por Hölle Carogne
Fotografia: Dani Berwanger |
93!
"Tejida
mariposa, vestidura
colgada
de los árboles,
ahogada
en cielo, derivada
entre
rachas y lluvias, sola, sola, compacta,
con
ropa y cabellera hecha jirones
y centros corroídos por el aire."
(Pablo Neruda)
Fotografia: Dani Berwanger |
Buenas, queridos leitores da Venenum...
Hoje
compartilho com vocês um pouco sobre a história da BINAMORPH.
Binamorph, além de outras coisas, é um projeto artístico que envolve três tipos de Dark Art: pintura (Yuri Seima), fotografia (Dani Berwanger) e performance (Hölle Carogne). Entretanto, é importante dizer que em quase três anos de projeto, tivemos diversos “padrinhos”, digamos assim... Artistas que acabaram, também, contribuindo para o fazer da obra como um todo. Dentre eles: Martha Buzin, Alessandro Roos, Júnior Larethian e Carolina Disegna.
Fotografia: Martha Buzin |
Bom, vamos lá. Primeiramente, gostaria de dizer que não sou o tipo de pessoa que acha que a arte deve ser explicada. Bem pelo contrário. Creio que a arte (desde o momento que nasce) deixa de ser a concretização da ideia do artista. Ela pode até ser criada por um objetivo, mas existe por si só, depois de finalizada. Ela transcende a ideia e o artista. Ela ganha vida própria e se conecta com cada espectador de forma diferente. Da forma necessária. Em contrapartida, eu gosto de escrever. Sou uma contadora de histórias. Escrevo a minha vida no papel e no palco, com letra de niño (como disse a Saba) e com a carne do corpo. Desta forma, me afirmo cheia de contradições. Cada dia mais. Por isso, compartilho aqui a história desse projeto e conto um pouco do processo de criação em relação à minha parte. Os detalhes que envolvem a parte magicka ficarão em off, assim como os significados mais pessoais. Assim estarei respeitando a identidade das obras e cada um seguirá encontrando a sua própria interpretação e se conectando com o que for preciso.
Fotografia: Carolina Disegna | Em ordem de aparição: Hölle Carogne, Dani Berwanger e Yuri Seima |
Então...
Em meados de dezembro de 2016, o
artista curitibano Yuri Seima convidou-me para fazer parte de um projeto. A
ideia era que eu fizesse algumas fotos que ele usaria como ponto de partida
para as pinturas. Eu aceitei, com muito prazer. Mas confesso que não havia
muita empolgação ou excitação, porque eu estava bem cansada e envolvida com um
milhão de outros projetos. A inspiração não vinha, não vinha... Só
o cansaço, a rotina, a inadequação e uns pequenos detalhes líquidos da vida no
submundo...
Conversamos sobre isso e combinamos que quando fosse a hora, isso se realizaria.
Ainda em dezembro aconteceu uma situação interessante, que mais tarde se encaixaria na história. Vou contá-la aqui para respeitar a ordem cronológica.
...Um dia eu entrei em uma loja, quase instintivamente. Eu quase nunca entro em lojas, principalmente nessas de departamento. Mas entrei. Caminhei dois metros e vi um vestido branco, meio rendado, caríssimo. Pensei: "Nossa, ficaria lindo em uma performance!" Dei as costas e saí da loja.
Passaram-se alguns meses e em março ou abril de 2017 eu tive um sonho: Sonhei que tinha sido convidada para dançar e pensava na música: "Eu vou dançar a Zutzig do Wim Mertens.” Eu ouvia a música no sonho. Aí eu pensava: "Ficaria lindo usar aquele vestido que vi uma vez." E, no sonho, eu ia até a loja e não achava o vestido. Ficava meio perdida, desesperada e o sonho acabava.
Ao mesmo tempo, durante dias seguidos, eu pensava muito na Binamorph (obra do Yuri que já existia e que eu me identifiquei bastante). Lembro que fiz uma confusão com outra palavra que envolvia "moth" e fiquei pensando muito no conceito das mariposas e o que elas carregam consigo e isso se encaixava perfeitamente no momento atual da minha vida. Alguns dias depois, recebi um convite do Espaço Cultural Crisálidas, para dançar no Sarau que ele estava promovendo. (Sim! "Crisálidas!"). Na hora pensei na coreografia do sonho.
Entrei em contato com o Yuri, perguntando o que era a Binamorph. Queria tentar
entender a confusão que eu estava fazendo na minha cabeça. Ele me explicou
algumas coisas sobre esta força e sim, chegamos a conclusão que, de alguma
forma, havia relação com a ideia das mariposas. Então, ele me autorizou a levar
esse "conceito" para o palco e damos início ao projeto que recebeu o
mesmo nome da “entidade” Binamorph.
Binamorph I ~ Arte de Yuri Seima |
A minha ideia, para a performance, era trabalhar o conceito da simbologia das mariposas, porém, com a força da Binamorph (vamos pensar em um arquétipo) direcionando tudo. Não era a Diedri, nem a Hölle. Através do meu corpo, Binamorph se manifestou e pude sentí-la, viva, em mim. Mariposas são seres noturnos, que como as borboletas, passam pela metamorfose. Simbolizam a morte, porém, a morte transformadora! A ideia da morte como transmutação da lagarta para o ser alado. Elas são atraídas pela luz (fototaxia), mas ao se aproximarem dela, morrem. A luz simboliza várias coisas, dentre elas o amor ou o divino. Eu queria trabalhar tudo isso... Eu queria gritar!
Decidi que passaria na tal loja, a procura do tal vestido. Encontrei. Peça única, do meu tamanho, baratíssima. Coincidência ou não, era a roupa da mariposa!
O tule que envolve a cabeça da Binamorph simboliza o casulo.
O pano que sai da boca simboliza as asas da mariposa. A luz do candelabro
simboliza o que a atrai. O pano preto que cobre seu corpo simboliza a morte.
Havia a luz. Havia a atração. Havia a luta contra essa atração. Havia a morte!
Nada foi coreografado. Como na maioria das vezes, criei o conceito, alguns detalhes de enredo, a simbologia e a forma que ela se apresentaria para as pessoas, mas a movimentação foi instintiva e fluiu na hora.
Aqui você confere as primeiras aparições da Binamorph, no espaço Crisálidas, no palco do Dark Cabaret e dentro de um casulo, no teatro Renascença:
Vocês podem perceber que são cenas muito diferentes, em tempo, edição de música, espaço. Entretanto todas vividas com carne e sangue. E todas infinitamente potentes no quesito possessão.
Bom, voltemos ao projeto...
Eu convidei a Daniela Berwanger para fazer as fotos. Tanto as do palco, quanto as que viriam depois.
Além das apresentações, fizemos dois ensaios fotográficos, com o intuito de ter material para o Yuri poder trabalhar.
Dani foi a pessoa que a Binamorph escolheu. Não foi escolha minha. Eu confesso que pensei que seria difícil, porque não nos conhecíamos tão bem no início do projeto. Entretanto, foi a conexão mais interessante que já tive em termos de fotografia. Em alguns momentos foi nítida a presença dela (Da Binamorph). Graças à Binamorph, eu ganhei uma amiga e parceira para o resto da vida (me arrepio).
Basicamente, eu (inspirada pela
obra original do Yuri), performava. A Dani fotografava a performance (no palco
ou no formato ensaio fotográfico). E, finalmente, o Yuri pintava novas forças binamorphicas,
através do resultado corpóreo manifestado.
Inspirei-me na arte do Yuri.
E fusionando-a com alguns sentimentos que insistiam em me sufocar, trouxe a
Binamorph para a carne do corpo, e ela, de certa forma, ganhou vida entre nós,
humanos.
Coisa de louco, né?
Este é o primeiro resultado
da alquimia entre artistas:
Fotografia: Dani Berwanger | Pintura: Yuri Seima
A serpente, a forma como a
textura do corpo nada tem de humano, o vácuo ao qual ela pertence, o corpo se
esvaindo, como se fumaça ou líquido indo de encontro à algo, cada detalhe, cada
sensação ao olhar essa pintura me faz estremecer... É tudo tão real.
E seguiu-se a alquimia...
Quando vi essa arte, tive uma sensação tão peculiar... Não era boa. Não era ruim. Era real. Tudo que essa obra expressa eu sinto na pele, nos nervos, nas articulações, nos tendões. Dá vontade de rasgar a carne à unha, para libertar esta prisioneira. Eu sou casulo, sou vácuo, sou raiz, sou galhos, sou mariposas e borboletas tanto quanto sou lagarta. Sou o vento que existe entre cada asinha que bate. Sendo vida, sou morte. Sendo morte, sou vida. Sou BINAMORPH!
Em 05/11/2017, Yuri escreveu: “De longe é o projeto mais intenso em que eu já trabalhei até hoje. A minha autocrítica sempre foi muito severa desde a infância, quando eu rasgava meus desenhos por não atingir os resultados que eu esperava, mas do final do ano passado pra cá tenho me entregado para esse processo da Binamorph, literalmente de corpo e alma, onde tenho exercitado minha paciência, disciplina, amor/vontade e pela primeira vez estou satisfeito com os resultados, sentindo que estou no caminho certo e tocando coisas reais! Não tenho palavras para descrever a maior parte do que nós artistas envolvidos estamos vivenciando, pois o ponto principal do trabalho é espiritual e muito íntimo. Obrigado, Hölle e Dani, tenho aprendido muito sobre a minha própria arte através de vocês.”
O final da primeira performance era
uma cena onde cubro meu corpo com um pano preto. Eu findo.
Fotografia: Dani Berwanger |
E eu senti como se estivesse embaixo daquele pano. Eu senti como se a minha existência não pertencesse à alguma superfície. Eu estava à margem. Eu estava encaixotada. Afogada. Enterrada. Aninhada em alguma raiz de árvore.
Eu estava embaixo daquele pano. E Binamorph rondava. Ela queria ensinar algo.
Foi quando eu senti inspiração para criar a segunda
performance: Binamorph ~ Morituri. O que havia embaixo do pano? Como enxergar
na escuridão? O que tem depois da morte?
Eu não sonhei com a performance em si, desta vez. Mas
lembro de ter sonhado que eu morria; um amigo tentava me ajudar, mas não era
possível, eu estava morrendo mesmo e eu ficava sussurrando repetidamente: "...Atravessou a fechadura com o
que pôde... Atravessou a fechadura com o que pôde... Atravessou a fechadura com
o que pôde..." Essa
era uma frase do Glaucus Noia, de um texto sobre uma mariposa, que de tanto eu
ter lido, deve ter ficado alojada na minha cabeça.
A questão é que esse sonho
aconteceu muito tempo antes da inspiração e só depois eu fiz a conexão, pois eu
estava habitando a Morte, vestida com chaves e fechaduras.
A magia é diáfana... (me
arrepio).
Eu sabia exatamente o que fazer para atravessar a
porta...
Foi no palco do Dark Cabaret que Binamorph
~ Morituri se manifestou:
Aqui você confere o vídeo:
E aqui a pintura do Yuri que, desta vez, utilizou-se de um registro da Carolina Disegna (dona do local onde ocorreu a performance):
Em 01/07/2019, Yuri escreveu: “Binamorph IX - Nona e última pintura que completa o conjunto de obras que vai para o evento, em Porto Alegre. Foi a obra que mais demorei e tive trabalho para fazer. Durante o processo tirei uma carta de Tarot, para entender a essência da obra, que para mim ainda não era nada claro... Saiu o 9 de copas (tarot de Thoth) que, coincidência ou não, a carta nove fez relação com a pintura número nove, e para quem conhece o baralho também sabe que a carta tem as mesmas cores que essa pintura (que não foram de minha escolha, reproduzi as cores da foto de referência, registro da performance da Hölle Carogne). Relacionando as obras com as Sephiroth da Kabbalah, essa representa Yesod (lua), que mais uma vez, coincidentemente ou não, tem as cores correspondentes da obra. O eclipse representa a lua de Yesod sendo iluminada pela beleza de Typheret, as duas sephiroth alinhadas ao meio da árvore da vida. A exposição das obras juntamente com a última performance e registros irão representar Malkulth que é a manifestação física de todo o processo e quando o ciclo se encerra. XIII, 93,93/93!”
Fotografia: Martha Buzin |
É estranho, mas parece que ela nos direcionou a criar tudo isso, exatamente da forma que foi criado.
Fotografia: Martha Buzin |
"Quando
já não havia outra tinta no mundo
o
poeta usou do seu próprio sangue.
Não
dispondo de papel, ele escreveu no próprio corpo.
Assim,
nasceu a voz, o rio em si mesmo ancorado.
Como o sangue: sem voz nem nascente."
(Mia Couto)
Bom, lá estávamos nós, organizando uma exposição para ela. Evento esse que seria também uma despedida. Estávamos todos muito ansiosos e felizes por contemplar um grande desfecho para este projeto que tanto nos nutriu e fortaleceu.
Na exposição, tivemos fotografias da Dani e todas as 9 pinturas do Yuri ao acesso do público e eu... Bom, eu pude uma última vez, encarnar esta, que ainda me acompanha e para quem direciono todas as minhas preces.
Mais uma vez, ao buscar a luz, morri:
Mais uma vez, ao morrer, encontrei a luz que tanto procurava:
E, finalmente, comecei a entender o que era iluminação:
Aqui você confere o vídeo completo
com todos os momentos da exposição, pelos olhos do Júnior Larethian:
Algumas curiosidades:
- Uns dias depois da
expo, fomos, Yuri e eu, em um evento xamânico, e além de comemorarmos o
aniversário dele, nós queimamos as máscaras usadas nas performances. Foi triste
e belo.
- Binamorph também inspirou Yuri a compor músicas, juntamente com sua banda Hokmoth (olha a mariposa aí, minha gente). A banda é formada por Tati Klingel (vocal), Yuri Seima (guitarra), Mario Kmiecik (bateria) e Lucas Rafalski (baixo).
Aqui você confere a música “Binamorph Part I ~ Albedo”:
E aqui a “Binamorph Part II ~ Eros and Violence”:
BINAMORPH pt-II - Eros and Violence
my guts, flesh.. feelings
devoure me as you spread these wings
pure.. naked.. worm.. immaculate
touch me.. teach me.. kill me!
angel! i know that your bless is
destruction
force me to die ... let me breathe!
who am i?!.. what am i?!.. as a storm
i see you, mother.. give me back!
illusions, restrictions, redemption..
Binamorph.. my transformation!
Fotografia: Martha Buzin |
Bom, chegamos ao fim desta
história...
Binamorph ensinou. Mas sua mão é pesada. Mão de mãe. Seus ensinamentos são dolorosos. Ela veio para devastar. Varrer tudo... Carne, músculos, vísceras, sentimentos, água. Vai roer até os ossos e então, algo novo surgirá.
Sua lição é como a de Saturno... Lição de maléficos, cuja artimanha está em
segurar o grande espelho da vida. Eu não sei exatamente o que é a Binamorph, ou
o que ela quer. Mas eu a sinto. Eu a vejo. Ela está em mim. Eu espero poder
ressurgir do fundo do mundo, me reerguer de debaixo do pano. Eu estou no
processo da larva, agora. E eu espero renascer, amanhã. Transformada.
Transmutada em vida, em movimento, em vôos e bater de asas. Eu espero voar
viva, eufórica. E se houver uma luz, morrer de novo. Transformar-me sempre.
Trocar de pele quantas vezes forem necessárias. Estar viva, para poder morrer. Estar
morta, para poder viver.
"Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto. Cria outros,
para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado para se
esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo. Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe. E dentro de tudo."
Obrigada, Yuri! Obrigada, Dani!
Obrigada à todos que, direta ou indiretamente, fizeram
parte deste processo!
Por fim, obrigada Binamorph, quem quer que você seja, por me mostrar uma face de mim mesma que talvez não conhecesse: mais forte, mais corajosa, mais compreensiva com a vida cíclica e um pouco mais apaixonada pela morte!
Obrigada a todos que leram
até aqui!
Até a próxima!
93,93/93
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Venenum Saltationes