode atingir o máximo da sua expressão, pois no teatro, juntamente com a pura expressividade corporal, entram em jogo outros conceitos como composição, iluminação, direção etc. Eu acredito que a melhor ambição para a dança, seja oriental ou tribal, é o palco.
Tribal Tour Isabel De Lorenzo Geneva Bybee, Salvador (2010)
BLOG: Você já sofreu preconceitos , indignação ou frustração durante seu percurso na dança?E conquistas?Fale um pouco sobre elas.
Ser uma dançarina profissional não é a coisa mais fácil deste mundo, mas é uma grande riqueza, pois a visão de mundo que a dançarina adquire, mesmo enfrentando pequenas frustrações ou preconceitos, é ampla e doce,tornando-se incomparável. Eu não sofri grandes preconceitos ou frustrações, muito menos indignações, e sempre enfrentei os obstáculos com coragem. Claro que não foi assim fácil, pois para sentir-me livre na dança como profissão eu tive simplesmente que mudar de país. Esta foi ao mesmo tempo minha maior dificuldade e minha maior conquista.
 
BLOG:
Você foi uma das primeiras bailarinas brasileiras a se envolver com o ATS®, por quê você começou a querer ou ver necessidade em se aprofundar no ATS®? Como eram as informações sobre o estilo na época em que você começou a pesquisar?
Sabe-se bem que atualmente é muito fácil sentir-se atualizado com os acontecimentos do mundo tribal, por causa da internet acessível a todos. Isso é ótimo por um lado, mas por outro torna o aprendizado superficial. Em 2000 eu descobri a comunidade tribal americana, também pela internet e, imediatamente, comecei a encomendar livros, cds e dvs para estudar, junto com um grupo de amigas na Itália. Constituímos a primeira formação da troupe Carovana Tribale e, apesar de sermos autodidatas, tínhamos já uma longa experiência na dança oriental. Desde então, eu não parei mais de estudar, e nem pretendo parar! O American Tribal Style® me cativou  pelo trabalho de grupo, pela estética, pela filosofia proposta e pela constante evolução.
Tango o della casta voluttà (2005)
 Photo Pasquale Modica
BLOG: Como é o cenário da dança tribal na Itália e Europa na época em que você começou com a dança por lá e como ela é agora? Pontos positivos, negativos, apoio de Roma, repercussão por parte do público bem como pela comunidade de dança do ventre/tribal?
Até 2006, pelo menos, havia apenas dois grupos de tribal na Itália: a Carovana Tribale, em Roma, praticando ATS®, segundo o Fat Chance Belly Dance, e Les Soeurs Tribales,  em Milão, praticando ITS estilo Gypsy Caravan. Somos muito amigas e sempre compartilhamos com alegria o fato de sermos pioneiras. Só bem mais recentemente, com a explosão da Tribal Fusion (após Bellydance Superstars), é que este estilo passou a ter mais visibilidade na Europa. Tem sido um caminho lento,  mas decisivo, vejo que o ATS® atrai cada vez mais dançarinas de outros estilos (seja oriental, seja fusion) que sentem vontade de compartilhar momentos de dança. E assim a comunidade cresce.

BLOG: Conte-nos como surgiu a Carovana Tribale, a etimologia da palavra, seus
integrantes, qual estilo marcante do mesmo e se ele sofreu alguma mudança estrutural ou de estilo desde quando foi criado até agora.
Carovana Tribale (2010)
Photo Raniero Gelli

 A palavra “caravana”, como se sabe, vem da língua persa e significa um grupo que viaja no deserto. Quando denominamos  “Carovana Tribale” (que em italiano significa obviamente “caravana tribal”),com  a primeira formação da nossa troupe (éramos três), tivemos a idéia de simplesmente unir inspirações em torno do conceito de viagem: onde houvesse “tribal”, lá estaríamos em comboio. E assim foi. A troupe se modificou, incluiu alunas por um certo tempo e depois voltou a ser mais profissional. Hoje em dia somos eu e Silvia Grassi, minha aluna de muitos anos e atualmente soberba dançarina, que conduzimos “la Carovana”, por vezes convidando hóspedes, colegas, alunas, ou dançando com a nossa companheira desde muitos anos, Lucilla Giorgetti.



BLOG: Você é produtora do evento Roma Tribal Meeting que se destaca na Itália e vem se destacando no cenário de eventos europeus. Conte-nos como surgiu a idéia do evento, sua proposta e objetivos, organização e elaboração deste,bem como a repercussão do mesmo para a comunidade tribal quanto para seu público na Itália e também abrangendo a Europa.
  
Tribal Tour Isabel De Lorenzo Geneva Bybee,
 Salvador (2010)
O Roma Tribal Meeting surgiu de uma idéia da dançarina americana Geneva Bybee, que esteve várias vezes na Itália, entre 2006 e 2011. Ela teve um papel fundamental na formação da primeira geração de Tribal Fusion na Europa, porque sempre transmitiu técnica de alta qualidade e sobretudo uma filosofia de vida inspiradora para a nascente comunidade Tribal, principalmente na Itália. Com o apoio da minha sócia no centro de dança San Lo’, criamos a primeira edição do Roma Tribal Meeting (em 2010) de maneira muito intuitiva, sem grandes pretensões, e o projeto funcionou. A beleza deste evento (cuja quarta edição será em maio de 2014) é que professoras e companhias de vários países europeus apresentam suas propostas de participação (em resposta uma “Call for Artists”, uma espécie de edital), e assim a equipe organizadora cria um mosaico de workshops e performances que abrangem todos os estilos da dança tribal, do ATS® ao dark/gótico. Alunas de inúmeros países (da Espanha à Rússia, do Reino Unido à Republica Tcheca, etc.) tomam parte aos workshops e se apresentam no Open Stage/Hafla. A cada edição, temos também um hospede especial para a musica ao vivo: já participaram o duo californiano Helm, o beatboxer Pete List, o ensemble de percussão italiano Takadum Orchestra. A cada edição propomos um tema que é discutido por todos numa interessantíssima mesa redonda. É um evento no-profit que obtém resultados excepcionais do ponto de vista do fortalecimento da comunidade, que é, enfim, o nosso objetivo. Neste momento está aberta a “Call for Artists” para a edição 2014. Seria muito bom começar a receber bailarinas de além-mar também!

Isabel De Lorenzo e Carolena Nericcio
BLOG: Em 2010 você obteve sua certificação em ATS® com a criadora do estilo, Carolena Nericcio. Gostaria que nos explicasse melhor sobre o processo de certificação(General Skills/ Teacher Training1 e 2) e como se alcança o tão estimado selo de Sister Studio. E qual importância de conseguir tal certificação, em sua opinião?
A especialização em São Francisco com Carolena Nericcio (em 2010) foi um dos melhores momentos da minha carreira, por várias razões. A experiência de passar quinze dias freqüentando cotidianamente o estúdio-mãe, ou seja, o FCBD®, é em si enriquecedora tecnicamente e humanamente. O General Skills ou resumo do formato ATS®, é uma passagem importante, através da qual a dançarina pode incrementar a própria qualidade técnica e a própria visão do ATS®; é um curso aberto a todos os níveis. O Teacher Training é um precioso método para a transformação do conhecimento acumulado em informação a ser transmitida corretamente. Eu sempre acreditei que uma boa professora necessita muito mais do que um training intensivo, ou seja, uma inteira vida dedicada ao estudo constante e ao ensino consciente. Mas, tenho que admitir, o Teacher Training, mesmo que breve, me acrescentou bastante. O selo Sister Studio é obtido por meio de um pedido endereçado diretamente a Carolena, e de uma sua resposta positiva obviamente. É uma espécie de conversa, breve, concisa e ao mesmo tempo muito profunda. Difícil explicar para quem não está nos meandros do processo: para ser um Sister Studio a dançarina tem que se sentir à vontade dentro do formato. É isso. É um processo que, aliás, e por sorte, não tem fim.

Tribes Brasil Fest, Rio de Janeiro (2010)
BLOG: Você participou do processo de introdução do ATS® no Brasil, quando em 2009 e 2010, você ministrou alguns workshops no país (RJ, SP, RS e BA). Como você enxergava a dança nesta época inicial, quais eram as principais dúvidas e dificuldades das brasileiras perante isso?
Você acha que, apesar de ter passado apenas alguns anos, a dança amadureceu no país ou ainda seu avanço é tímido?
Naturalmente o ATS® no Brasil amadureceu muito. Acontece desde sempre com a dança, assim como com outras correntes artísticas no nosso país, um curioso fenômeno. O contato com as fontes é limitado e difícil, ao passo que a criatividade é grande e ilimitada. Isso pode dar pérolas ou monstros. No principio eu via a dança tribal no Brasil enjaulada nesta dificuldade de acesso, com boas tentativas de superação criativa mas também com muita reprodução infeliz. Hoje parece que tudo mudou, e isso graças à internet, graças à disponibilidade da comunidade ATS® de viajar e de trazer ao país bons professores, e enfim – eu arriscaria dizer - graças à abertura política, econômica e social brasileira. Quando eu comecei a dançar, nos primeiros anos 90, era quase impossível importar um livro, um cd ou um vídeo.


BLOG:  Quando você ainda morava no Brasil, você teve contato com o ATS®? Como eram as informações sobre este estilo que chegavam no país? Como era a Dança Tribal naquela época?
Com Yasmin Nammu, nos anos 90 em São Paulo, eu tive acesso aos primeiros vídeos de Suhaila Salimpour, por exemplo, assim como ao primeiro livro de Wendy Buonaventura. Eu não tive nenhuma informação explicita sobre o nascente ATS® daqueles anos, mas indiretamente sim, porque Jamila Salimpour era mencionada naquelas fontes. Mas denominação “estilo tribal” eu só vim a conhecer quando já morava na Europa.

BLOG: Como você descreveria seu estilo;como você se expressa na dança?
Meu estilo reflete a variedade de influências que busco. Em um certo aspecto é avant la lettre, revolucionário. Ao mesmo tempo, é sóbrio e delicado - creio eu. Minha melhor expressão é no teatro. Contando uma história, mesmo que abstrata, através da dança. O teatro-dança é meu grande amor e os melhores momentos do meu percurso artístico se deram nessa forma. Posso citar dois trabalhos que fiz como atriz-dançarina sob a direção de grandes mestres, o primeiro com a companhia de Oretta Bizzarri (“Tango o della casta voluttà”, 2005) e o segundo com a companhia de Fabio Ciccalè (“Free Lux Dei”, 2009), além dos dois espetáculo que dirigi, “Al-muallaqat/Le sospese” (2008) e “Frida Suite” (2012).

  BLOG: Quais seus projetos para 2014? E mais futuramente?
No ano que vem eu estarei viajando bastante com meus workshops pela Itália. Também viajarei com um novo e entusiasmante projeto que se chama ATS® Sisters Collective, composto por cinco FCBD® Sister Studios de diversos países: eu e Silvia Grassi- Italia, Ilhaam-Espanha, Gudrun Herold- Alemanha, e Philippa Moirai- Grã-Bretanha.

ATS Sisters Collective (2013)
Photo Federico Ugolini

Em maio haverá a quarta edição do Roma Tribal Meeting. Quero também retomar meu último espetáculo teatral, “Frida Suite”. Gostaria de mostrá-lo um pouco mais, inclusive no Brasil. E, no dia-a-dia, tenho minhas alunas e minha escola para cuidar. Mais futuramente... eu não sei. Gostaria de poder passar mais tempo no Brasil, isso sim.

BLOG: Improvisar ou coreografar?E por quê?
Na improvisação está a genialidade do ATS®. Eu adoro improvisar, adoro ver colegas e alunas improvisando, porque o caráter efêmero da improvisação torna cada performance única. Se dança pelo prazer de dançar. Mas quando se trata de teatro-dança a improvisação não pode existir, a meu ver. Cada mínimo gesto teatral é estudado, cada movimento é coreografado. Para que se possa atingir uma expressividade mais complexa, a dançarina não pode estar à mercê das surpresas da improvisação.

BLOG:  Você trabalha somente com dança?
Sim.

BLOG: Deixe um recado para os leitores do blog?
A dança necessita de inspiração: na vida e na arte devemos buscar autenticidade, amor, emoções, beleza, para que retornem, na nossa dança.

 
Contatos






Para conhecer mais o trabalho desta bailarina, acesse seu canal no Youtube!
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Destaque Tribal Novembro 2013: Nadja El Balady

Expressiva, leve e impactante. Eu gostei muito dessa apresentação de Nadja El Balady (RJ), com diferentes passos, emendas, emanando uma sensação de liberdade ao dançar, claro, com muita expressividade.

A descrição do vídeo resume tudo: "Nesta performance Nadja El Balady  explora o diálogo entre Tribal, Fusion, Ventre e a linguagem contemporânea, buscando agilidade e novos conceitos para uso do espaço cênico em Tribal Fusion"

Notícia Tribal: Rachel Brice em 2014 no Brasil

Não, você não leu errado: Rachel Brice estará no Brasil em 2014!! Esse com certeza é o evento mais almejado por todas as bailarinas de Tribal do Brasil(e da América do Sul) ! Antes este era apenas um sonho lúdico(rs) e agora a Cia Shaman, na 4ª edição do Shaman's Fest traz o grande ícone do Tribal Fusion mundial.

O evento será realizado em Jundiaí, em São Paulo, em Março de 2013. As informações estarão disponíveis a partir do dia 01 de novembro com as produtoras do evento.

Realização: Cibelle Souza e Paula Braz
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Notícia Tribal: Projeto Videodança Tribal Dance

O Projeto Videodança Tribal Dance é idealizado pela bailarina Mariáh Voltaire (PR) e tem o objetivo em unir bailarinas de diferentes localidades do Brasil através de um novo e diferente conceito de representar a arte de dançar, principalmente na dança tribal: a videodança! 

Ficou curioso? Quer saber mais sobre o projeto e como participar?
Entre na Página do projeto e fique sabendo de todas as informações!

Notícia Tribal: Novo Clipe do Beats Antique do álbum "A Thousand Faces - Act 1"



Novo clipe da banda Beats Antique em stop-motion, da música "Beelzebub feat. Les Claypool", do novo álbum e turnê A Thousand Faces - Act 1.

Confira! =)
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Bailarinas do mesmo ventre



Avisos:

1-O texto é muito grande, com 6 páginas no Word, então leia se você realmente tiver tempo e interesse pelo assunto.

2- Eu não dividi o texto em partes porque a pessoa pode não ler as demais partes, por isso, se preferir, divida a leitura conforme o seu ritmo ou entusiasmo pela mesma =)

3- Essa é a minha opinião e não a verdade absoluta, eu estou aberta a diferentes perspectivas e,sim, posso mudar de opinião caso eu veja que o embasamento apresentado é coerente. Mas,por favor, vamos manter a cordialidade e uma discussão saudável, no intuito de aprendermos e nos completarmos uns com os outros .

Esse texto foi  escrito em função da seguinte  indagação da bailarina Natália Espinosa:  “O quê é o Tribal Fusion?”

 
Falar sobre o que é o Tribal Fusion requer sair da "zona de conforto", sem indagações e contestações, para colocar nossas mentes para refletir e tentar raciocinar diante do tema, que não é tão simples assim, principalmente no Brasil. Primeiro, porque não moramos nos Estados Unidos, particularmente, na Califórnia, que foi o berço da dança. Conhecer o local, entrar em contato com sua cultura e “respirar o mesmo ar” é importante para começar a entender todo esse processo. Há de se pensar também no processo  histórico, político, sócio-cultural para entender tudo isso. Ou seja, é bem mais complicado para entendermos  do que as norte-americanas. Talvez, isso esteja na mesma proporção delas entenderem o samba e todo o processo que este também possui na nossa cultura. Segundo, como já dito anteriormente, a dança entrou faltando peças, aqui no Brasil. Faltou explicarem sobre o ATS® e que este era a base do Tribal Fusion. Ou seja, faltou uma parte bem grande a ser explicada. Quando conseguiram encaixar essa peça na cena, a dança já estava enraizada e, com ela, seus vícios, suas disfunções e carências. Mas houveram bailarinas engajadas em recuperar tudo isso e reconstruir  tudo isso. A dança tribal ainda é recente no país e , por mais que o acesso as informações e professores tenha sido aumentada, a comunidade de dança do ventre ainda não entende o que é o Tribal. Tudo isso eu já disse em um post anterior, que você pode ler aqui, caso tenha interesse.

Na minha opinião, o Tribal Fusion faz parte do grupo de danças do ventre. Danças essa que não é só a dança do ventre com “glamour” ocidentalizada que estamos acostumados a ver em cima dos palcos. Pensar em Tribal Fusion é  pensar no que é a própria Dança do Ventre. É tentar sistematizar as idéias para que essas tenham coerência entre si.  De forma bem simples(resumida), conhecemos a Dança do Ventre:


  • Tradicional -libanesa, egípcia,etc; 
  • Clássica - bases no ballet clássico, como giros, postura elegante, meia-ponta,etc;
  •  Moderna  tem um visual mais flexível,músicas mais parecidas com ocidentais mantendo-se os ritmos árabes,etc;
  •  Folclore Árabe - Ghawazee, Khaleege, Hagalla,Fellahi,Núbia,etc;
  •  Fusão - fusão da base de passos da dança do ventre com outras danças, como indiana, flamenca, africana,etc. 



Todos esse conjunto de dança faz parte das danças “do ventre”. Claro, muitas delas fazem referência à dança ligado originalmente ao arquétipo feminino, à celebrações cotidianas ou estacionais das diferentes épocas do ano, da fertilidade, gestação e maternidade. Essas danças tem em comum muito gingado ,movimentos acentuados nos quadris, ondulações e vibrações abdominais. Sim, existem as danças árabes que são masculinas, mas estamos entrando apenas no mundo feminino, pois é o enfoque em questão. 

As danças folclóricas árabes são de diferentes lugares do Oriente Médio( “um termo que se refere a uma área geográfica à volta das partes leste e sul do mar Mediterrâneo. É um território que se estende desde o leste do Mediterrâneo até ao golfo Pérsico.” ) e Norte da África. Eu aprendi que estudar dança do ventre requer deixar a preguiça de lado e olhar todo o contexto em si. Então, para nos situarmos, temos que procurar um mapa geográfico e visualizar os países que fazem parte do:

·         Oriente Médio (Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Chipre, Egito,Emirados ÁrabesUnidos,Lémen,Israel,Irã,Iraque,Jordânia,Kuwat,Líbano,Líbia,Omã,Palestina,Qatar,Síria,Sudão e Turquia);

·         Norte da África(Egito, Líbia,Sudão, Argélia, Marrocos e Tunísia).

Ouled Nail
A partir daí,temos que conectar às danças folclóricas que conhecemos.Por exemplo, o Hagalla é uma dança beduína, encontrada no Egito e Líbia.Dança Núbia é originária da Núbia, região entre o  Egito e Sudão ao longo do Rio Nilo.Fellahi é no Egito, uma dança de agricultores. Khaleege é uma dança do Golfo Pérsico( Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Quatar, Bahrein , Kuwait, Iraque, e Irã.). As ghawazee são denominadas ciganas egípcias que,provavelmente, imigraram do Norte da Índia. Na Argélia temos as Ouled Nail. Enfim, essas são algumas danças típicas e suas regiões de origem.

Agora vamos nos voltar para a dança tribal. Sabemos que o Tribal tem três principais bailarinas que participaram do seu desenvolvimento: Jamila Salimpour, Masha Archer e Carolena Nericcio. A partir disso, podemos pensar em cada uma delas separadamente para depois juntá-las.

Pensei primeiro: “O quê é Jamila Salimpour?” Quais suas inspirações, influências? Como foi criado o Bal Anat? Eu não vou desenvolver tudo isso, pois isso daria outro enorme post. Então, de uma forma sucinta vou tentar colocar as respostas e esquematizar aqui. 

1)Anteriormente, Jamila foi dona de uma casa noturna, Bagdad Cabaret, no Broadway. E isso é um fator importante no contexto da dança tribal por dois motivos, na minha opinião: 


  • por ela ter estado em contato com diferentes bailarinas do Oriente Médio, conhecendo diferentes passos e catalogando os movimentos, criando um rico repertório de passos; 

  • para a construção de uma dança de entretenimento, uma dança performática.
Bal Anat

 
2)Na década de  60, o Bal Anat nasceu no contexto do Renaissance Faire, sendo um grupo bem circense, devido a sua bagagem como acrobata, havendo  apresentações acrobáticas, show de mágica, música ao vivo e representação de  fusão com danças  folclóricas do Egito, Marrocos, Argélia e Turquia de forma teatral e através de licença criativa/poética alteravam tais danças, ao introduzir alguns movimentos modernos, porém,  de forma a aparentar que eram representativos  ao arquétipo antigo para o público.Logo, a primeira geração tribal nasceu da fusão entre  as danças folclóricas de tais regiões. O figurino do Bal Anat era baseado no Norte de África e do Mediterrâneo Oriental, assuit escuros, uso de máscaras, cobras e espada(sim, Jamila também foi a criadora da dança com a espada e com a cobra na dança do ventre). Assim, este tipo de tribal é chamado como Tribal Folclórico, termo que John Compton utilizava para descrever seu próprio grupo, Hahbi ' Ru, que é uma linha bem forte do Bal Anat.
 
Hahbi ' Ru

Nosso segundo pilar foi Masha Archer,aluna de Jamila e professora de Carolena Nericcio. Masha tinha uma óptica diferente da dança do ventre, ela queria valorizá-la, trazendo-a para cima dos palcos, tirando-a da marginalidade que ela vinha sendo tratada em bares e restaurantes. Masha formou, nos anos 70, o San Francisco Classic Dance Troupe, cujo estilo era denominado “Tribal Art Nouveau”, pois ela utilizava figurinos em tons pastéis, joalherias pesadas de tribos e peças antigas tanto do Oriente Médio quanto da Europa, fazendo alusão a Arte Européia;além do uso de outras músicas além das tradicionais folclóricas, mas músicas clássicas e óperas, o que compunha todo uma visão de uma dança que lembrasse pinturas européia.

San Francisco Classic Dance e Masha Archer(à direita)

O terceiro pilar e o fomentador do estilo Tribal, é Carolena Nericcio. No final da década de 80, ela cria o seu grupo, o FatChance BellyDance(FCBD). Carolena teve muita bagagem herdada por Masha, mas a distribuição das bailarinas no palco teve influência de Jamila: forma de coro em meia-lua, havendo momentos de destaque entre um pequeno grupo de duas ou três bailarinas que depois retornavam ao coro principal. No figurino há o uso de calças bufantes, xales,cholis ,sutiã de moedas e uso de adornos étnicos e flores e muitas jóias étnicas.  Ao figurino foi acrescentado turbantes, saia rodada, bindis e cinturões com pom-pons, além de ser um figurino mais sério, com  mais uso do preto e cores vivas.Carolena resgata as raízes folclóricas  do Norte da África e do Oriente Médio, acrescentando a postura , projeção do tórax, braços e alguns passos da dança flamenca, e o Kathak, dança do Norte da Índia, também foi acrescentando, através de giros e outros movimentos  adaptados deste. Assim, houve a formatação dos passos mais utilizados a partir da necessidade de apresentá-lo em diferentes espaços(pequenos ou muito grandes), por meio da improvisação coordenada.

OBS:Lembrando que o ATS® não é a fusão aleatória da dança do ventre, indiana e flamenca! É uma dança formatada, que possui características próprias e independentes das danças anteriores mas que usou recursos das mesmas para criar sua própria identidade. Eu não vou me alongar nesse ponto, pois já dei a minha opinião sobre isso nos textos anteriores, quem se interessar, leia aqui.

Carolena Nericcio
 
Nesses três exemplos vemos o uso do termo “estilo tribal americano”. O termo “estilo tribal” pela tentativa de representar tribos e seus arquétipos de antiguidade. Contudo esse estilo não era genuíno, não era verdadeiramente étnico, pois eles não representavam fielmente seus folclores, modificando passos e figurinos; o termo “americano” é empregado para esclarecer que é uma adaptação americana, ou sob a óptica, “sensibilidade” dos norte-americanos em recriar aquele folclore e trazê-lo para nossa atualidade/realidade. Os americanos são muito performáticos, sempre elevando a arte em proporções de espetáculos e isso pode ter sido visto desde Jamila e seu show circense, visando a diversão e o entretenimento dos espectadores de forma impactante, inusitada e hipnotizante, através de uma série de atos entre  dança, malabarismos e magia. Esse lado circense é muito característico até hoje no Tribal Americano.

 
De uma forma bem simples, poderia ser um “Neo-folclore” se esse termo fosse permitido, mas deixo claro que o emprego dele é incorreto, estou utilizando apenas para ilustrar este processo, porque folclore se trata de tradição, e isso é consolidado também através do tempo, passados através de gerações.

Bom, agora depois de traçar todo esse panorama sobre nossa dança, eu vou dar o meu ponto de vista. 

Na minha opinião a dança tribal é um tipo de dança do ventre. Não a dança do ventre que conhecemos,mas sim uma dança do ventre “modificada”. Vou dar um exemplo bem simples: médico x médico veterinário. Ambos são médicos, porém, um é de humanos e outro de animais. Geralmente o médico tem mais prestígio que um médico veterinário(= dança do ventre é mais famosa que a dança tribal). Contudo, o veterinário estuda não apenas  a base da medicina comum as duas, mas outras espécies de animais(= estuda diferentes fusões, como dança indiana, flamenca, street dance, etc), ele tem outras áreas de atuação além da clínica e laboratório, mas atua no campo, tecnologia de alimentos,etc . Eu vejo a mesma coisa com relação ao caso Dança do Ventre X Dança Tribal.

Outro ponto a demonstrar que o tribal é uma dança do ventre é que esta veio de bailarinas do ventre. Percebe-se que a  maioria das bailarinas que já tem a base de dança do ventre consegue aprender o tribal sozinho( e esse foi o processo inicial que aconteceu no Brasil quando a informação ainda era escassa. Não vamos esquecer do processo que a dança se desenvolveu por aqui).  Fazendo um parênteses:eu não estou dizendo que é para todo mundo deixar de fazer aulas de tribal porque você pode aprender sozinho. Não é essa a questão. Isso foi dado a “circunstâncias de sobrevivência” e adaptação de um estilo! As bailarinas tinham que se virar com as únicas informações escassas que conseguiam ter acesso para estudar. E logo depois tivemos o início de workshops internacionais que foram alicerçando melhor o estudo das bailarinas nacionais.  Então, voltando ao assunto,imagine pegar uma bailarina que só dançou dança flamenca ou só dança indiana e nunca fez dança do ventre. Será que elas teriam a mesma facilidade que as bailarinas de dança do ventre? Eu acredito que não,apenas dominariam aquilo que diz respeito a sua dança, portanto, elas teriam que aprender os movimentos básicos da dança do ventre, como maias, shimmies etc, pois a maior base do tribal veio da dança do ventre. Imagine a dança tribal como uma árvore genealógica, quando vamos olhando as gerações vemos que o “ sangue da dança do ventre” é o que mais se mantém. O cruzamento da dança do ventre com outras danças étnicas se deu com mais força a partir da Carolena Nericcio e sua trupe.


 Além disso, além da base de movimentação ser principalmente de dança do ventre, vemos os ritmos árabes sendo trabalhados com o uso de snujs e derbakes, eu nunca vi , por exemplo, o uso de percussão indiana nas apresentações de Tribal. O uso de elementos cênicos utilizados por bailarinas do ventre, como véus, cestos, jarros e espadas. As bailarinas de tribal no exterior sempre participam de eventos de dança do ventre e não somente os especializados na fusão tribal. Todas as bailarinas famosas, assim como grupos  utilizam o termo “bellydance”: FatChance BellyDance, Black Sheep BellyDance, WildCard BellyDance,etc


A dança tribal é étnica contemporânea  no sentido de remeter às tribos,seus folclores e culturas, mas contemporâneo por ser atual e fusionar com danças modernas, como o street dance e a dança contemporânea, por exemplo, misturando músicas eletrônicas, rock, metal,etc; usar figurinos mais leves, sem tantos adornos, ou que valorizem o corpo e a execução de seus movimentos. Eu não gosto muito de usar esse termo, ainda não me sinto confortável o suficiente por ter receio dele ser usado erroneamente( e já vi muitos equívocos e por isso estou comentando), de achar que a base da dança tribal é a dança contemporânea. Essa é um conceito equivocado! Todo o processo da dança tribal veio com a dança do ventre. A dança contemporânea foi introduzida depois, com bailarinas como Tjarda e Heather Stants, por exemplo. Nesses últimos 3 anos é que ela vem ganhando mais enfoque dentro da comunidade Tribal. 


Quando penso nos principais ícones do Tribal Fusion(apenas citarei a Rachel Brice e Zoe Jakes para não me estender ainda mais nesse post) vejo que as duas convergem em suas ideologias,mas usam as bases do tribal de forma diferente. Rachel tem muita influência do estilo Bal Anat, de Carolena Nericcio e Masha Archer; mesmo nunca ter tido aulas ou contato com esta, sinto muito a força de Masha em Rachel, que sempre usa um estilo mais vintage  e a Art Nouveau em suas danças, isso foi muito bem visto no The Indigo e agora no Datura vemos as três linhagens bem características em sua dança. Eu acho que ela consegue passar um pouco das três bailarinas bases da Dança Tribal. Vejo Rachel usar a dança de forma ritualística,mas lembrando muito a cultura do Oriente Médio e suas mulheres, a força que um grupo feminino pode causar ao dançar juntas. No caso da Zoe eu sinto essa mistura meio diferente. A Zoe é muito mais performática e teatral na minha opinião, talvez seja toda a bagagem que ela vem tendo ao longo dos grupos de dança e musicais que fez parte. Zoe primeiramente fez parte do grupo Aywah de Katarina Burda, que estudou com Jamila e fez parte do Bal Anat;lembrando que a Zoe já fez parte do Suhaila Dance Company em 2001;também saiu em turnê com The Yard Dogs Road Show que tinha várias performances variadas desde tribal fusion quanto burlesco e afins. Na questão tribal dela, vejo muito o uso da raiz indiana que é a fusão que ela mais utiliza movimentos e aparenta gostar de interpretar seu cerne ritualístico.


No Brasil ainda não nos identificamos como bailarinas do  ventre e nem as bailarinas de dança do ventre nos reconhecem como tal. Talvez pela forma que a dança entrou, como poucas informações, havendo “seqüelas” para comunidade de dança do ventre que ainda vê a Dança Tribal como algo estranho. Talvez para dar destaque e status, permitindo que seja uma dança independente e não vinculada à Dança do Ventre. Talvez por preconceito de ser uma dança alternativa, com muitas pessoas tatuadas, com piercings, cabelos coloridos que podem chocar um público acostumado com bailarinas padronizadas. Enfim.

 
A dança tribal, na minha opinião, é uma dança do ventre principalmente no sentido original da palavra, por ser uma dança feminina, ritualística, de valorização do corpo feminino, do parto, da maternidade e fertilidade. Por ser uma dança cujo ventre é o alicerce de toda dança. E sinceramente, essa rusticidade e sua ancestralidade, a força que ela emana vêm da forte consangüinidade entre suas principais danças que as compõem: indiana, dança do ventre e flamenca. Onde as três convergem em sua linha genética? As três tem a dança cigana como seu ascendente. E acho que isso é determinante para que o Tribal tenha nascido com esse espírito cigano, livre, indomável,ousado,sensual,alegre e festivo, cujas mulheres dançam entre si, resgatando sua feminilidade e ancestralidade nos dias atuais. Talvez essa seja a essência, a magia, o espírito da dança que precisamos alimentar nosso corpo nos dias de hoje, que sempre oxidam com o estilo de vida criado pelo homem industrializado, computadorizado e robotizado em sua rotina cotidiana.

 

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